IV - Alarde

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CASSIE

 Quem aquele deus ridículo pensava que era para dar ordens a mim? Os meus sentimentos em relação a ele iam de Legal, um deus! para Ah, céus, tirem esse garoto de perto de mim! Quando saímos de casa, olhei para o ponto em que Alyon caíra. Eu já começava a me arrepender de ter levado ele para dentro. O garoto perguntava o nome de cada prédio por que passávamos.

 - É só um monte de tijolos! - respondi, louca para colocar uma mordaça nele.

 - Os templos dos humanos são estranhos - Alyon comentou.

 - Templos? - Clarisse repetiu. - Que templos?

 - Onde vocês moram. São enormes.

 - Casas. São casas. Os mais altos são edifícios e apartamentos.

 Alyon assentiu apreensivo.

 Dobramos uma rua, e entraram num supermercado gigantesco. Ouvi Alyon soltar um suspiro ao entrar. Ele estava nos seguindo, olhando cada pacote ou lata nas prateleiras.

 Ótimo, pensei. Mas eu não vou virar guia turística desse deus.

 - Os humanos dão nomes estranhos para comidas - Alyon falou, olhando para uma lata de sopa. - Antigamente era mais fácil: pão, carne, ambrosia.

 Clarisse riu.

 - Eu concordo. São nomes esquisitos mesmo.

 Puxei ela para alguns passos longe de Alyon.

 - Como você suporta as perguntas desse cara? - perguntei.

 - Ah, Cass - ela sorriu para mim. - Na minha opinião, você é quem deveria tentar interagir com as pessoas! Se solta! Você é anti-social demais.

 - Não sou anti-social.

 - Aham, sei. Tente falar com ele. É um deus. Garota, quantas vezes você já viu um deus?

 - Você está aceitando bem demais.

 - E o que me diz de você?

 Não respondi. Mas ia tentar seguir o conselho da minha amiga. Voltamos para perto de Alyon.

 - Então - comecei -, o que deuses comem?

 - Ambrosia e néctar - Alyon respondeu.

 - Só? - Clarisse indagou.

 - Em parte... - ele se interrompeu. - O que é aquilo?

 O deus apontou para a fruteira, uma mesa cheia de bandejas de morango.

 - São frutas - respondi simplesmente. - Morangos. Por quê?

 - Não... - ele estreitou os olhos. - Tem um cheiro parecido com néctar.

 - Eu não sinto nada - Clarisse farejou o ar, e, aparentemente, as frutas estavam longe demais para que ela sentisse. - Como você sabe o cheiro? Estamos a metros de distância.

 - Meu pai, Athirío, é o deus dos animais. Mas também caça.

 - Ironia - falei.

 - Eu... puxei os sentidos apurados. Ao menos Júpiter não tirou isso mim.

 - Por que você está na Terra?

 A expressão dele endureceu.

 - Não importa.

 Comprimi os lábios. Aquilo lembrava demais eu mesma. Eu também odiava falar do passado. Eu tinha uma lei que impusera em mim mesma: nunca olhe para trás. Mas não conseguia controlar que memórias recentes voltassem. A voz de Audrey parecia retumbar nos meus ouvidos. Você falhou comigo de novo. Você me decepcionou. Cerrei os punhos com força, e me obriguei a olhar para onde estava indo, me recusando a derramar uma lágrima. Ainda mais por aquela bruxa.

 Dura como pedra, murmurei para mim mesma em pensamento. Você é dura como pedra.

 Olhei para frente. Quando percebi, quase esbarrei em Alyon. Parei a um metro de distância. Teria sido vergonhoso. Ele e Clarisse já estavam enchendo um uma cesta com morangos.

 - Não me olhe assim! - Clarisse protestou. Desviei o olhar. - Me ajude! 

 Pegue uma bandeja e encarei Alyon.

 - Para que tanto?

 - Isso é quase néctar - ele falou. - Então, de acordo com as minhas contas - ele pegou a bandeja das minhas mãos delicadamente -, isso já basta - concluiu.

 Pisquei e encarei a cesta cheia de morangos. Não era exatamente minha fruta favorita. Imaginei qual seria o sabor do néctar.

 Começamos a andar até o caixa. Tudo estava ótimo... Bem, até Clarisse ver a livraria.

 - Não - falei. - Nada disso.

 Clarisse lançou para mim um olhar pidão. Não adiantou. Aquela garota vivia com o nariz nos livros. Eu não entendia. Achava engraçado ver Clarisse rindo sozinha, ou fazendo as expressões que os personagens faziam. Mas, particularmente, eu não tinha a santa paciência para ler. Parecia que nunca tinha fim!

 - Vamos andando - decidi.

 Eu estava começando a andar quando Alyon segurou meu pulso.

 - Espere - ele falou.

 A mão dele fazia tranquilamente a volta no meu pulso, e, apesar da ascendência de Alyon ser de uma deusa da neve, a mão dele era quente. Eu estava olhando freneticamente em volta, e meus sentidos se apuraram. Novamente aquela sensação de que algo estava errado... só que mais forte.

 - O que foi? - Clarisse sussurrou.

 Alyon finalmente soltou o meu pulso e relaxou um pouco.

 - Nada, eu acho - a voz dele estava distante, como se visse algo através das prateleiras.

 - Nada não é - assegurei. - Algo está perto. Algo ruim.

 -  Ah, deuses do Olimpo, isso é perseguição.

 - Shh...

 Olhei em volta. Era só o que faltava: policiais aparecerem ali. E então já era. Mas, não... Não eram policiais.

 Em algum corredor, alguém gritou:

 - Cachorro enorme!

 - Lupa! - Alyon anunciou.

 - Alyon - chamei. - Eu não teria tanta certeza

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora