XXII - Maldição

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CASSIE

Sim, eu sei. Eu sei. Por que não entreguei Dylan em embrulho de presente? Porque sou idiota, e porque não consegui fazer isso.

Os fantasmas não perderam tempo, e vieram com suas formas bruxuleantes para cima de nós. Lupa, graças aos céus, pareceu ouvir meus pensamentos, e se posicionou na frente de Noah, protegendo-o. Apesar da minha cara de determinação, eu estava apavorada. Apavorada com os fantasmas, apavorada com o fato de Plutão ser meu pai, com as Portas de Hades e com meus poderes. Estava apavorada com a possibilidade de alguém se machucar ali. Apavorada por ter pensado isso, e por não ser mais eu mesma, por não me conhecer mais. Eu queria desabar no chão e ter tempo para pensar em tudo aquilo, mas todos me viam como a garota forte e implacável que eu me mostrava, e não podia ser nada mais que isso. A minha única certeza era de que não podia desapontá-los, a única. Se não fosse por isso, eu enlouqueceria. Na verdade, naquele momento, não sabia se sairia viva daquela luta.

Minha adaga não parecia ter efeito algum nos fantasmas, e eles eram mais, muito, muito mais fortes do que aparentavam. Um deles desferiu um soco no meu rosto, e imediatamente senti o gosto metálico de sangue na boca. Cada ataque meu equivalia a um beliscão, enquanto os ataques do fantasma me acertavam como bigornas. Na minha volta, ninguém estava muito melhor, a não ser talvez Alyon, claro, em forma de diversos animais. Era um pouco fascinante, como ele podia se transformar, digo. Se bem que, no momento, eu não podia me dar ao luxo de parar e observar. Clarisse também demonstrava um potencial de dar inveja. Ela, ao invez de usar os punhos, ou armas, usava o que havia ao redor. Uma tampa redonda de lata de lixo? Claro. Uma haste de metal enferrujada e parcialmente corroída? Ótimo. Sacos de lixo? Por que não? E em meio a tudo isso havia Dylan: usando poderes que eu não imaginaria que ele tivesse. Cada vez que o fantasma investia contra ele, o golpe simplesmente passava por ele. Quero dizer, como se ele não fosse sólido. E usava das mesmas técnicas que Clarisse: usando qualquer coisa que encontrasse. Enquanto isso, Lupa defendia fielmente Noah, como se ele fosse um de seus filhotes. E eu? Não estava tão bem assim. Meus cabelos estavam grudados no pescoço e no meu rosto com o suor, e minha jaqueta, na cintura, só atrapalhava. A regata que eu estava vestindo – sem mangas, que deixava uma boa parte das minhas costas expostas – também não era a melhor coisa que eu poderia estar usando no momento. Meus braços estavam cheios de hematomas e doídos. Em uma tentativa desesperada de enfiar a adaga no fantasma, o monstro simplesmente segurou meu pulso, arrancou a adaga de mim e a jogou longo, por cima do meu ombro. Encarei ele por um segundo, cética. Jura que aquela coisa, que é consideravelmente mais forte que eu, tem a audácia de tirar minha única arma? E eu gostava daquela arma!

– Isso é golpe baixo – resmunguei.

Eu precisava me virar, porque o fantasma já havia soltado meu braço e começava a me atacar. Eu só tinha os punhos, e alguma força que eu nunca havia me dado ao trabalho de testar. Sim, já me meti em brigas, mas, normalmente, não preciso usar da força bruta. Naquele momento, comecei a me arrepender. Tentei pensar freneticamente em algo, algo que me protegesse, algo grande e resistente, como... como asas. Tentei imaginar as asas se abrindo, mas era um pensamento desesperado, porque eu já começava a sentir os golpes ficando mais fortes contra a minha pele. Pensei nas asas negras de um corvo, penas longas e macias, abrindo-se contra o vento. Não funcionava.

Eu tenho o controle, falei para mim mesma em pensamento. Sei que tenho. Esses dons são parte de mim, e sei que estão em algum lugar. Eles estão em mim, eu os sinto. Posso controlá-los.

Tentei pensar nos outros a minha volta, enquanto bloqueava com meus braços o meu rosto. Clarisse, com uma barra de metal na mão, se defendia bem do fantasma, mas estava começando a ficar cansada. Eu podia ver o pânico nos olhos de Noah quando olhava para ele, e via Lupa tentando protegê-lo. Dylan estava ficando esgotado por causa dos poderes que usava, e começava a perder o controle da briga. Alyon, em forma de lobo, voltava a ser humano, com os cabelos louro-platinados grudados no rosto, exausto pelas transformações. Ele se movia, e não parecia nem tocar o chão. E eu era a filha de Plutão, semideusa filha do Mundo Inferior... que estava apanhando para uma criatura que nem deveria ser sólida. Aquilo era um pouco inadmissível. E então, a familiar sensação de vento batendo nas minhas costas e o vush, como um leque abrindo. O fantasma na minha frente congelou, assim como os outros... e todo mundo. Olhei para trás, e vi as enormes asas de cinco metros de ponta a ponta, enormes, saindo das minhas omoplatas, com penas negras enormes, e, graças a Deus, minha regata oferecia espaço de pele exposta o suficiente para as asas não rasgarem o tecido. Olhar para trás e vê-las, me dava um ótima sensação de imponência, me fazia sentir poderosa e capaz.

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora