XLIV - Um Cachorro Não Precisa de Três Cabeça

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CASSIE

Vi, incrédula, centenas de milhares de fantasmas se afastarem penosamente, como se quisessem se manter longe da briga e ainda assim ter uma vista de camarote. Covardes! Mas eu não tinha tempo para manifestar meu aborrecimento, porque Cérbero parecia mirar em mim – ah, que novidade! Corri desesperada, procurando um lugar para me esconder, ou que ao menos me desse uma vantagem: mas o Mundo Inferior estava firmemente decidido a não facilitar as coisas. Minha única escolha foi, naturalmente, abrir minhas asas e alçar vôo desequilibradamente do jeito que consegui. Mas era difícil o bastante com o tamanho do cão, e fechou com chave de ouro quando vi, cética, que havia um teto, não muito alto, como uma caverna, que me dava oito metros de distância de Cérbero, a altura exata dele, e eu tinha quase certeza de que ele pularia aquela altura se quisesse realmente. Mas ironicamente, ele parecia mais interessado nos alvos em terra, o que era mais fácil para ele.

E ele já tinha um alvo em mente: Dylan Baron. O garoto era impressionante lutando, ao menos da minha vista de cima, e parecia muitíssimo mais poderoso ali, no Hades: sempre que uma das cabeças do canzarrão o “mordia”, a bocarra de Cérbero literalmente passava por ele, como se mordesse água ou um holograma. Outra coisa que fez meus queixo cair foi a névoa, e não estou falando da que ocultava o outro lado do Estige, me refiro a que literalmente saía das mãos de Dylan: eram como cordas se enroscavam em volta de Cérbero, e o cão gania em agonia, como se machucassem. Em minha posição, vi, e uma grande fúria borbulhou em mim, um enorme grifo atacar o rosto de Cérbero a bicadas e arranhões. Tive extrema vontade de matar Alyon naquele momento, quase mais do que o normal. Mas outra coisa despertou minha atenção: Clarisse. Ela estava parada na frente do cão, como se ele fosse apenas um muro incomodo no caminho dela, e murmurava algo que eu não podia ouvir daquela altura. Já Silena, estava muito concentrada em atacar as patas do cachorro gigante, sem muito efeito. E eu precisava agir – não podia ficar ali assistindo!

Voei dando um rasante em direção ao chão, cada vez mais perto... Quinze metros... Dez metros... Oito metros... Cinco... Três, muitíssimo perto agora... E a alguns centímetros de colidir violentamente com o solo, direcionei com incrível habilidade minhas asas para cima – como eu sabia fazer aquilo?! – , voando majestosamente para cima, mas eu não era a única a subir... Atrás de mim, pedregulhos do tamanho de carros voavam do chão, voando cinco metros, oito metros para cima, para logo depois caírem em cima de Cérbero. A chuva de pedras durou pouco, mas somada a todos os outros ataques, rendeu: Cérbero logo foi dominado, soterrado por pedregulhos, seriamente ferido no rosto e nas patas, e com a névoa de Dylan apertando-o sem dó.

Pousei pela primeira vez com graciosidade, na frente da cabeça central do cão, a um metro de seu enorme focinho.

– Preciso ter uma conversa séria com Plutão sobre essa aspiração a coisas mortais – murmurei pelo canto da boca, ainda encarando Cérbero.

– Concordo plenamente – Clarisse e Alyon falaram ao mesmo tempo. Alyon havia voltado à sua forma normal, e como era de se esperar, estava mais pálido que pergaminho.

– E Clarisse... – falei, me virando para ela. – Que diabos você estava fazendo plantada como um poste na frente dessa coisa?

Clarisse se tocou do que eu estava falando e soltou uma risada.

– Ah, isso! Ora, por favor, Cass, é sério que você não notou que ele estava paradão ali, sem resistir muito?

– Agora que você falou... é verdade. O que fez com ele?

– Nada – ela encolheu os ombros. – Só falei com ele.

– Falou com ele? – foi a vez de eu e Dylan falarmos em uníssono.

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora