XX - Mundo de Cabeça Para Baixo

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CASSIE

 – Por favor – Clarisse pediu. – Alguém me explique o que aconteceu aqui.

Antes que eu pudesse abrir a boca, Noah veio correndo até mim, com os olhos grandes brilhando.

– Uau! – ele deu alguns pulos de alegria, depois parou e me encarou. – Que legal! Você é filha de um deus. Posso ver essa pedra? Você, pode, sei lá, conjurar um exército de corvos? Tem mesmo poderes?

Levei um segundo para processar as respostas.

– Depois, não e sim – olhei para a pedra na minha mão, com uma mistura de fascínio e curiosidade.

– Filha de Plutão – Dylan falou, com aquele sotaque francês que ele enrolava com o inglês, caminhando calmamente em nossa direção. – Intéressant.Alyon deu um soquinho de brincadeira do meu ombro.

– E romana. Quem diria? – ele forçou um sorriso, mas não parecia contente. Estava quase cabisbaixo, na minha opinião.

– O deus dos mortos – Clarisse falou. – Por que eu não me surpreendo?

Eu ri, mas na verdade, estava apavorada. Semideusa? Poderes? Tudo isso havia sido atirado em cima de mim sem piedade. Eu não queria aqueles poderes, eu não queria Lycaon atrás de mim, e eu não queria ser semideusa. Eu sempre fui um pouco semisemi esperta, semi bonita, enfim –, mas eu não estava me sentindo nem um pouco deusa.

– Vamos andando – decidi. – Semideusa, humana, deusa ou o Saci, Lycaon ainda está na nossa cola. Se formos pegos aqui, estaremos encrencados.

– Estou com fome – Noah falou.

– Não podemos... – olhei para ele antes de terminar a frase. Ele estava fazendo beicinho e os olhos estavam brilhando. – O.k.! Passamos em um lugar e compramos alguma coisa.

– Isso!

Sorri, enquanto Noah saía saltitando do beco. Guardei a pedra de Ártemis no bolso, ocultando um pouco o brilho. Lupa me empurrou de leve com a cabeça e latiu baixinho.

Olhei para Alyon.

– Tradução?

– Ela disse que está orgulhosa – ele respondeu, mas sem expressão no rosto.

– O que foi? Você não gosta de Plutão?

– Não, claro que não. Plutão é um cara legal.

– Então por que essa cara?

– Que cara?

– Cara de velório. Parece até que não gostou do fato de eu ser semideusa.

– Não foi a melhor noticia do mundo – ele murmurou, de modo que não consegui entender direito.

 Começamos a procurar um lugar para comer, mas eu estava completamente distante. Toda essa história de Plutão... Como eu poderia manter o foco? A minha cabeça estava tão nas nuvens que quando me dei conta, havia cinco copos de milk-shake na minha frente, em cima de uma mesa redonda de uma sorveteria, e todos estávamos sentados nela. Eu sempre me esquecia que, quando estava distraída, meio que entrava no "piloto automático". Clarisse, como eu esperava, atacou o milk-shake de mamão papaia , o sabor favorito dela. Noah estava super concentrado no seu milk-shake de chocolate, Dylan não parecia muito interessado. Havia dois ainda na mesa, e eu não sabia qual era o meu. Havia um possivelmente de baunilha, e um de morango. Deduzi, claro, que o de morango fosse de Alyon. Peguei o de baunilha, e o gosto gelado na minha boca me fez acordar um pouco – mas não esquecer o turbilhão de questões na minha cabeça. Peguei a pedra de Ártemis do meu bolso e girei entre os dedos. Lupa, debaixo da mesa, fez um som profundo com a garganta.

– O que foi? – Alyon e Clarisse perguntaram ao mesmo tempo, depois se entreolharam, confusos.

– Hã? – foi o que eu soltei, tentando focar neles dois.

– Você está com cara de quem está no mundo da lua – Alyon observou.

– E está... hum, matando seu milk-shake – Clarisse apontou para a mão que ainda segurava o copo.

Meus dedos haviam afundado no plástico, e ele fez aquele barulho horrível de plástico desamassando quando apertei o copo para ele voltar para o lugar.

– Estava pensando. Acho que estou um pouco estressada – admiti. – Você sabe, essa coisa toda.

– Ao menos é Plutão – Dylan falou. – Um deus que todo mundo conhece. Não... Macária, par exemple.

– Quem é essa?

Exactement.

– É a deusa da boa morte. Uma filha de Plutão – Alyon explicou. – Aliás, Melinoe...

– Por favor, não fale – pedi. – Já tive impressões ruins o suficiente dela. Não preciso me lembrar de que ela supostamente é minha meia-irmã.

Uma expressão que eu não sabia identificar passou pelo rosto de Dylan – talvez uma mistura de desdém e raiva. Eu, sinceramente, não conseguia olhar para Dylan. Tudo menos a verdade. Tudo menos a verdade. Essa maldita frase passava e repassava na minha cabeça. O que de tão grave aquele garoto poderia estar escondendo? Eu mesma não havia tentado esconder nada de ele – exceto meus poderes, mas isso era por questões lógicas. Mas não era nada tão... tão... Ah, eu nem sabia como classificar aquilo!

– Eu fico pensando... – comecei, não para alguém específico. – Como foi que Plutão... Como ele...

– Se apaixonou por sua... por Audrey? – Clarisse completou. – Ela nem sempre foi... foi...

– Paranóica? Possessiva? Desumana? Não, só mais da metade da minha vida – tomei um gole do milk-shake, sem vontade. – Antes disso... Ela nunca foi a melhor mãe do mundo. Mas era, é, bonita.

Uma imagem de Audrey apareceu na minha cabeça: os olhos azuis, profundos e hipnotizantes, o cabelo dourado com cachos perfeitos, caindo sobre os ombros e pelas costas, o corpo esbelto e magnífico, digno de inveja. Afastei a imagem indesejada. Mas eu não conseguia parar de pensar que eu não era parecida nem com ela, nem com Plutão. Será que eu tinha que me sentir completamente deslocada em tudo? Será que eu tinha que fugir de tudo? Nada nunca seria permanente para mim, eu estava começando a aceitar isso. A única fagulha de felicidade que eu tinha, algo sempre vinha e embaçava tudo.

Decidi mudar de assunto. Cutuquei Alyon.

– Com saudades do Olimpo?

– Nem tanto quanto eu deveria sentir – ele admitiu.

– Gostando dos mortais? – Clarisse provocou.

Alyon deu um sorriso torto, mas não respondeu nada. Embaixo da mesa, Lupa rosnou alto.

– Vamos – Alyon tinha um tom sério, mas a voz era calma. – Assim como Lupa, não acho que ficar aqui, nesse lugar superpopuloso vá ajudar. Temos que ir sair daqui.

– Concordo – disse Dylan. Ele levantou a cabeça e olhou em volta, mas não consegui ver para onde ele havia olhado, mas ele empalideceu. – Vamos sair daqui. Agora.

Em Busca da Origem - As Portas de HadesOnde histórias criam vida. Descubra agora