MORGANA (CONCLUÍDA)

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Se curar não é algo fácil, nem mesmo rápido. Naquele Natal, eu pude sentir que a vida sempre me levava para lugares misteriosos. Para Polônia, Hungria, Brazil, Venezuela... Boston! E agora NYC.

Foi difícil olhar pro futuro e enxergar que eu podia sim ser feliz. Mesmo que em um apartamento caindo aos pedaços e feio, eu já conseguia me sentir mais liberta.

Ganhei um presente de Ike. Uma foto linda dele e sua família, além de outro suéter, só que esse era vermelho. Dentro do pacote tinha ainda duas coisas: a primeira era uma carta e a segunda era uma fita.

Sorri olhando aquilo. Eu também havia enviado um presente para ele. Fiz um álbum enorme com nossas fotos de infância e algumas fotos minhas depois da Venezuela. Fiz uma montagem com ele em todas as fotos que ele não estava e coloquei uma seta apontando é escrito: "você estava sim comigo". Enviei a ele também, dois boxes especiais, o red e blue da primeira edição, dos Beatles que sabia que ele não tinha mais já que seu irmão (Zac) havia pegado emprestado e perdeu de alguma forma. Demorei muito para conseguir arrematar no eBay já que esses eram muitos difíceis de encontrar. Foi dolorosamente caro.

A fita que ele havia mandado, era bem recente. Sua voz no início, antes da primeira música, era atual.

Para a baby mais baby dos baybes baybay
Estou bêbado, por favor ignore.
Essa é pra você, gatinha. Feliz natal de 2018.
Te amo.

Comecei a rir após ouvir aquele recado. Na sequência estavam músicas do Queen e eu percebi que jamais acharia alguém como ele. Mesmo nos falando pouquíssimo, ele lembrou mesmo de mim. Assim como eu dele.

A sua carta foi escrita com ele sóbrio, muito provavelmente.

Morgs,
Não sei se você sabe, mas cometemos um crime de amizade. Era proibido de me deixar de lado. E mesmo que tenha feito isso — o que é horroroso — Eu te envio esse presente como forma de agradecer por saber que você está aí, em NYC, nesse mesmo endereço e que saberei se você se mudar para qualquer lugar do mundo.
Foi difícil entender que não podemos viver do passado, mas você tem razão: podemos construir coisas novas, conversar com gente nova e aprender também.
Por algum motivo você quis se afastar de mim nos últimos meses. Eu fiquei triste, mas entendo que as vezes a gente faz essas coisas pra se encontrar. Espero que você tenha se encontrado, Morgs. Eu ainda ando meio perdido e gostaria de ter uma amiga que me ajudasse nesse caminho.
O ano de 2018 foi um ano muito difícil pra mim, não esperava me separar de minha esposa. Fiquei perdido, me senti sozinho, chorei. Qual é, Morgs? Eu também choro, ok?
Eu sei que você deve tá aí chorando emocionada com essa carta. Apenas pare também, ok? Você precisa parar de chorar e ligar pra mim.
Saiba que eu sempre estarei aqui, mesmo quando você não quiser conversar comigo.
Te amo, Morgana cara de banana.

Ele tinha razão. Eu estava chorando. Eu tinha enviado o presente, mas não achei que ele enviaria algo para mim também. Me sentia péssima por tê-lo afastado de mim.

Peguei o celular enquanto limpava as lágrimas. Liguei e ele atendeu na primeira chamada.

— Você tem que parar de adivinhar o que eu faço.

— Eu seria um péssimo amigo se não soubesse disso.

Ri pensando em como eu amava aquele homem.

— Obrigada pelos presentes.

— Eu também agradeço pelos meus. Quando vi que você tinha enviado aqueles CDs, eu saí gritando pela casa.

— Você recebeu quando?

— Agora a pouco, e você?

— Agorinha também. — Falei rindo. — Desculpa por me afastar. Eu não tava bem... nem pra ser amiga.

— Morgana, deixa de ser tonta. Você jamais será uma amiga ruim. Eu sei que as vezes a gente precisa de um tempo e eu sei respeitar isso. Mas jamais viraria as costas para você.

— Eu sei disso. — Limpei as lágrimas. — Você é horrível me fazendo chorar na véspera de Natal.

— O que está fazendo aí sozinha de novo, garota?

— Estou aproveitando uma garrafa de vinho e ouvindo seu mixtape.

— Você deveria tomar cachaça, sabia? Melhor bebida, melhor. Não há nada como cachaça.

— Isso é uma bebida ou uma mulher?

Ele riu alto do outro lado da linha.

— Ike... tem muita coisa que gostaria de te contar, mas gostaria que fosse pessoalmente.

— Quais seus planos para o ano novo?

— Infelizmente vou trabalhar. Mas podemos nos encontrar depois.

— Você vira à Tulsa?

— Pode ser. — Sorri. — Assim aproveito e vejo todo mundo.

— Vai ser ótimo.

— Vai sim.

— E ei, Morgs.

— Oi...

— Tem mais uma coisa na sacola. Escondido. Dá uma olhada.

Peguei a sacola e procurei qualquer coisa que ele poderia ter guardado. Achei. Era uma correntinha com minha inicial.

— Sério, Ike? É linda!

— Eu vi na loja e queria um "i", mas só tinha "m" então...

— Que mentira!

— É mentira! — Ele riu. — Tire uma foto e me mande, ok? Feliz natal. E não beba muito.

— Obrigada Ike. Feliz natal.