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☀️

Ike iria embora naquele dia ao fim da tarde. Acordamos tarde e com preguiça naquele domingo. Eu não queria que ele fosse. Mas ele também tinha suas obrigações e eu as minhas.

Eu sabia que precisaria ter uma conversa séria com ele, uma conversa onde ela não podia mais fugir.

Ike estava mais preguiçoso que o normal e sugeriu pedir comida. Concordei já que eu também estava um pouco cansada daqueles dias. Pedimos uma yakisoba e comemos na cama mesmo, assistindo alguns clipes na MTV.

— Ike, precisamos conversar. — Me virei para ele um pouco depois de almoçarmos.

— Não gosto quando alguém fala dessa forma. — Ele falou rindo.

— É sério. — Ri também é dei um soquinho em seu ombro. — É sobre Antony.

— Antony é seu ex noivo?

— Isso.

Ele desligou a TV e olhou para mim:

— Sou todo ouvidos.

Estava ansiosa. Tinha medo que ele me julgasse ou que mudasse sua visão de mim.

— Eu o conheci na Universidade. Ele também era estudante de medicina. Nos tornamos amigos. Foi minha primeira amizade sólida mesmo. Eu contava tudo pra ele e ele tudo pra mim. Até que algo aconteceu. A gente meio que se... apaixonou um pelo outro. — Levei minha mão na cabeça. — Foi um inferno. Primeiro porque não sabíamos o que a gente sentia mesmo. E depois, porque não conseguíamos nos respeitar.

— Como assim.

Parei um pouco e pensei:

— Por exemplo: eu dizia que eu ia sair para comprar macarrão com queijo, sei lá. Ele aparecia no supermercado para saber se era mesmo isso que eu ia fazer. E eu fazia escândalos por causa disso. Escândalo em público. Conseguimos melhorar com um tempo. Eu e ele até moramos juntos nos últimos meses. Mas daí... as coisas desandaram de vez. Eu não sabia que ele tinha bipolaridade. Na verdade ninguém sabia. Ele tinha ataques dentro de casa. Eu acordava a noite e ele estava me olhando. Ou quando dizia que iria embora e ia. E passava dias e mais dias fora. E depois voltava como se nada tivesse acontecido.

Sentia que iria chorar a qualquer momento.

— Eu não sabia que ele era doente, muito menos que ele não estava tomando seu remédio. E... e em uma das vezes que ele chegou em casa, eu terminei tudo. Eu não aguentava mais, Ike. Eu sofria sem saber o que esperar.

Ele estava em silêncio. Não emitia sua opinião.

— Ele não quis receber minha aliança de volta. Disse que iria se matar. E eu... eu não acreditei mesmo nele. Não era a primeira vez ele falava isso.

— Ele se matou?

Assenti a cabeça com um "sim".

— Ele deixou uma carta me culpando por tudo. Sua família leu e eu... eu não pude nem me despedir dele. Não pude dar meu último adeus. Somente agora, há pouco tempo, que eu soube onde ele foi enterrado.

Ike não falou nada por alguns bons minutos. Tive medo do que viria. Eu não queria que ele se magoasse comigo, mas precisava contar pra ele.

— Como você se sente com relação a isso?

— Eu já senti muita culpa. Eu ainda sinto. Mas não como antes. São culpas diferentes agora. Não me isento da responsabilidade de que, se eu aviso diferente, ele talvez estivesse aqui.

— As coisas são o que são.

— É difícil, mas é isso. Sua mãe me culpa, seu pai... — engoli seco. — Seu pai morreu de câncer anos atrás. Eu me sinto culpada por ter destruído essa família.

— Você não deve se sentir assim, mas acredito que dizer isso não vá resolver muita coisa já que você se sente assim.

Ele sorriu para mim e me abraçou.

— A gente ama tudo nas pessoas, até suas marcas. Ela quem te transforma em quem você é.

Me senti acolhida e amada de uma forma que nunca pensei que poderia ser. Ike me trazia segurança e a certeza de que as coisas iam ficar bem.

— Tem outra coisa, Ike.

Ele olhou novamente para mim.

— aquele lance sobre sermos namorados?

— O que tem ele?

— Nós somos?

Ele sorriu e falou baixinho em meu ouvido:

— Quer namorar comigo?

— Quero! — Sorri sentindo aquela deliciosa sensação voltando.

Quando o táxi chegou, eu queria agarra-lo para que não fosse. Ele não havia deixado que eu o deixasse no aeroporto justamente para que eu descansasse pro dia seguinte.

— Vamos mesmo iniciar um namoro por telefone?

— E por mensagem. — Ele sorriu beijando minha boca. — Eu te amo, Morgana Parker. E já digo que precisa mesmo ir à Tulsa.

— Ike... era isso que eu ia falar. Deixa pra oficializar quando for em sua casa e... bom, oficializarmos.

— Por mim tudo bem. — Ele deu os ombros. — anão vai demorar muito.

Nos beijamos e ele saiu em direção ao aeroporto. Observei ele indo enquanto me abraçava . Odiava mesmo aquelas despedidas. Ainda mais depois daquele final de semana incrível.

Ouvi a campainha tocando e achei estranho. Quando abri, vi a última figura que poderia imaginar ali em minha frente:

— Oi Morgana.

MORGANA (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora