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Cada dia que passava, eu pensava mais no que Avie havia falado. E se Ike realmente fosse o homem da minha vida? E se eu o perdoasse com meu coração mesmo?

A raiva se dissipava a medida que pensava em todos os momentos que havíamos tido além da nossa infância. Eu vi aquela família se definhando em um ódio eterno por mim. Eu me sentia péssima por saber que o pai de Antony havia falecido com um ódio mortal de mim. E agora eu não poderia fazer nada para mudar isso.

Ao sair para o trabalho, tive uma surpresa. Na minha caixa de correios havia um pacote não muito grande. Coloquei no carro e dirigi para o hospital. Estava atrasada o bastante para cortarem minha cabeça. Veria aquilo no almoço.

Infelizmente o dia estava infernal. Um acidente de dois caminhões havia causado um engavetamento de pelo menos quinze carros. O hospital ficou lotado de pacientes, alguns graves e outros mais leves. Acabei indo para a emergência para ajudar todos. Muito provavelmente meu expediente iria aumentar.

Perto de meia noite, eu ainda andava para lá e pra cá. Estava cansada, com fome e com sono. Eu havia comido apenas um sanduíche durante o dia inteiro. Realmente a situação foi complicada. Mas eu me negava parar quando aquelas pessoas sofriam pedindo atendimento.

Perdemos algumas pessoas naquele dia, mas salvamos muitas outras. E, depois de perceber que tudo estava tranquilo, fui à minha sala descansar um pouco e recuperar as forças para dirigir pra casa. Foi quando eu vi a caixa em cima da mesa. Eu havia deixado-a para ver no almoço. Ela era cinza, normal, nada de diferente.

Quando abri, vi vários confetes. Achei diferente e estranho. Coloquei o braço para ver se havia algo lá dentro e peguei em uma caixinha. Puxei para fora.

Era bem menor, claro. Ainda mexi na caixa maior, mas parecia não ter mais nada. Então me concentrei na caixa menor. Ela era toda preta, meu nome estava escrito nela. Abri e vi um Greatest Hits do Queen. Era o segundo. Também havia uma folha que achei ser uma carta. Também havia a correntinha que Ike havia me dado e eu havia devolvido. Sorri. Abri a carta e li:

Oi Morgs,
eu sei que você não quer falar comigo, mas também sei que nossa história não pode acabar assim. Eu também sei que você não quer mais saber de mim, tudo bem. Eu entendo. Eu só preciso te falar algumas coisas. Se você estiver lendo essa carta, por favor, não me odeie mais ainda.

Morgs, esse CD foi lançando em 1991, ano que a gente se conheceu. Lembra que eu estava com a blusa do Queen e você disse que os amava? Ali, Morgs, eu me apaixonei por você. Você já era apaixonante. Sabia de tudo, gostava de questionar e seu espanhol... seu espanhol era péssimo. Mas você me livrou de uma menina muito chata gritando que havia um rato no corredor. Lembra?

Eu te procurei tanto tempo, eu movi mundos e fundos para te encontrar. E ainda assim, a vida fez isso melhor do que eu. Eu precisei fazer uma brincadeira idiota com Taylor, cortar meu pé e lá estávamos novamente. Eu e você em um consultório médico vinte anos depois.

Eu não vou mais pedir desculpas, Morgs. Eu sei que isso pode parecer uma afronta. Mas eu cansei de pedir desculpas quando eu quero te pedir para voltar pra mim. Parece que os natais sempre são decisivos para nós dois. Eu queria que esse ano fosse o último natal que sentisse medo de jamais te ver novamente.

Eu sei o quanto você está machucada, Morgs. Eu sei que não é fácil olhar para mim e perdoar um beijo impensável ou mesmo um encontro idiota com sua irmã. Minha intenção nunca foi machucá-la. Sei que não faz diferença quando já machuquei, mas eu juro, Morgs: jamais quis te machucar.

Pode ser tarde para pedir algo assim, mas será que ainda temos uma chance? Será que você olharia para mim e conseguiria me perdoar? Eu não sei como você faria isso, até pouco tempo atrás eu mesmo não me perdoava. Mas talvez seja tempo de perdão.

Essa última noite eu lembrei de como vi seu sinal na orelha. Lembra quando acampamos no jardim lá de casa? Eu a vi dormir e quando você havia pegado no sono, vi o sinal e guardei dentro de mim como tantas outras coisas que havia guardado como seu sorriso e sua gargalhada, a cara que fazia quando estava ansiosa ou com raiva, a forma como pega no sono ou até quando é extremamente engraçada quando fica bêbada (essa eu descobri depois de adulta).

Eu vou entender caso se sinta mal com tudo isso é não queira mais me ver. Eu juro que vou. Mas Morgs, eu jamais te abandonarei. Mesmo que você jamais precise de mim, eu sempre estarei aqui pois fui um péssimo amigo nos quase vinte anos que ficamos distantes. Eu perdi seu primeiro baile, sua primeira desilusão amorosa e até o seu segundo beijo.

Eu perdi tudo quando você foi embora, Morgana. Você me tinha desde aquela época. E parafraseando com James Morrison "Se o céu ficasse negro e não tivesse jeito de voltar, isso não importaria tanto se eu tivesse você...".

Eu sei que essa carta ou esse ato todo pode ser um tiro no pé, mas é a minha última chance. Eu não vou deixar passar.

Eu te amo Morgana Hill Parker. Nunca deixei de te amar.

Isaac.

Eu precisava de uma taça de vinho urgente.

MORGANA (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora