O Primeiro banho
06-08-2033
8° dia fora.
Quando abri os olhos, a pouca luz do sol já entrava pelos pequenos espaços descobertos das janelas que davam para o jardim. Charles dormia sentado a cadeira de vigia, ao meu lado no colchão Sara ainda dormia, Maisie estava acordada, estava de pé olhando por uma janela o céu cinzento enquanto se podia ouvir o som dos pássaros e do mato a balançar com o vento que soprava sobre ele. Tinha os braços cruzados sobre os peitos observando o jardim por uma pequena janela retangular sobre a pia suja.
— Como está sua ferida? — Sussurrei a ela me levantando do colchão.
Isso foi suficiente para ela se assustar um pouco, deu um pequeno pulo para trás e me encarou com um olhar zangado de quem detestava tomar sustos.
Estava completamente distraída olhando para fora. Talvez imaginando quando estaria 100% recuperada para seguir com Charles e Sara um caminho oposto ao meu.
— Desculpe o susto.
— Tudo bem. — Disse ela, endireitando o corpo. — Estava de guarda, ouvi um barulho a cerca de uma hora, alguma coisa na grade que dá para a parque, mas não consegui ver nada.
Ela andava com uma leve dificuldade pelos grampos em seu abdômen. A escopeta estava nos braços de Charles que ainda dormia sobre a cadeira enquanto o restante das armas permanecia ao lado das mochilas desde a noite anterior. Peguei minha pistola e a coloquei a cintura enquanto caminhava em sua direção, dei uma vista de olhos em direção ao parque, mas tudo estava calmo e silencioso e por um instante me lembrei de como era calmo e silencioso no rancho dos meus avós em Baltimore e como eu estaria mais tranquilo se tivesse ido para lá antes de tudo isso acontecer.
Era nosso segundo dia naquela casa, que se encontrava em um estado muito melhor do que qualquer outra que tenhamos entrado até então. Acumulava poeira e vidros partidos, mas todo o resto parecia estar em seu lugar desde que havia sido abandonada com exceção da porta da frente que havia sido arrancada e se encontrava destruída sobre o jardim.
— Quer dar uma volta? — Perguntei a ela.
Maisie me olhou torto, parecia não entender meu convite.
Sorri. — Vou verificar as outras casas. Afinal, precisamos encontrar uma que tenha uma porta. — Disse para que ela compreendesse melhor.
Maisie acordou Charles, que deu um salto da cadeira ainda agarrado a escopeta.
— Fique de guarda e tome conta de Sara, vamos verificar as outras casas. — Informou Maisie.
— Estou com fome. — Resmungou ele.
Retirei um pacote de biscoito de arroz da mochila de suprimentos, peguei algumas e dividi com Maisie. — Também deve estar com fome. — Disse entregando a Maisie meia dúzia de biscoito deixando o restante com Charles para que dividisse com Sara quando acordasse.
— Vão voltar a casa fedorenta?
— Não. — Respondi.
— Não saia! — Ordenou Maisie.
— Eu sei.
— Sara é sua responsabilidade.
— Eu sei. — Resmungou ele.
Durante boa parte da manhã, eu e Maisie, verificamos todas as casas do entorno daquela rua sem saída. Algumas aparentavam terem sido abrigadas a pouco tempo, colchões na cozinha ou na sala de jantar, janelas e portas pregadas com taboas, latas e sacos de comida vazios e jogados nos cantos, marcas no chão de onde haviam sido acesas fogueiras, pegadas sujas de lama já a muito secas e garrafas e mais garrafas de água vazios.
Em duas haviam sinais de que haviam tentado incendiá-las. Outras duas, os carros ainda estavam parados nas suas garagens. Um Land Rover Evoque com os pneus furados e o vidro do passageiro quebrado. Na casa ao lado um Kia Soul um pouco antigo, com um dos pneus vazio, e o retrovisor direito quebrado.
Enquanto inspecionávamos a casa onde estava o Kia, Maisie girou a torneira da pia do banheiro no piso superior o que parecia ser algo automático dela, havia feito em todas as outras casas até ali, sempre ouvindo apenas o som de ar ao passar pelo encanamento.
— Isso é água? — Perguntou ela espantada com um sorriso imenso.
O som da água correndo pela torneira em direção ao ralo da pia foi uma grata surpresa.
A olhei também sem acreditar em meus olhos. Comecei a rir e me aproximei dela, passei meus dedos pela a água fria que jorrava da torneira, um pouco amarelada pelo tempo que devia estar parada.
— Temos que vir pra cá. — Disse fechando a torneira de imediato.
O acesso ao porão e a garagem eram por dentro da casa, havia poucas janelas grandes e as portas estavam lacradas, exceto a do jardim, por onde havíamos entrado. Apesar do pó que havia se acumulado de três anos de abandono, os quartos serviriam mais do que ficarmos amontoados na sala da casa onde estávamos atualmente, as janelas eram grandes demais e nos manter no térreo não parecia ser uma boa solução a longo prazo.
No final de três horas, havíamos conseguido um cartucho de munição de espingardas que Maisie encontrou na garagem da casa onde estava o Land Rover, um machado de lenha e mais um machado Tomahalk de quinze centímetros na casa com o maior número de bitucas de cigarro possível, três barras de cereal vencidas a mais de um ano, um isqueiro em uma das casas incendiadas, peças de roupa de vários tamanhos que serviriam em todos nós, um iPod ainda com bateria e um mapa da região de Ontário. Eu tinha mapas do Canadá e Estados Unidos em meu Bunker, mas apesar da distância entre aquela casa e meu Bunker ser de menos de dois quilômetros, ainda não sabia quando seria seguro voltar lá.
Naquela tarde após nos transferirmos para a nova casa, fiz uma fogueira para aquecer a água, Charles me ajudou a transportar a água para o banheiro do primeiro andar e Sara e Charles tomaram seu primeiro banho de água aquecida em dois anos. Quando saíram do banheiro, estavam quase que irreconhecíveis, Sara tinha os cabelos molhados e ondulados, o rosto branco e limpo e sorria toda feliz usando uma blusinha da Capitã Marvel e um macacão jeans por cima. Charles tinha os cabelos castanhos, quase alaranjados, bem mais claros do que parecia ser por causa de toda a sujeira, também usava roupas novas que havíamos encontrado em uma das casas, uma calça jeans e uma camisa polo além da jaqueta que havia encontrado na casa de pedra. Maisie foi a última dos três a tomar banho, e mesmo que não fosse minha intenção, tive um vislumbre de vê-la enrolada em uma toalha que encontramos no closet do quarto principal, mesmo que estivesse a alguns metros de distância, não foi difícil notar suas pintas alaranjadas que salpicavam os ombros e desciam para os seios.
Desviei o olhar e novamente tive dificuldade em retirar alguns pensamentos da cabeça, ao descer Maisie tinha os cabelos molhados e ondulados que iam para todos os lados de forma irregular, era curto, não chegando aos seus ombros, tinha o rosto branco completamente salpicado com suas sardas alaranjadas sobre o nariz e bochechas, além dos olhos, o que mais me chamava atenção em Maisie, seus olhos. — Maisie era realmente uma garota linda e bastante atraente. — Pensei ao olhá-la descer.
Por último fui eu, a água já não estava quente, mas também não fazia tanto tempo que não tomava um banho quente, um pouco mais de três semanas, mas aquele banho caia tão bem quanto um bom prato de sopa caseira de tomates que minha avó costumava preparar quando ia visitá-la nas férias.
Após o banho, procurei em minha mochila todas as latas de comida que tinha, e fiquei feliz em encontrar uma lata de sopa de tomates. A preparei na fogueira que havia aceso e servi em tigelas que ainda estavam nos armários da cozinha, a servi a cada um com uma tira de carne seca, o que definitivamente transformava aquele dia em um ótimo dia.
Maisie cuidou de pentear os cabelos de Sara, e Charles ficou ouvindo músicas no iPod que encontramos. Charles ainda mantinha o iPod que havia encontrado na casa de pedra em seus cuidados desde que o havia informado que poderia carrega-lo em meu bunker.
Troquei os curativos de meu braço e esperei que os pensamentos que eu tinha em minha cabeça sumissem, mas cada vez que olhava para Maisie, os pensamentos voltavam. — Talvez tenha chegado a hora de me despedir deles. — Pensei.
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ANO 2033
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