Retomando a casa

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Retomando a casa

Corri até a cerca de madeira tentando fazer o mínimo de barulho possível, meu corpo tremia e suava com a possibilidade de ser a gangue que Charles havia me falado, não sabia se estaria preparado para enfrentar alguns motociclistas muito bem armados. Mas também poderia ser o homem que havia escapado no outro dia e estava vasculhando todas as casas do bairro atrás de vingança.

Coloquei a mochila escondida entre o arbusto alto que beirava a cerca, e me esgueirei devagar tentando enxergar o jardim da casa onde Charles, Sara e Maisie ainda estavam, mas não conseguia enxergar nada. Me virei novamente para casa onde eu acabara de sair, e avistei os dois galões de gasolina ainda próximos a escada de acesso ao porão. Não seria difícil encontrar um carro com as chaves na ignição. Estavam abandonados aos montes por toda a cidade a maioria com os pneus furados ou o motor quebrado, aos que ainda poderiam ser usados, faltava era exatamente combustível. 

A possibilidade de pegar aqueles galões e fugir passou por um segundo em minha cabeça. Pegar aqueles galões e correr o máximo que conseguisse até encontrar um carro e só parar quando já estivesse de frente a minha casa na Glen Belle Crescent.

Respirei fundo com o cano frio da escopeta encostado em meu queixo. Desde que havia saído do Bunker tenho rezado e pedido sabedoria divina mais vezes do que em toda minha vida antes de tudo isso acontecer.

— Ei, você ainda tem daquelas pastilhas? — Perguntou um homem em meio a uma crise de tosse que parecia se aproximar da cerca.

Ouvir sua voz fez minha espinha se arrepiar, a possibilidade de morrer em poucos minutos explodia em minha cabeça e cada vez que eu pensava nisso, deixava aos poucos de ser uma possibilidade e passava a ser uma verdade. O que eu poderia esperar, eu sozinho, enfrentando vários homens armados para proteger duas crianças, uma garota ferida e minha mochila. Aquilo tudo parecia ser uma missão suicida ainda maior do que a que eu havia enfrentado no meu segundo dia.

Ouvi seus passos se aproximando de onde eu estava, e o roçar das botas militares sobre a grama molhada do jardim indicava que ele não estava sozinho.

Abaixei minha cabeça até o buraco por onde eu havia passado e os avistei. A escuridão da noite ajudava para que não me notassem ali. O que parecia estar passando por uma crise de tosse era um homem forte, com a cabeça raspada onde exibia uma tatuagem do que parecia ser uma águia. O segundo era tão grande e forte quanto o primeiro, e a mesma tatuagem no cabeça raspada, o que parecia ser a maior diferença dos dois naquela noite escura, era seu nariz avantajado.

Os dois tinham em mãos rifles AK-47 e suas roupas eram todas pretas, calças jeans pretas e uma jaqueta de couro preta com o símbolo de uma águia em posição de ataque estampada nas costas.

— Essa é a última. — Informou um segundo homem, tinha a voz rouca e com um sotaque francês bastante carregado.

Pelo buraco da cerca pude ver quando ele retirou uma pastilha do bolso e entregou ao homem que continuava a tossir.

— Precisamos de remédios, o Humber River está dominado pelos Russos. É impossível passar pelos seus homens. — Disse o homem com sotaque francês.

— Podemos fazer uma varredura nas clínicas da região sul de Etobicoke. Conheço algumas clinicas ali. — Informou o homem em meio a sua crise de tosse.

— É o território do Carlos, aquele bastardo traficante de mulheres, não sei se o chefe concordaria. — Alertou o homem de sotaque francês.

— É, talvez, precisamos falar com o chefe sobre isso. — Concordou o homem ao fim de mais uma crise de tosse.

O homem que tossia começou a se afastar e chegou à porta da cozinha, uma luz vinda de dentro da casa iluminou todo seu rosto, o fazendo desviar o olhar. Um homem negro de nariz largo e lábios grossos apareceu a luz. O primeiro falava alguma coisa, parecia ser sobre os recursos médicos, mas pela altura da sua voz demonstrava ter medo do homem negro que estava dentro da casa.

ANO 2033Onde histórias criam vida. Descubra agora