ANO 2033

Ozymandias

Ozymandias

Em 1818 o escritor Percy Bysshe Shelley publicou seu mais famoso poema intitulado Ozymandias. E que 200 anos mais tarde eu assistiria ao episódio da série Breaking Bad intitulado com o mesmo nome. Era o início da queda de Walter White, um simples professor de química que com seu pseudônimo de Heisenberg se transformou no maior traficante de drogas do estado do Novo México e pela sua arrogância e soberba vê seu império começar a ruir.

E onze anos depois de assistir aquele episódio, na noite de dez de abril de 2029 eu estava de baixo da marquise do Brookfield Place usando meu casaco do Toronto Raptors que pingava enquanto tentava junto de tantas outras pessoas me proteger da chuva que caia aquele fim de tarde.

Ao meu lado um homem falava aos berros em seu telefone com possivelmente sua secretaria, tinha os cabelos molhados assim como o terno muito bem cortado e alinhado que usava naquele momento, ele estava nervoso pelo fato de seu motorista não estar ali para buscá-lo. A minha frente uma mulher baixa e gordinha fumava junto a outra mulher que usava uma maquiagem muito forte em seu rosto, falavam sobre seus planos para a próxima sexta, algo a ver com um concerto no Air Canada Centre.

Eu apenas aguardava a chuva diminuir para voltar para casa. Havia passado as duas últimas horas em um estande de tiros próximos dali. A mais de um ano que meus dias se resumiam em praticar tiro e aulas de Krav Magá e Capoeira. E como um dos melhores alunos da minha classe, alguns professores acharam estranho quando eu não ingressei em uma universidade para cursar arquitetura e resolvi me inscrever em enfermagem. O único momento do meu dia em que eu não estava em minhas aulas ou praticando tiro, estava em casa a assistir vídeos de como sobreviver em uma selva e mecanismos de bombas caseiras, o que com certeza já devia ter acionado um pequeno alerta na central de inteligência pelo meu ID do computador como um possível terrorista.

Eu já estava parado ali a vários minutos vendo aquela chuva cair quando vi Brendon e Nicole correndo na chuva. E mesmo com aquela água gelada a cair sobre eles, era nítido o quanto riam ao correr para se protegerem. A cerca de dois anos antes eu provavelmente estaria ali com eles, a correr para fugir da chuva, indo em direção ao cinema, shopping ou algum show no Air Canada Centre. Mas a mais de um ano que não tínhamos mais contato, eles ainda insistiram após a morte de meu pai, foram a minha casa cerca de três vezes para conversarmos, bebermos cervejas compradas pelo irmão mais velho de Brendon e assistir a filmes e jogos do Toronto Raptors enquanto comíamos pizzas. Com o tempo as mensagens de Brendon e Nicole foram diminuindo cada vez mais, até o ponto em que nos afastamos completamente. Não os culpava, foi minha culpa, eu havia parado de responder as suas mensagens, já não via muito sentido na interação ao saber que quando chegasse o momento eu não poderia leva-los comigo.

O que para mim parecia ser muito injusto, já que eram meus amigos, mas o bunker não havia sido projetado para suportar três pessoas e não poderia escolher um entre os dois para estar ali comigo enquanto o outro morreria.

Foi pelas redes sociais que fiquei a saber que estavam namorando, o que para mim, inicialmente chegou a ser uma grande surpresa, já que era meu melhor amigo e ela era a garota com quem eu vinha saindo antes de meu pai ficar doente. Quando precisei cuidar dele e depois da descoberta do bunker, vi que não havia mais espaço em minha vida para um relacionamento.

Me mantive quieto, com as mãos no bolso e o capuz de meu casaco a cobrir parte do meu rosto, os dois pararam a poucos metros de mim, em baixo da marquise do Brookfield Place. Esperei que não me notassem, não estava à espera de conversas triviais sobre como estava minha vida e a vergonha em seus rostos em ter que admitir que agora eram um casal, como se eu já não soubesse.

— Bakari? Tob? — Chamou Brendon olhando em minha direção. Tinha o olhar levemente espantado e com um leve sorriso sem tirar as mãos do seu casaco da Universidade Duke.