Confederation Pkwy

12 3 0
                                    

Confederation Pkwy

- Quer me explicar o que está acontecendo? – Pedi quando Maisie estacionou o carro de frente a grade retorcida de uma pequena loja de bebidas da rede LCBO a uma quadra de onde estávamos.

- Charles, fique de olho no walk-talk e tome conta de Sara. – Disse ela antes de saltar do carro.

- Okay. – Resmungou ele por estar sendo deixado para trás mais uma vez.

- Tome conta de Sara. – Repetiu Maisie em tom severo. – Já voltamos.

Todo aquele temperamento de Maisie estava me levando a achar que ela havia se transformando em uma suicida em potencial. Não que fosse dar um tiro na própria cabeça, mas me fazia lembrar minha adolescência, quando passava horas a jogar PUBG em meu computador no quarto, e sempre tinha um em minha equipe que corria em direção aos nossos inimigos, não para que o resto da equipe sobrevivesse, não por heroísmo, mas por uma vontade de se mostrar corajoso, ou talvez apenas não estavam raciocinando bem, assim como Maisie parecia estar agindo a algumas horas.

- O que te faz acreditar que ainda vamos encontrar alguma garrafa intacta depois de três anos?

Ela me encarou por um segundo parada a frente da grade que nos separava da entrada daquela loja de bebidas. Tinha um olhar severo para mim e seus lábios tremeram com um desejo de dizer alguma coisa, mas se conteve naquele momento.

Ela agachou-se para conseguir passar pelo espaço retorcido da grade de ferro. Logo em seguida foi minha vez de passar por aquele buraco e adentrar aquela loja. Do outro lado, a porta de vidro já havia sido destruída, assim como as gondolas e prateleiras de bebidas que agora já estavam destruídas.

Eu não estava errado, não havia mais nada ali.

Olhava para todas aquelas prateleiras vazias e era possível ver pelo chão o sinal de dezenas de garrafas partidas e um forte cheiro de cerveja se espalhava pelo local. Maisie tomou um dos corredores enquanto segui pelo caminho oposto, minhas botas pisavam em um piso manchado e pedaços de vidro de garrafas de vinho tinto. A luz que entrava pelas claraboias no teto era fraca o que me forçou novamente empunhar minha pistola.

Bati o pé em uma pequena garrafa de whiskey bourbon, estava inteira, de algum modo havia caído sem se partir e os invasores seguintes não haviam notado a presença daquela garrafa ali. A recolhi e coloquei no bolso lateral do casaco que usava, continuei a caminhar, ouvindo apenas o som do vidro a ser espremido a baixo de meus pés sempre que eu dava um novo passo.

Quando me aproximei de Maisie, ela tinha as mãos sobre uma prateleira alta, estava vazia e empoeirada, tinha o rosto apontado para o chão e a respiração ofegante.

- Maisie. – Chamei ao me aproximar.

Ela levantou a cabeça e passou a manga da blusa pelos olhos para enxugá-los.

- Já não tem bebidas.

- Porque você quer tanto uma bebida? – Perguntei me aproximando um pouco mais e colocando minha mão na bancada próximo a dela.

- Apenas preciso. – Respondeu ela entortando os lábios.

Apesar de não passar das duas da tarde, a luz ali dentro era mínima, não haviam janelas grandes suficientes que entrassem luz e as claraboias no teto devia estar tomada de folhas secas e poeira, impedindo que a luz passasse por ali. Tínhamos ali apenas a luz da lanterna da pistola que agora estava a apontar para nossos pés.

Seus olhos estavam fixos nos meus, e me lembrei da primeira vez que vi seus olhos assustados me encarando deitada sobre aquele colchão velho na casa de esquina do North Park. – Como eu estou apaixonado por você. – Suspirei sem perceber que aquilo havia saído em voz alta.

Seus olhos arregalaram-se por um instante e seu corpo deu um passo para trás antes que eu pudesse pensar em alguma forma de reverter aquilo.

- Maisie, desculpe, eu não deveria ter dito isso. – Disse eu parado no mesmo lugar.

Ela voltou a dar um passo à frente e apertou os olhos para me encarar.

- Você já disso. Não pode retirar o que disse. – Afirmou ela com os lábios cerrados.

Me mantive em silêncio com seus olhos a me faiscarem.

- Então, o que disse, é o que sente, sim ou não? – Perguntou ela dando mais um passo à frente.

- Mai. – Chamou o rádio nos assustando. Por um instante havia me esquecido de onde estávamos e do carro a nossa espera no estacionamento.

- Mai. – Voltou a chamar antes mesmo que pudéssemos responder.

- Charles, está tudo bem?

- Um carro passou por aqui. – Disse ele com a voz amedrontada, quase em sussurro. – Estamos abaixados, mas acho que o carro parou aqui próximo.

Nem mesmo respondemos, apenas corremos em direção a porta de onde havíamos vindo, passamos pelo buraco da grade de ferro e corremos para o carro com nossas armas em mãos. Maisie foi direto para o banco do passageiro, me deixando voltar a guiar. Não que ela tivesse guiado mal, mas Maisie era apenas uma garota de 14 anos quando tudo aconteceu, e lhe faltava dois anos ainda para tirar sua carta de motorista, se tivéssemos que fugir em algum momento de alguém que nos perseguisse, sua falta de habilidades poderiam nos custar muito. E ela sabia disso.

Assim que me sentei, me virei para Charles para saber qual o sentido eles tinham seguido, e assim que ele apontou para os altos prédios a nossa esquerda, eu sabia que devia seguir o caminho contrário. Cliquei no botão da ignição e acelerei com o carro em direção a Dundas St.

- Eu não sei o nome. – Respondeu ele quando lhe perguntei se sabia qual era o modelo. – Mas era um carro azul, grande, com um desenho de um animal na frente, parecia um bode.

Um Dodge.

O número de carros abandonados por ali não era nosso maior dos problemas, por algum motivo a maioria dos postes de alta tensão estavam caídos no meio da pista e sobre as residências semidestruídas daquele trecho da rua.

Um pouco a frente, já era visível o bloqueio de carros no próximo cruzamento. Grandes blocos de concreto e dois caminhões de bombeiro estavam a bloquear nossa viagem, diminui a velocidade para poder olhar pelo retrovisor sem ter a chance de bater em um poste caído no meio da pista ou nos carros abandonados. Não havia sinal de qualquer pessoa ou sons de carros a nos seguir. Maisie voltou seus olhos para o mapa em seu colo e logo deu a ordem para virar à esquerda.

- Estamos na Confederation Pkwy, a quatro quadras do Trillium Health Partners. – Comentou ela com os dedos sobre o mapa. – Acha seguro?

- Com certeza não. Mas podemos verificar e parar ali. – Disse em resposta.

Acelerei o carro pela Confederation, era uma via de casas simples e muitos trechos de terrenos baldios com o mato alto a tomar conta de tudo. O asfalto da Confederation estava naquele momento todo rachado e cheio de fissuras por onde o mato crescia e ia aos poucos tomando aquele espaço para si. Apenas ao passar pela Paisley Blvd é que as altas torres residenciais daquela via surgiram, eram grandes torres com mais de vinte andares, a maioria já sem um único vidro em sua fachada e a exibir rachaduras externas que eram visíveis mesmo da rua.

Ao contrário do que cheguei imaginar, quanto mais nos afastávamos do centro de Toronto, mais notávamos a destruição causada por aquele asteroide e o abandono geral de tudo por aquela cidade.

Não se passava das 3 da tarde, o céu cinzento nos dava algumas horas ainda para seguirmos viagem e tentar chegar ao menos a fronteira ainda naquele dia, mas estávamos famintos e cansados. E parar naquele hospital parecia ser nossa melhor opção naquele momento. Mas tinha serias dúvidas se seria um lugar seguro para pararmos.

Olhávamos atentamente para os prédios residências a nossa volta, e tinha novamente a mesma sensação de estar sendo observado que senti ao passar pelas torres Applewood. Olhava a todo instante para o retrovisor para me certificar de que não estávamos sendo seguidos pelo carro que Charles havia avistado.

Estava me sentindo um pequeno rato, a entrar em um labirinto, atrás de mim, estava um grande gato marrom, no fim do labirinto um gato cinza me esperava. Uma armadilha muito bem montada, e a sensação que eu tinha quanto mais descia a Confederation Pkwy era de estar caindo nessa armadilha.

ANO 2033Onde histórias criam vida. Descubra agora