O pôr do sol

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O pôr do sol

Durante todo aquele dia andamos pelo hospital com o auxílio apenas de uma lanterna que foi nos dada. Mas não foi difícil notar a presença de algum soldado a qualquer lugar que íamos. Era como se quisessem ser vistos, quisessem nos lembrar de que estávamos a ser vigiados a todo instante.

Algumas poucas vezes era possível avistar Andrew em alguma das portas. Sempre a falar com algum de seus homens ou a verificar alguma coisa em um caderno pequeno que sempre estava com ele.

Sara esteve em silêncio por toda a tarde, mantinha-se agarrada as roupas de Charles ou as de Maisie. Sempre que um dos soldados passava por nós nos corredores. Nenhum deles se virava ou dirigia a palavra a nós, apenas seguiam, mas aquilo era suficiente para fazer com que Sara ficasse em silêncio por todo o dia.

Já no final da tarde, andávamos pelo quarto andar do edifício J. Wing do complexo hospitalar quando percebemos um grande buraco. Parte do edifício havia desmoronado deixando aquele lugar com uma vista para a floresta que havia crescido entre as casas e ruas logo atrás do hospital. Sara foi a primeira a avistar, apontando para algo que se mexia na mata e Charles logo em seguida os viu também.

Eram alces, grandes alces marrons com seus chifres em forma de taças a pastar próximos do hospital.

Era comum avistar alces marrons a atravessar as estradas canadenses ou invadir os fundos das casas dos subúrbios, mas a pelo menos três anos que nenhum de nós quatro ali presentes víamos um animal como aquele.

— Eles são como cavalos? — Perguntou Sara virando o pescoço para tentar enxergá-los melhor.

— Parecidos? — Respondeu Maisie em tom de pergunta se virando para mim, mas eu também não sabia responder aquela pergunta.

— E eles comem gente? — Perguntou Sara em seguida.

— Não. — Sorri. — Eles gostam de comer coisas verdes, come grama.

— E aqueles chifres estranhos, podem machucar?

— Sim, mas eles não vão te atacar, só atacam quando sentem que alguém podem fazer mal a ele.

— Foi por isso que ninguém aqui machucou você? Eles sabem que você não é uma pessoa ruim. — Perguntou Sara agarrando a mão de Maisie.

Olhei para Maisie e para Sara e desejei que ela estivesse certa sobre aquilo e que eles tivessem a certeza de que não éramos más pessoas.

A poucos metros dali, separados por uma cerca de arames que parecia ter sido improvisada e colocada de mal jeito estava uma horta, onde avistei dois homens a cultivar a terra. Eles não nos avistaram, não pareciam preocupados com nada além daquela horta naquele momento. Mexiam no pequeno espaço de terra e riam sobre o que quer que estivessem a conversar entre eles. Maisie também os avistou, se aproximou de mim e agarrou em meu braço e em um sussurro disse que precisávamos conseguir sair daquele lugar.

A pergunta era, como?

Seus dedos escorregaram pelo meu braço e meu pulso até tocarem meus dedos e deixar que eles se entrelaçassem.

Ficamos ali por mais de uma hora, era possível avistar entre as árvores e as ruinas das casas pelo menos meia dúzia de alces e com o início da noite a aproximar, o céu havia tomado uma cor alaranjada que brilhava nas ruinas dos prédios das ruas próximas da marina de Port Creek e nas águas do lago Ontario.

O vento gelado que vinha do norte, soprava forçando as árvores balançarem como uma dança nos hipnotizando por vários minutos.

Saímos dali quando o tom laranja no céu já havia sumido no horizonte e tínhamos apenas a luz da lanterna nos guiando pela escuridão dos corredores daquele hospital.

Quando já íamos passando pelo refeitório, o cheiro de comida e o som dos demais homens chamou nossa atenção. Logo avistamos Hannah; o braço direito de Andrew, Farid; o cozinheiro, e uma mulher de aparência mais jovem e cabelos cor de rosa sentadas com eles a comer. Uma pilha de pratos descartáveis estava sobre a bancada que dividia o refeitório da cozinha e só então nos demos conta da fome que sentíamos. Ver aqueles pratos foi como uma sirene em nossos estômagos informando que não tínhamos comido nada além do café durante aquele dia.

— Ei, sirvam-se. — Disse Hannah.

— É carne e legumes. — Informou Farid com um forte sotaque.

Maisie se adiantou a fazer os pratos para Charles e Sara.

O cheiro era realmente bom, o que parecia só aumentar ainda mais nossa fome naquele momento.

Caminhamos com nosso pratos para uma das mesas quando a garota de cabelos cor de rosa se adiantou em dizer que nos juntássemos a eles a mesa.

Eu e Maisie nos olhamos por um instante com os pratos ainda em mãos antes de caminhar para a mesa onde os três estavam. Farid era o único que ainda comia, a garota que havia nos chamado tinha seu prato vazio a frente de seu corpo assim como Hannah. As duas pareciam entusiasmadas em conversar sobre o que parecia ser algum tipo de pintura feita a aquarela.

Eram todas mesas retangulares como as usadas nos refeitórios escolares. Hannah estava em uma das pontas com a outra garota ao seu lado, Maisie logo se sentou ao lado delas e Sara a acompanhou ficando na ponta. Do outro lado estava Farid e me pus a sentar ao seu lado, deixando Charles de frente para Sara.

A me sentar reparei que a garota tinha o lado direito de sua cabeça passado a máquina, e tinha os olhos negros e leve mente puxados.

— Olá, eu sou a Zoey. — Disse a garota de cabelos cor de rosa soltando um sorriso para Maisie.

Ela tinha um olhar ingênuo e divertido, e formavam-se covinhas em sua bochecha quando sorria, e aquilo me fez lembrar a garota da minha rua em Washington de cabelos coloridos e covinhas na bochecha que foi a primeira garota que gostei.

— Maisie.

— Tobias. — Respondi me virando para ela com a colher ainda parada no ar a caminho da boca.

— Ouvi dizer que passaram todo esse tempo em Toronto.

Maisie apenas balançou a cabeça.

— Você é a garota do saldo? — Perguntou Zoey.

— Sim. — Respondeu Maisie.

— Saldo? — Perguntei. Mas nenhum das duas parecia querer responder a minha pergunta.

— Eu também. — Disse Zoey a Maisie.

Ela levantou seu braço esquerdo exibindo uma grande cicatriz que vinha de seu pulso até chegar ao cotovelo.

— Um lobo. — Disse ela com um sorriso despreocupado.

— Um qualquer antes de tudo isso começar. — Comentou Hannah se virando para Maisie e exibindo o dedo anular da sua mão direita completamente torto.

— Foi Hannah quem cuidou de mim, tanto o corte quanto meu psicológico quando cheguei aqui. — Disse Zoey.

— Desculpe, eu não queria ter que falar sobre isso. — Disse Maisie abaixando sua cabeça para o prato a sua frente.

— Como desejar, para mim também foi muito difícil no início. — Disse Zoey se levantando da mesa. Recolheu o prato de Hannah e levou para a bancada e o deixou junto aos pratos restantes. — Preciso de um cigarro. — Suspirou Zoey para Hannah. — Ou de me encontrar com Ivy.

Ela já ia saindo quando levou a mão ao ombro de Maisie. — Seja forte, e saiba que se precisar de alguém para conversar, me procure por aí.

Ela se afastou quase que no mesmo instante em que apareceram dois homens ao refeitório. E logo os identificamos, um deles era o homem que havia ido nos acordar aquela manhã, o outro era o homem que havíamos visto a cuidar da horta, era um homem negro de corpo musculoso e rosto quadrado, usava um cavanhaque que parecia ter sido recém aparado e um cabelo raspado no estilo militar dos filmes de Hollywood.

Os dois homens nos olharam por um segundo e apenas nos cumprimentaram com um aceno de cabeça ao se sentarem em uma mesa vazia. Assim que Charles terminou de comer, agradecemos e nos levantamos, deixando Hannah a conversar sobre algum prato com Farid.

ANO 2033Onde histórias criam vida. Descubra agora