XXXVIII-A magia da cura

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Sol observou impaciente seu inimigo enquanto com suas mãos lhe tocava a ferida profunda no abdômen, ele ainda sangrava e isso era um bom sinal, ainda estava vivo. Diante de tantos conflitos e matanças Sol havia perdido o medo que tinha de ver sangue, aos poucos ela estava se tornando aquilo que nunca pensou ser, ela se perguntava como havia mudado tanto e mesmo sabendo o motivo se recusava a esquecer quem foi um dia, apenas uma menina do campo.
Ela fechou os olhos e segurou o rosto de Laian, por um momento parecia que ele respirava, mas aí ela se concentrava e não havia sinal de vida. Sol passou a mão suavemente sobre a ferida e imediatamente o corte começou um lento processo de cura. Sol ficou surpresa, mas sabia que aquilo de fato estava acontecendo, ela podia sentir o fluxo de poder sair dela todas as vezes que pensava em algo que poderia realizar, sua vontade agora era curar Laian, não porque ele mereça, mas por saber o que ele queria dizer sobre o pai de Sol. Ela nunca sentiu tanta esperança em tão poucas palavras.
A cura estava surtindo efeito, não havia mais sangue e em lugar de um corte exposto se via agora apenas um risco fechado ainda avermelhado, mas livre de perigos. Sol ouviu a respiração lenta de Laian e deduziu que ele estava bem. Ela se levantou e saiu para fora da caverna, a noite estava congelante, Sol estava com muita fome e eles não tinham nada naquele momento. Ela pegou a espada de Laian e saiu para ver se encontrava alguma coisa, com uma tocha improvisada na mão Sol saiu pela noite congelante, com poucas roupas que lhes havia sobrado da luta anterior e os lábios trêmulos de frio desapareceu na escuridão da noite, com uma lua fraca iluminando o céu coberto de nuvens carregadas.
Ela caminhou uma certa distância e não encontrou nada, mas então para sua surpresa se deparou com um imensa árvore cujo fruto era avermelhado e mesmo coberto por neve não deixava de ser atrativo. Sol segurou uma maçã na mão e a mordeu com vontade.
ㅡ Ótimo... isso irá nos servir perfeitamente. Disse ela pegando muitas maçãs se esforçando para não derrubar nenhuma na volta para a caverna. Chegando lá reacendeu a fogueira com alguns gravetos e lenha e pegando neve derreteu deixando que as gotas de água caíssem nos lábios secos de Laian e assim Sol foi cuidando dele por dois dias, as vezes ele recaia e ardia em febre, mas com os cuidados de Sol estava se recuperando até que no terceiro dia despertou e Sol estava em busca de algum alimento. Laian tentou se levantar, mas sentiu dor e ao levantar a camisa notou que não estava mais ferido, a ferida estava cicatrizada, mas por dentro ainda doía bastante, ele também estava fraco e com muita fome. Ficou sentado por um tempo até conseguir se levantar segurando as pedras da caverna, Sol apareceu na claridade que vinha do dia lá fora, ela usava a capa de Laian para se proteger do frio e tinha em sua mão frutas e a espada que era dele. Ela nada disse ao vê-lo de pé, o olhar olhar da garota era indecifrável, Laian ainda não sabia o que estava acontecendo.
ㅡ Como estou ainda vivo? Perguntou ele enfim, sua voz saiu fraca quase como um sussurro. Ela deixou as frutas em uma pedra onde já haviam outras coisas que ele não conseguia identificar, pareciam raízes.
ㅡ Curei sua ferida e cuidei de você por três dias. Agora sente-se e descanse, está tanto tempo sem comida que pode desmaiar há qualquer momento. Laian obedeceu Sol que o ignorou quando ele lhe agradeceu por ter salvado sua vida. Ela estava diferente ele notou, estava muito mais segura de si, não parecia mais aquela criatura indefesa que conheceu ao capturá-la e deixá-la por tanto tempo presa nos calabouços, essas lembranças deixaram Laian envergonhado.
Depois de mais ou menos uma hora de silêncio calculou Laian enfim algo foi dito por Sol.
ㅡ Como se sente? A ferida ainda dói? Percebo que pressiona a mão contra o corte.
Ela perguntou aquilo ríspidamente não parecendo preocupada, mas apenas verificando se seu prisioneiro estava ainda sob perigo. Laian sabia que Sol só o salvou por querer notícias sobre seu pai, mesmo sentindo que Sol o odiasse com todas as suas forças e respirar o mesmo ambiente que ele talvez estivesse sendo um grande desafio, ele não se importou, sentia-se bem só em estar ali com ela, e vendo seus movimentos delicados de menina. Apesar de tudo Sol ainda era só uma menina, cheia de mágoas, mas gentil, ele sentia isso.
ㅡ Sinto algumas pontadas, mas estou bem. Respondeu Laian encarando Sol que continuou mexendo as brasas da fogueira que aos poucos se acabava.
ㅡ Sei onde está seu pai Sol. Aquela frase parece ter a tirado de seu devaneio de pensamentos e teve efeito imediato, a fazendo encarar também Laian, seus olhos irritados como se estivessem prestes a chorar, Laian só não sabia o por que, haviam tantas coisas que a poderia fazer chorar, ele podia advinhar muitas delas. Isso de alguma forma estranha o deixava muito triste.
Ela esperava impaciente por mais detalhes ele podia enxergar isso em seu rosto abatido.
ㅡ Conheço um grande amigo de família, Herlom é o nome dele, um feiticeiro que já foi muito poderoso nos tempos em que Ósseas e Eprain eram aliados. Tempos em que nem eu nem meu primo eramos nascidos. Esse feiticeiro me enviou uma carta de seu castelo nas terras de Ascalom. Seu pai estava viajando por meu reino, atravessou as montanhas em direção ao reino de Ascalom e está com Herlom agora. Na carta que chegou em minhas mãos poucas horas antes de todos os prisioneiros fugirem. Dizia que o impuro estava em busca da filha, Herlom soube de uma certa moça que surgiu em Eprain e que eu a capturei no último confronto, ele queria saber se era a mesma pessoa.
ㅡ Mas o meu pai não sabe da existência desse mundo!
ㅡ Aí é que você se engana...
Descobri muitas coisas a seu respeito Sol. Você não é só uma bruxa, você é filha de Susana uma bruxa branca, até onde sei, uma das castas mais poderosas, meu pai me contava que as bruxas e bruxos brancos foram extintos para que não dominassem nosso mundo. Eram muito bondosos, mas altamente perigosos e todos temiam que algum dia eles se rebelassem. Também não havia muito mais deles, assim como tudo eles também envelhecem.
ㅡ Já ouvi muito sobre minha mãe, nunca dei muita importância e confesso que ainda é difícil acreditar que ela fosse mesmo uma bruxa...
ㅡ Está aí! Está em você todo o poder que herdou dela! Disse Laian apontando para a garota.
ㅡ Mas... e meu e meu pai? Como conheceu minha mãe? Você sabe?
- Isso não sei. Mas sei que ele já esteve sim em nosso mundo muitos anos atrás, retornou para cá não sei como, mas ele a procura e se ainda estiver no reino de Ascalom ficará contente em vê-la...
Por um momento ela deixou um sorriso despercebido estampado nos lábios avermelhados. Laian se recordou mais uma vez do sonho e tentou apagar de sua mente. Sol se levantou e pegou algo fervente de uma panela improvisada, que ela mesma fez com barro. Ela era muito criativa e Laian se surpreendeu. Sol se aproximou levando um líquido quente aos lábios de Laian em uma cumbuca. Tinha cheiro doce.
ㅡ É um chá de maçã que fiz e está gostoso, você precisa se recuperar logo, precisamos partir o quanto antes. Ele bebeu o chá e comeu algumas amoras que ela conseguiu pegar. Estava feliz por ver os olhos de Sol brilharem ao imaginar reencontrar o pai. Ele prometeu naquele momento que iria fazer aquela jovem esquecer todo mal que ele causou a ela, nem que para isso desse sua própria vida. Laian sentia um calor no peito e não sabia o que era. Mas algum sentimento naquele coração gelado começou a despertar.

Eprain-Uma Floresta Encantada {Concluído}Onde histórias criam vida. Descubra agora