VERDADE ROUBADA

Quinquagésima Anotação

Mais do que frequente nos últimos anos, eu tenho a constante sensação de que há um vazio imenso e irrevogável dentro de mim. É como se me faltasse algo que todos que todos os outros recebem e simulam cultivar com tamanha facilidade, apesar de cada adversidade.

Ainda que eu busque me decifrar como muita das outras vezes, sempre me pego em um impasse, onde sem sucesso questiono se esse direito me foi roubado, ou se eu apenas o deixei ir, como uma maneira de me resguardar para quando de fato o perdesse, porque no fundo eu sabia que não o teria por muito tempo...

Contudo, mesmo que este vazio coexista com as minhas demais incertezas, ele ainda me pertence, e o seu lugar de ocupação tem se tornando imenso, frequentemente engolindo o que se aproxima demais, na tentativa de tornar-se concreto, marcando o seu local de pertencimento.

Em que momento eu perdi o interesse na "vida"?

Em que momento eu me perdi?

Em que momento eu deixei de me buscar?

Em que momento ele me encontrou...?

Eu que momento ele deveria me deixar ir...?

Em meio a uma opacidade sem igual, me vejo repleta de indagações temendo dar um passo à frente, ou outro para trás, e ainda que sendo apavorante momentos como esse, o meu tão amando "véu negro", sempre vem até mim com a sua tamanha obscuridade, e sendo familiar, é por muitas vezes a minha única figura "acolhedora", embora o seu toque gélido sobre a minha pele sempre traga um arrepio excitante, me fazendo desejar a sua companhia soturna com maior fervor a cada dia, ainda que que cedo ou tarde, eu também serei consumida por ela...

...

Suba na cama para mim... Ele ordenou, sem qualquer cerimônia ou apreço, e em meio a nós, uma nova figura distinta adentrou a cena, como se aguardasse por aquele momento com avidez, no entanto, ainda que ela tenha se mostrado, apenas nós dois residíamos naquele cômodo restrito...

Inclinando-se na minha direção, uma de suas mãos me alcançara com tamanha facilidade, que acreditei ter me movido em sua direção, como se eu obedecesse a um comando do inconsciente, e as alças de minha camisola foram afastadas dos meus ombros indo ao chão, expondo o meu corpo a sua vista enquanto se aproximava cada vez mais de mim, ao ponto onde eu pudesse sentir em minha pele exposta a sua respiração pesada, como se o odor do meu corpo o embriagasse, e as suas belas feições tornaram-se a mudar pouco a pouco, me hipnotizando.

O que ele me pediria em seguida...? Era o que eu ansiava saber.

Sendo ele, eu atenderia quaisquer pedidos.

Gosto quando me encara desta maneia. Satirizou, em meio a um sorriso repleto de soberba, fazendo com que os seus olhos brilhassem, logo senti o seu toque em minha face com suavidade, convencido de que eu não moveria um músculo sequer, e quando me deparei com o seu olhar avassalador, me engolindo por inteira, me vi perder o ar.

Ainda que eu digerisse a situação na qual me encontrava, o meu corpo precipitadamente tomou a frente, como se por reflexo tentasse me afastar do perigo que havia por ali, me obrigando a fugir, embora eu ainda não soubesse o motivo, e foi quando repentinamente recuei na direção oposta à sua, sem saber ao certo para onde iria enquanto ele me observava com uma fixação sem igual. Aquela era o tipo de "fuga" que excitava um predador antes de sua caçada, e sentindo o solo áspero sob meus pés, como concreto, me vi esbarrar contra a quina da cama, caindo sobre o colchão e paralisando completamente.

Assim que o meu corpo encontrou a superfície desconfortável repleta de lençóis, eu quase me vi querendo mesclar-me a eles, agarrando o tecido ao meu redor para que eu não fosse retirada dali, no entanto, nem mesmo isso conseguiria me apartar para o que quer que fosse, pois ele voltou a se aproximar, se colocando sobre mim em uma lentidão sem igual, quase torturante, apreciando a bela e estimulante vista que tinha sob o seu domínio, e consequentemente me vi desejando cada vez mais a proximidade do seu corpo contra o meu, e as suas mãos voltaram a se mover, me induzindo a acreditar que finalmente fosse me tocar, no entanto, o que ele alcançou foi uma das mechas do meu cabelo sobre o meu busto, a levando até os lábios como se segurasse uma iguaria delicada demais para si, e ele apreciou cada instante.