Lâmina

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Eu vou te animar quando você estiver pra baixo
E apesar de todas as coisas que eu já fiz
Eu acho que te amo melhor agora
Estou escondido, perdi a cabeça
Eu farei qualquer coisa por você na hora que precisar
E apesar de todas as coisas que eu já fiz
Eu acho que te amo melhor agora

(Lego House - Ed Sheeran)

Observei aquele gramado verde limão, palco de shows do futebol, palco que já foi do Rafael era engraçado estar aqui e não lembrar de todos os gols dedicados a mim, em pensar que agora não faria mais sentido vir aqui. Não faria sentido continuar assistindo futebol. Não sem ele ali, pra me fazer delirar...

Cheguei no nosso apartamento vazio e calado, joguei as chaves no balcão e me sentei no sofá encarando a TV desligada. Porta retratos com nossas fotos estavam espalhados pelo local e meu coração pesava, eu não choraria mais uma vez.

Mas pra cada canto que eu olhava, eu o via... na cozinha, com avental segurando uma travessa de risoto pronto pra mim e em seguida me fazendo o pedido de vir morar aqui.

Nesse sofá dormíamos sempre quando escolhíamos um filme ruim na Netflix, e era aqui a maior parte do tempo que ele passava seu tempo livre... os jogos ainda estavam bagunçados como ele havia deixado.

Me rastejei para o andar de cima, eu precisava tomar um banho... tirar esse peso das minhas costas pelo menos por algum tempo. Agradeci aos céus por Rafaella não insistir eu voltar para Paris. Meu lugar era aqui agora e nada me tiraria de Barcelona.

Entrei no banheiro e tirei minhas roupas aos poucos, observava meu corpo nu pelo espelho e acariciei meu pescoço fechando meus olhos, lembrando das reações que meu corpo tinha quando tocava o de Rafael.

Nosso amor era único e perfeito... transar com ele era mágico, ele me tornava uma verdadeira mulher em seus braços.

A água quente caia no meu corpo e eu sentia meus músculos relaxarem. Fechei meus olhos e enfiei meu rosto na água, lágrimas se misturaram com a água e eu não me importava. Era difícil segurar aquele choro as vezes.

O enterro já deve ter se encerrado e agradeço aos que puderam e quiseram ficar naquele momento. Mas eu sou fraca demais pra ver o homem da minha vida ser enterrado. Eu não suportaria.

Encarei mais uma vez meu rosto molhado e avermelhado pelo choro desenfreado depois de sair do banho e eu me olhava com ódio. Eu deveria ter valorizado mais, passado mais tempo junto dele, não custava nada vê-lo jogar videogame ou ter dado menos broncas. Deveria ter beija-lo mais vezes e ter o agradado mais.

Eu sentia tanto arrependimento, tanta raiva de mim. E agora não faria mais sentido continuar nessa droga sem Rafael. Phillippe se casaria em poucos meses, construiria sua família, Rafaella também... eu iria ser esquecida e abandonada, pois meu único amor partiu.

Deus nessa altura não existe e nunca existiu. O que? Tirar o homem da minha vida é justo? Matar o Rafael agregou em algo? Alguém está feliz com isso? Mudou o mundo? Deus é um verdadeiro babaca.

Pisei mil vezes naquele objeto esperando a hora que ele se quebrasse e eu pudesse usar. A lâmina se soltou do resto do plástico que não era mais um barbeador depois de tantos pisões que dei. Busquei a lâmina no chão e olhei para mim mesma no espelho.

Sozinha. Você vai morrer sozinha. Seu namorado morreu e ninguém mais vai te olhar como ele te olhava. Não existem mais sonhos para serem realizados sem ele. Passei minha mão no meu rosto afim de secar as lágrimas e acabei me ferindo, fazendo um leve corte na minha bochecha. O sangue brotou e eu olhei aquilo por um tempo, não doía, nem ardia. Me machucar não me causou desespero porque eu queria fazer aquilo.

Estendi meu pulso esquerdo para o meu campo de visão e engoli em seco. Vai ser rápido, tão rápido que não vou sentir dor alguma. Mirei a lâmina no meu pulso e respirei fundo, tomando mais coragem para pressionar o metal na minha pele.

— Finalm... MADISON O QUE TÁ FAZENDO?

Escutei seu grito atrás de mim e suas mãos voarem para me impedir, me fazendo perder o equilíbrio. Sua mão agarrou meus braços e arrancou a lâmina da minha mão, caia uma leve gota de sangue do meu braço.

— VOCÊ TÁ MALUCA? ANDA, SE COBRE!

Júnior se virou de costas para mim mas eu me mantive intacta, não movi um músculo. Eu estava nua atrás dele, completamente abalada e sem rumo, eu não conseguia raciocinar em nada.

— Pronto? — ele se virou devagar mas logo escondeu os olhos de novo — PORRA MAD, SE VESTE, ANDA!

E eu permaneci parada.

— O que tá acontecendo contigo?

Ele se apressou com os olhos semicerrados, jogando a toalha no meu corpo e a enrolando em mim.

— Você não vai dizer nada? Não vai sair daí? Olha, seu braço tá sangrando.

Ele se desesperava cada vez mais, enfiou meu braço na corrente de água fria que saia da torneira e depois de alguns segundos já não saia sangue como antes.

— Vem, você precisa de ajuda.

Júnior me pegou no colo e me levou para a cama, o pior lugar que eu poderia ir. Pude vê-lo abrir as portas do meu guarda-roupa mas abriu justamente a parte de Rafael.

— Droga! Me diz, o que quer vestir? — ele me olhou apressado — anda caralho, tá um frio tremendo, você vai ficar doente se continuar nua.

Eu não conseguia responder.

— Mas que merda, Madison Anne o que deu em você?

Ele revirava meu armário e depois de bagunçar tudo, encontrou uma calça e uma camiseta.

— Você vai continuar assim, não vai? Então eu vou precisar fazer isso. — ele me movia, enfiando as calças em minhas pernas e me vestindo com cuidado — e se eu não tivesse chego a tempo? Você realmente iria fazer aquilo?

Minha respiração estava ficando descompensada, meus olhos estavam lagrimejando de novo.

— Por que fazer isso, Mad? Existem pessoas que te amam aqui. Eu sei, nenhuma na mesma intensidade que o Rafa, mas nós te amos do mesmo jeito. Iria nos fazer sofrer! Ele jamais queria ver isso vindo de você...

Júnior enfiou a camisa pela minha cabeça e meus seios estavam expostos a ele, mas seu olhar não saia do meu.

— Tá doendo, eu sei... mas se machucar, tirar sua própria vida não traria Rafael de volta, babe.

Seu polegar acariciou meu corte na bochecha e uma lágrima caiu, eu não podia evitar. Eu não sabia o que estava pensando, não sabia o que eu estava fazendo. Seus olhos verdes escuros ainda estavam em cima dos meus e minha ficha caia aos poucos.

Meu namorado se foi de verdade.

— Ele disse que me amava... que amava minha carinha, foi a última coisa que escutei. "Eu te amo Mad..." ele disse isso, e eu não vou escutar isso de novo, nunca mais vou escutar. E não foi porque ele terminou comigo foi porque ele morreu! O Rafael morreu!

Me joguei nos braços do Júnior completamente devastada, destruindo toda camada que fiz para não demonstrar meu sentimento. Libertei todo o choro que eu prendi, libertei toda a minha dor.

— Por que Deus fez isso comigo? Nós éramos felizes, tínhamos planos, sonhos. Eu preferiria morrer no lugar dele, era pra eu estar dirigindo, era pra eu proteger ele. Eu me odeio, eu me odeio, eu me odeio de verdade.

Eu gritava com uma dor enorme no peito, um desespero me engolia, me rasgava.

— Eu tentei me matar, Júnior. Eu quase fiz uma besteira, obrigada, obrigada de verdade, me perdoa...

Sentia sua mão acariciar minhas costas enquanto eu encharcava seu ombro com minhas lágrimas infinitas.

— Fica calma, babe... fica calma, eu estou aqui, eu te amo, vai ficar tudo bem...

𝐁𝐄𝐓𝐓𝐄𝐑  | 𝐍𝐄𝐘𝐌𝐀𝐑Onde histórias criam vida. Descubra agora