Capítulo 22 - Sob o manto da noite

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Eles sabiam. O que o frei das hortas acabara de confessar não deixava sombra de dúvidas de que agora, era questão de tempo até colocarem as mãos sobre os dois, e se isso acontecesse, seria o fim. Marlon não podia presumir o que aconteceria a si, mas quanto a Dan Mason, este certamente seria expulso sem chances de contestar.

De repente aquela noite pareceu mais sombria, silenciosa e intimidadora. De repente os ponteiros do relógio pareceram correr mais lentamente, o corredor tornou-se o foco de sua atenção, e a orelha ardia pressionada sobre a superfície de madeira, tentando ouvir o movimento do outro lado.

Apenas os últimos colegas passavam seguindo para os aposentos, o toque de recolher tinha início, e Marlon respirou fundo ao deduzir que, buscando discrição, o padre não causaria um alarde.

Ele se afastou caminhando em direção à cama, parou perto da janela tentando recuperar o fôlego, e então, levando a mão ao bolso, apanhou o mediano embrulho encontrado nos últimos momentos, e trouxe-o para fora, exibindo-o a altura dos olhos. Ainda não conseguia acreditar que o encontrara, e pior, que graças a Beterrabas, Alex Cotton não o pegara. Marlon arriscara-se demais, quase fora pego, mas no fim conseguiu roubar o objeto.

Ele virou a caixinha contra a luz, e cuidadosamente desfez o embrulho de panos que a envolvia, revelando suas extensões medianas. Com cuidado, abriu a tampinha e então despejou o conteúdo na palma da mão.

Era frio. Não imaginava que fosse tão frio, como quando o observara pela primeira vez, em posse de Alex Cotton.

O medalhão de ouro cintilava diante de si, seu passaporte para fora daquele lugar. Possuía um pingente circular com as medidas exatas de uma moeda de alto valor. Não era grosso, no entanto, tinha um nada discreto brasão floreado em alto relevo. Era uma espécie de carvalho retorcido, com raízes arredondadas, seguindo os padrões da folhagem.

Marlon o analisara com atenção. Não entendia qual o motivo para algo tão simplório tirar a paz dos maiorais do monastério, mas seja lá o que significasse, o que importava era conseguir desfazer-se dele a tempo.

Então se lembrou do segundo objeto surrupiado, oculto no bolso contrário. Levou a mão até ele, e o puxou para fora, deixando-o bastante próximo ao medalhão. Abriu-o, e observou uma vez mais os dois rapazes misteriosos, localizados lado a lado entre as fileiras de internos.

As perguntas persistiam, todas sem respostas:

Quem eram?

O que tramavam?

Como sumiram assim, sem deixar rastros?

Os olhos continuaram a analisar a imagem. E então, virando-a, viu em um cantinho aos fundos da fotografia uma inscrição que embaralhou ainda mais os pensamentos:

"Monastério Saint-Michel. Classe de 1995. Outono".

Como aquilo era possível? A foto datava de quinze anos antes.

Como era possível os dois garotos estarem nela?

Como era possível os dois garotos terem aparecido no subsolo?

Marlon já não sabia em quê pensar. Cansado, sentou-se na lateral da cama lembrando-se de Mason e sua convicção sobre os encontros com Flor de Lis. Pensou também nas fofocas de Gurkievicz, sobre a visão no subsolo serem fantasmas.

Aquilo não era possível. Estar ficando louco não era algo aceitável.

Levantou-se e caminhou até o interruptor. A voz de Dan vindo ao ouvido parecia nítida, convincente. Sentia dor de cabeça, por isso se deitou.

"Dizem que o garoto era esquisito" — o rapaz contara-lhe mais cedo, referindo-se ao garoto que havia morrido entre aquelas paredes — "Dizem que falava sozinho. Que era perturbado" — Marlon respirou fundo e fixou o escuro, sentindo-se enjoado — "Ele cometeu suicídio Marlon Gayler, ele não aguentou as pressões. Ele era instável. Um garoto instável e perturbado".

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora