Capítulo 21 - Hábitos, Caixas e Recordações

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Dan nada disse. Ele manteve o silêncio enquanto olhava para a face do irmão desacordado, e Gayler sentia-se inquieto, por não saber o que passava em sua mente. Talvez Dan estivesse com medo, talvez por isso massageasse as mãos do garoto, como se um nó forçasse a garganta. Ele não queria ser o interlocutor da notícia, mas sabia que seria melhor que ficasse sabendo por um amigo, que por um dos velhotes insensíveis.

Mas agora Dan Mason estava com o semblante indecifrável, talvez por apreensão, talvez ódio, era impossível saber.

— O padre contou que a senhora Beauvoir era fumante, e... bem... levara uma vida bastante descuidada. Então, acho que isso contribuiu para sua piora, não é?

Dan nada murmurou, mas no fundo Marlon sabia que ele estava pensando em Jeremy, afinal, se a senhora Beauvoir, mesmo moribunda, aparentava ser bastante forte para resistir ao clima, o que seria do irmão? Tão raquítico, tão frágil, tão...

— Você disse que apenas Margô esteve no enterro?

— Sim. Segundo o bispo, apenas ela acompanhava o cortejo.

Houve um momento mais de silêncio, então Dan caminhou até a janela, observando a neve que voltara a cair, assim como o escurecer ocultando as árvores. A tarde de segunda-feira já havia passado, e Marlon aproveitara-se de que os clérigos se reuniram na capela a fim de rezar, e fugira até o quarto dos irmãos.

— Não houve menção alguma a ela? Digo — ele se virou — A Flor de Lis?

Ainda era difícil ouvi-lo falar sobre a garota. Marlon encontrara as palavras adequadas para dar a notícia do falecimento no vilarejo, mas quando se tratava daquilo que Margô confidenciara, simplesmente travava. Dan parecia decidido a acreditar que aquele encontro na neve realmente acontecera, assim como as conversas posteriores com ela, na vila.

— Infelizmente não — murmurou olhando para Jeremy — O pouco que ouvi foi enquanto conversavam durante o almoço. O padre-diretor tem tentado desviar o assunto "morte", talvez por isso tenha convocado a oração com os freis, justamente para manter o bispo ocupado.

— Ele não faria por menos — Dan retrucou.

— O que mais você sabe? — Marlon pegou-se a questionar. Percebera que desde que o clérigo de Palência chegara ao monastério, os cochichos nos corredores aumentaram. Agora, não somente os freis antigos, mas também os mais novos comentavam que Europeus trazia a morte consigo. — Quero dizer, sobre o tal garoto que cometeu suicídio.

Dan fez mais um instante de silêncio, então, respirando fundo, deixou Jeremy e conduziu Marlon para próximo da pia, um local afastado, evitando que o irmão ouvisse mais daquela história perturbadora.

— O que sei, é o que comentam entre os grupinhos — ele ajeitou-se melhor aos agasalhos — Dizem que o tempo estava frio quando tudo aconteceu. Dizem que o garoto era problemático, que ele era... — fez uma pausa olhando para o rosto curioso do colega — Bem, que ele era esquisito.

— Esquisito? — Marlon retrucou, não compreendendo muito bem o que aquilo poderia significar.

— Eu não sei que tipo de "esquisito" ele era. Mas contam que tinha problemas de cabeça, que conversava sozinho, que, bem, era uma pessoa perturbada. — Marlon respirou fundo. — Então, neste ponto a história fica confusa, cada um conta uma coisa. Alguns dizem que ele surtara com as proximidades do inverno, e que por isso o padre-diretor o havia trancado no subsolo, afim de que seus gritos não perturbassem os demais. Outros contam que naquela noite, o garoto viu algo que não deveria, algo, sobrenatural sabe? Fantasmas.

Gayler engoliu em seco. Ele mesmo já havia visto coisas semelhantes lá embaixo, ou ao menos achava ter visto, já que até o momento ninguém identificara quem era os tais garotos no subsolo.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora