Quando rodas de ferro pressionam as camadas de gelo que forram uma estrada, deixam nelas uma longa linha como o rastro de uma serpente. Sob o trotar agitado da égua, Mason observava os riscos se formando, enquanto protegia o rosto do vento frio que cismava entrar, mesmo as janelas estando fechadas. À sua frente, o frei Mamute parecia uma montanha de tecidos, as bochechas coradas e as mãos firmes nos arreios.
A neve dera uma trégua, assim era sempre que o dia estava para amanhecer, e às laterais, mesmo no breu, era possível observar o vulto dos pinheiros que margeavam o caminho para a vila.
Ajeitando-se melhor em busca de controle para o palpitar do coração, o garoto de orelhas pontudas não conseguia resistir aos pensamentos que voltavam outra e outra vez para intimidá-lo.
Estava com medo por Jeremy, preocupado com Marlon, e agora confuso com as últimas palavras de Alex Cotton. O homem usara de um tom muito ameaçador para intimidá-lo, falara como se Dan soubesse de algo além daquilo que desconfiava sobre seu passado. Alex já não o odiava apenas por desafiá-lo, por não se submeter à sua autoridade, tampouco por ter-lhe dado uma "pista" sobre conhecer sua relação com a história do garoto suicida. Havia algo mais.
Por todo o caminho esta pulga mordeu sua orelha: O que queria dizer com aquilo? Do que Cotton tinha tanto medo?
Ajeitando-se lembrou de Jeremy outra vez. Da noite em que o menor bateu em sua porta assustado com a brincadeira de mau gosto dos colegas, e então de toda a paranoia que começara a partir dali. O irmão parecia tão convicto sobre o que falava, exatamente como Marlon Gayler na noite em que se beijaram.
Por Deus. Eles se beijaram.
Tocando os lábios rachados Dan lembrou-se daquele momento, daquela loucura. Ele nunca tinha beijado outro garoto, ele estava tão confuso que sequer parara para pensar que havia beijado um cara.
De repente olhou novamente para o frei Mamute e sentiu a boca seca. Pensou em Gayler e na proximidade dos dois quando estiveram na vila tentando dar prosseguimento ao plano de fuga, pensou em Marlon e em sua ousadia ao tentar sair sozinho para vender o medalhão, o medalhão que pertencera à família, o medalhão de ouro que fora enterrado junto ao pai.
Afinal, como diabos o objeto fora parar em Saint-Michel? Como Cotton tivera posse sobre ele?
Estava tudo tão confuso, tão incompreensível, e a multidão de pensamentos ocupou todo o trajeto até que caindo em si, o garoto percebeu que lá fora começava a clarear.
Ajeitando-se outra vez, esfregou os olhos e pôde observar a curva que dava acesso à estradinha para a vila. Ela estava coberta de branco e quando a cidade projetou-se além das árvores, Dan pôde apreciá-la novamente, como na noite da primeira fuga, como na noite em que conhecera Flor de Lis.
Os telhados vermelhos das casinhas agora pareciam montanhas de gelo, as janelas estavam clareadas pelas luzes dos piscas-piscas que ainda não haviam sido retirados, e como era cedo, havia pouco movimento nas ruelas. No alto as nuvens negras passeavam lentamente, e como era de se esperar, fumaça escapava de algumas chaminés.
Dan ajeitou a touca, e o frei fez a égua trotar mais devagar. Haviam entrado na cidade e o homem olhava ao redor, como se tentando reconhecer as imediações. Dan sabia exatamente o local para o qual cada beco levava, e enquanto o homem tirava um papel do bolso a fim de se localizar, observou a marquise dos comércios rente às quais se ocultava quando ia ali.
Parecia ter sido há uma eternidade sua última saída. Parecia ter sido há uma eternidade quando se sentou naquele meio-fio agora congelado, e sob o olhar de Marlon Gayler, deixou-se chorar de desespero.
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O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]
Romansa"Internado contra a vontade em um colégio religioso liderado por freis, Marlon Gayler precisará unir-se a Dan Mason se quiser fugir. Dan é um rapaz igualmente problemático, arrogante e envolto por mistérios. É no curso do plano de fuga que um sentim...