Capítulo 48 - O visitante da Madrugada

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Monastério Saint-Michel. Primavera de 1995.

— Está doendo muito? — o baixinho perguntou, observando os vergões na pele latejante. A tez do rapaz mais velho estava franzida, e ele segurava a mão avermelhada, sentindo-a quente como se retirada do fogo. — Eu disse para não fazermos aquilo, disse que ele estava em nosso encalço, e que não demoraria a descobrir.

— É a terceira vez que você fala isso Pombo. E se ele descobriu, foi apenas porque o Marreco deu com a língua nos dentes. Aquele idiota.

— Então, vocês não pretendem fazer as pazes?

— Eu lá tenho culpa de ele ser um língua solta?

Houve um momento de silêncio, e ao longe ouvia-se o ruído dos demais trabalhando nas hortas. O dia estava claro, o sol penetrava as folhagens, e a silhueta do velho resmungão projetou-se ante as roças de repolho.

— Ei? Vocês dois! — ouviu-se o praguejar irritadiço — Se esqueceram de suas tarefas? Acham que estes repolhos vão crescer sem serem cuidados?

Os dois rapazes trocaram olhares, e então, o mais alto ergueu-se de onde se sentara, mordiscando os lábios devido às pontadas na ferida.

— Você devia mostrar isso a algum dos freis. Está horrível.

— E você acha que fariam algo? Estão todos contra nós depois que o professor descobriu sermos os responsáveis pelos trotes. No máximo o que fariam era mergulhar minha mão em água fervente.

— E se saíssemos esta noite? Podíamos ir ao vilarejo, no médico.

— Que perfeito. E como explicaríamos dois noviços, altas horas da noite atrás de um médico, sem a autorização do padre?

O baixinho respirou fundo, e no topo da horta a silhueta de feição rude se projetou, olhando para os dois. O jovem franziu o cenho ao percebê-los conversando, e dando de costas, colocou uma enxada nos ombros e seguiu para a horta vizinha.

O baixinho retrucou:

— Vocês precisam parar com esta rixa. Já se passou uma semana, precisam fazer as pazes.

— Eu fazer as pazes com o Marreco? Ele que venha aqui e peça desculpas por ser dedo duro.

Onde outrora estivera o colega da face rígida, surgia novamente o frei responsável pelo cultivo. Sua barba estava suja de terra, e ele colocou as mãos na cintura, praguejando outra vez.

— Eu vou precisar descer aí e puxá-los pelas orelhas?

À frente o rapaz baixinho pegou seu rastelo e indicou ao homem já estar indo para a lavoura, então voltou ao rapaz da mão ferida.

— Olhe, eu vou retirando o joio de entre as hortaliças, e enquanto isso, desça ao curso d'água e pegue um regador cheio. Aproveite para lavar esta ferida, acho que está infeccionada.

Ele o viu colocar a luva de borracha e então respirar fundo, sua mão ardia.

— Você sim é um bom amigo Beterrabas — retrucou engolindo em seco, observando entre as hortas aquele que os havia dedurado — Quanto a Alex, quero mais é que se exploda.

Alex Cotton ajeitava as roupas enquanto caminhava ao lado do padre-diretor. A mão enfaixada, a imagem na fotografia, e as acusações de Marlon Gayler o fizeram voltar no tempo, há ao menos quinze anos antes. Fora ali, naquele mesmo corredor onde tudo começara, e o que mais o deixava irritado, é que no fundo também tivera algum tipo de culpa. Se ao menos tivesse resistido ao castigo do frei Jubilado, e não houvesse dado com a língua nos dentes, talvez nada do que houve, havia de ter se desenrolado.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora