Capítulo 23 - Soterrados

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Houve silêncio na escuridão, nem um, nem o outro nada falava, apenas o zunido de água pingando ecoava pelo breu, vindo de algum lugar distante. Marlon sentia dificuldade em respirar, um forte latejar incomodava o pescoço, exatamente no local que Dan Mason pressionara em seu descontrole. Ele não entendia o quê havia dado no colega, mas também não queria saber, queria apenas ficar calado, manter-se encolhido em seu canto, contrário ao dele, sentindo o frio das pedras, e o cheiro forte de umidade. Estavam literalmente no ventre da terra.

Algumas vezes o garoto tinha a estranha impressão de que Mason estava a choramingar baixinho, mas nada podia confirmar, pois estava bem afastado dele, oculto pela quietude. Em sua cabeça, já estavam ali há pelo menos três horas, e perguntava-se o que aconteceria de agora em diante.

Para Dan, certamente não haveria alternativas. Se antes do ocorrido já havia interesse em sua expulsão, agora Cotton usaria toda a sua lábia para convencer o padre de que isso era o melhor.

Ele não devia ter feito aquilo, ter gritado, tê-lo impedido de sair. Se Dan não tivesse se intrometido, Marlon já estaria retornando do vilarejo, já haveria negociado com o velho Ratazanas e estaria a caminho do monastério para retirá-los dali, agora porém, o futuro era incerto.

Pluc... Pluc... Pluc...

O gotejar afastado continuava, ele enfiou a mão no bolso e sentiu a correntinha se desfazendo entre os dedos sujos. Respirou fundo, lembrando-se do olhar que Beterrabas lançara quando viu o medalhão, e de como fingira não tê-lo visto. Afinal, por que um frei, mesmo sendo o frei Beterrabas, iria proteger um interno que estava tentando fugir? Por que Beterrabas pareceu tão assustado ao reparar no objeto floreado em ouro? Por que Mason perdera o controle daquele jeito?

"Onde conseguiu?" — Foi o que o garoto questionara aos berros, a feição transtornada. — "Onde o conseguiu Marlon Gayler? Onde conseguiu o medalhão?" — As palavras ainda ecoavam em sua mente.

Enquanto apalpava a garganta ferida, Marlon engolia com dificuldade, sentindo o esôfago arder, como se estivesse cheio de espinhos, como se algo ali dentro estivesse quebrado.

"Fale. Diga onde o encontrou".

A forma como ele protestava, a forma como o imprensara com fúria. Por um momento até pareceu que Dan sabia a quem pertencera o objeto, a procedência dele, e isto deixava Marlon confuso, irritado, chateado. Dan devia ter confiado em sua capacidade, Dan não devia tê-los lançado ali, num lugar tão profundo, escuro, frio e solitário.

Coff... Coff... Coff...

O tempo passava, e as horas pareciam correr vagarosamente. Ele agora tossia vez por outra, a exemplo de Dan, embriagados com o mau odor. O som dos pingos de água era como tiros em sua mente. Ele estava tonto, cada vez mais cansado, abatido e sonolento. Desejava deitar-se naquele chão imundo e adormecer. Adormecer não por algumas horas, mas para sempre. Colocar um fim definitivo àquela vida cansativa, amarga, de desprezos e perdas.

O silêncio persistia, as lembranças também. Já não era possível presumir se era noite ou dia, a claridade não chegava ao lugar. Ele recordava-se do primeiro momento em Saint-Michel, quando o pai o abandonou no corredor da direção. Era como se ainda hoje a conversa com o padre-diretor ecoasse em sua memória. Tratavam-no como uma mercadoria, algo descartável. Algo sem valor, um peso na vida de quem o "vendia".

Ele começava a cochilar com aquelas imagens, o coração ainda apertado, e num susto, despertou com os sussurros que agora vinham da extremidade contrária à lateral que se recostava. Era Dan Mason.

"Foi há dois anos" — A voz vacilante saiu trêmula, e devido à tontura, Marlon levou algum tempo até compreender que se tratava do colega de enclausuramento. Sem alternativas, teve de ater-se a ela. — "Na época eu... eu não pensava como hoje. Jeremy era pequeno, ele... ele não tinha ideia das coisas" — Dan pareceu engolir em seco, parecia abatido — "Eu achava que ter amigos como aqueles me faria alguém especial, diferente. Malditos amigos problemáticos que adoravam confusão. Malditos amigos drogados e rebeldes". — houve uma pausa, e por um longo momento Marlon pensou que ele não prosseguiria, mas Dan voltou a murmurar, ajeitando-se melhor — "Meus pais não aprovavam minhas companhias, e como poderiam? Eles nunca aprovariam aquele tipo de gente andando com os filhos" — respirou fundo, a mente perturbada — "Eles... Por várias vezes eles brigaram e ameaçaram me mandar para um colégio interno se eu não mudasse. Diziam que eu precisava ser mais responsável, mais dedicado a algo útil" — outra vez engoliu em seco, a língua amargando — "Mas ora, você sabe como é, está aqui pelo mesmo motivo. Sabe como é estar revoltado com tudo e todos, com as emoções afloradas, a mente perturbada, uma raiva sem motivos, e... a única coisa em que pensa é desafiar o mundo, mostrar o quanto é bom, independente, o quanto não se importa com nada e ninguém" — ele fez silêncio. Um silêncio que pareceu eterno, levando Marlon a erguer o corpo e romper o hiato, enquanto ajeitava-se melhor.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora