Capítulo 31 - Asas Negras

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Lá fora a neve não deixava de cair. Vários flocos brancos rodopiavam pelo ar até repousar sobre as árvores e no portão distante cujas lanças apontavam para o alto. Era o entardecer de domingo, e por todos os lados ouvia-se murmúrios e sons de taboas sendo afixadas aos vãos das janelas quebradas, a fim de proteger o local da friagem e de uma possível nova perturbação das aves.

O que ocorrera na madrugada permanecia um mistério, e o desaparecimento de Marlon Gayler, um segredo.

Absolutamente ninguém perguntava por ele, tão pouco tinham pistas de onde havia se enfiado. Aquilo era muito suspeito.

Umedecendo os lábios Dan afastou-se da janela e olhou ao redor. Tudo permanecia igual, exatamente como o garoto deixara. Ele podia ter fechado a cômoda, arrumado os lençóis, porém tinha coisas mais importantes a fazer.

Olhando um momento para o escurecer, deu de ombros e deixou o aposento, fechando a porta ao sair. Caminhou em silêncio pelo corredor, observando o movimento de sobe e desce dos colegas, que mesmo àquele horário, ainda traziam consigo sacos contendo estilhaços e aves mortas, resultado da faxina que precisara ser dada desde as primeiras horas daquele dia.

Parou frente ao quarto do irmão, respirou fundo e então fez a porta ceder. Ele estava sentado na cama.

— Dan? — Jeremy Mason esboçou um sorriso de alívio por revê-lo, então imediatamente se aproximou — E então, descobriu algo? — questionou observando-o fechar a porta, e seguir para a cadeira, onde se sentou. Parecia cansado.

— Ele não voltou ao quarto Jer. O lugar está do mesmo jeito, e... ninguém o viu por aí.

Jeremy respirou fundo e fitou os dedos, assim como Dan, também estava preocupado com o sumiço de Marlon Gayler.

No sonho ele...

— Talvez haja alguma ligação com o desaparecimento do frei das hortas — Mason o interrompeu, erguendo-se, estava cansado de conversas sobre fantasmas, sonhos, sombras e ameaças desconhecidas — Não acha coincidência demais os dois terem sumido ao mesmo tempo? Talvez eles tenham tramado deixar-nos para trás, talvez... tenham fugido quando tiveram a oportunidade.

— Gayler não seria capaz de algo assim, você sabe melhor que eu.

— Sei? — Mason debochou, caminhando até a pia — Fidelidade é algo tênue Jer, algo que tem seus limites — parou um momento a encarar a porcelana, e então abriu a torneira, buscando umedecer o rosto — Se a situação fosse ao contrário, se no meio de toda confusão nos restasse apenas uma oportunidade... Você acha mesmo que não seriamos tentados a também deixá-los para trás?

Dan?!

— Qual é Jer?! — ele respirou fundo, o coração apertado ao olhar para a porta — Seria sua saúde em jogo. Por mais que eu me simpatize com a coragem de Gayler, por mais que eu goste dele, isso... eu... eu não pensaria duas vezes em priorizar a família.

Jeremy não sabia o que dizer. Se ao menos o irmão cabeça dura parasse um momento para ouvi-lo. Se Dan ao menos tivesse disposto em acreditar naquilo que falava, em ligar os acontecimentos. Mas, este era um mal de família, o pai era igualmente cético, e o avô também, assim como a mãe contara várias vezes.

— Gayler não fez isso.

— Gayler priorizou a própria pele — Dan rebateu umedecendo os lábios, então tornou a virar-se para a pia. A água da torneira pingava lentamente, e permanecendo em silêncio por algum tempo, podia ouvir os passos no corredor, imaginando a única cena possível: Marlon deixando o quarto para ir encontrar-se com eles, a balburdia das aves começando lá fora, os freis deixando os aposentos e na impossibilidade de se esconder, o garoto se assustando e não pensando duas vezes antes de descer a encontrar-se com o frei das hortas. Nervosos, deviam ter aguardado apenas mais alguns instantes, mas diante da dificuldade, decidido por fugirem sozinhos.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora