Capítulo 27 - Pecados na noite de natal

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Alex Cotton cruzou o corredor com ar de satisfação, há muito não se sentia tão vitorioso como naquela noite. Demorara, e como demorara alcançar tal feito, mas isso já não importava, conseguira outra vez, curvara o superior a seus desígnios, exatamente como pretendia.

O hábito marrom com cordinha de nós varria o chão conforme passava, o solado dos sapatos estalavam reverberando um ruído oco, e os internos que passavam por ele, caminhando em direção ao salão comum, recolhiam o sorriso e curvavam a cabeça em respeito à sua presença. Mas Alex Cotton não prestava atenção àqueles gestos, seus pensamentos estavam ocupados demais para atentar-se à irrelevância temerosa de internos insignificantes.

Ele fez uma curva, e logo à frente, a porta de seu quarto já se projetava. Seguiu para ela, e ao entrar, recostou-a caminhando até a pia que pingava vagarosamente graças ao defeito na válvula da torneira.

Devia pedir ao frei da manutenção que atentasse a mais aquele pormenor, porém, o homem descera tarde de sua manutenção no sino, e ao que parecia, não conseguira lograr êxito com o conserto do objeto.

Respirou fundo com as mãos apoiadas na lateral da louça, atento a seu reflexo no espelho desbotado. A barba estava bem aparada, era acastanhada a exemplo dos cabelos e emoldurava perfeitamente o rosto quadricular. Os olhos de um profundo tom caramelo cintilavam encarando a si mesmo, e então ele curvou-se trazendo uma mão de água a eles, a fim de higienizar-se antes de descer.

Ficou por um momento encarando a água rodopiar ralo abaixo, as gotinhas pingarem do rosto umedecido. O ar de satisfação que estivera acelerando o coração aos poucos fora se desfazendo, e agora, somente pensamentos antigos retornavam vagarosamente.

Aprumara-se meneando a cabeça, não pensaria naquilo, não mais. Ajeitou as vestes respirando fundo e caminhou até o guarda-roupa, abriu as portas e deslizou os hábitos pendurados a fim de escolher um cachecol especial para a ocasião. Verde com listras escuras seria o mais apropriado, combinaria com a decoração simplória do hall.

Tomou-o e enrolou ao pescoço, dirigindo-se à cômoda sob a janela. Uma bíblia descansava aberta entre alguns livros, e ao centro dela, um mediano crucifixo marcava algumas páginas. Tomou-o, beijou-o, fez o sinal da cruz, e olhando lá para fora, para a escuridão coberta de neve, postou-se a murmurar baixinho em agradecimento pela conquista que obtivera.

Enquanto sussurrava para si, atento à dança suave dos cristais de gelo frente à claridade da janela, ouviu as vozes darem início aos cânticos de ação de graças. Vinham lá debaixo, dois andares até o térreo, e estranhamente, mesmo que formado às pressas, o coral de garotos conseguira alcançar certa afinação, diferente daquela que presenciara mais cedo no ensaio para o bispo.

As vozes suaves fizeram-no prender os olhos outra vez nas silhuetas perdidas na noite. O vulto dos pinheiros, dos arbustos, do portão. Enquanto deslizava o crucifixo entre os dedos, parara de orar e manteve os pensamentos em uma noite como aquela, quinze anos antes. A diferença, no entanto, é que não estava nevando, apenas fazia frio, um frio aceitável.

Alex Cotton meneou a cabeça e engoliu em seco. Depositando o crucifixo outra vez entre as folhas da bíblia, afastou-se da cômoda e lançou o olhar para a moldura anexa à parte superior do guarda-roupa.

Noites de natal eram tão melancólicas, e por mais que odiasse aquilo, não podia negar que também sentia os pensamentos voltados à reflexão.

Ainda com os cânticos suaves a ecoar pelos corredores, fez a volta ao redor da cama, tomou a cadeira, e apoiando-a rente ao guarda-roupa, suspendeu o corpo sobre ela. Tateando o vão superior da moldura, tocou a pequena reentrância oculta, fazendo com que a superfície esculpida cedesse em sua direção.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora