Capítulo 56 - Quando a noite cai

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Ele olhou para o vitral, e se por um lado sentiu-se aliviado por já não estar nas masmorras de Saint-Michel, por outro demonstrou aflição, já que ao invés de despertar, estava novamente na escadaria do Arcanjo, observando o sobe e desce de internos com baldes e vassouras, no que provavelmente seria a faxina para o inverno.

Enquanto os observava, Dan Mason teve a atenção roubada por duas silhuetas que se projetavam lá embaixo, carregando baldes e pás, e olhando para os lados, conferiu se era observado, e descendo rapidamente, seguindo-os até as cozinhas.

O local estava imundo, certamente o almoço havia terminado poucas horas antes, e vários garotos lavavam as louças e limpavam o chão. Percebia que havia freis fiscalizando as tarefas, e então parou quando as duas silhuetas interromperam-se um momento, diante do questionamento que surgira de algum lugar.

— Onde os dois apressadinhos pensam estar indo?

Eles se viraram, e deram de cara com um frei rechonchudo a fixá-los. Foi aquele cujo rosto nunca estava visível que se pôs a responder:

— O frei Mantenedor mandou-nos recolher os entulhos que estão nas masmorras. Para isso, fomos buscar pás e baldes.

O homem os encarou um momento mais, e então respirou fundo.

— As celas. Juro que não entendo porque o padre não tranca estas masmorras de uma vez por todas, se nunca pretende utilizá-las para algo útil. Ano após ano é a mesma coisa, uma perca de tempo com local tão desnecessário.

Houve uma pausa, os dois trocaram olhares e o homem colocou a mão na cintura.

— E então? Vão ficar parados aí? Uma limpeza não se faz sozinha.

— Oh, claro que não frei... perdoe-nos.

Dan fixou a feição do frei, mas aquele em especial nunca vira. Talvez houvesse ido para Palência, como ocorria com alguns quando requisitados, o fato é que aquele homem não o importava, mas sim as silhuetas de Charles Widmore e seu amante desconhecido.

Ele apressou os passos quando viu as silhuetas passando a portinha de madeira e caminhando novamente para a entrada das masmorras. Respirou fundo, angustiado por ter que descer naquele lugar outra vez, mas sentia-se impelido a saber onde aquilo daria, pois de alguma forma, compreendera que só despertaria daquele transe quando tivesse visto o necessário.

A escuridão o engoliu e então parou, procurando-os com o olhar, mas nada viu. Confuso, girou no ambiente procurando-os atentamente, e percebeu-se sozinho, apenas com o corredor silencioso. Aquilo não fazia sentido, terem evaporado de um momento para o outro.

Deu alguns passos adiante, observou as portinhas e conferiu um lado e outro, porém nada havia. Foi quando inesperadamente alguns ruídos ecoaram da curva afastada, e aproximando-se, ele colocou a cabeça para além dela e observou as silhuetas dos jovens Alex Cotton e Beterrabas parados bem ali, sussurrando sob um feixe de luz.

Você os viu, não pode esconder isto por muito tempo. Agora é testemunha ocular, com eu.

Ele ocultou-se atrás da parede fria e os observou a dialogar. Ainda não havia se acostumado com o fato de serem anos mais novos, por isso ficou calado, percebendo-os nervosos. Pareciam sob estresse.

Mas Cotton, eu... eu não posso fazer isso — Foi Beterrabas a dizer, trêmulo a olhar para a direção onde Dan se ocultava — Você sabe que eu não seria capaz. Eu não seria capaz de algo assim.

Ou você faz, ou faço eu — Cotton resmungou, observando-o contra a parede.

O coração de Mason acelerou, ajeitando-se para ouvi-los melhor.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora