Capítulo 3 - Saint-Michel

2.6K 236 68
                                    

Preciso fugir. Preciso fugir. Preciso fugir.

Ele olhava os portões distantes, recostado à janela no segundo andar. A brisa vinda da floresta estava fresca, ótima para reflexão, mas tudo o que ele queria era dar o fora dali.

Marlon Gayler massageava a palma da mão recordando-se do estalo que ecoara quando o professor castigara o colega naquela manhã. Seu coração batia apertado, os olhos ardiam e um nó comprimia a garganta. Estava desprotegido, vulnerável.

O pai enfim conseguira livrar-se dele. Agora, poderia viver sem problemas com a amante, desfrutar de uma vida nova bem distante da Inglaterra. Como o odiava. Era culpa dele estar ali, era culpa dele a mãe já não estar presente.

Esfregando os olhos, o garoto respirou fundo se recompondo, precisava descer, em breve o sino tocaria. Naquela tarde teria sua primeira experiência com as hortas, tarefa na qual o padre o havia alocado sob supervisão do frei gordinho que todos chamavam de Beterrabas.

Enquanto fechava os botões da jardineira, Marlon ouvia os passos no corredor, precisava se apressar.

Deixando o quarto com desânimo, ele observou os arredores e então seguiu em frente. Agora que conhecia o trajeto já não havia necessidade de seguir ninguém, então caminhou até o hall guardando silêncio, observando atencioso cada entrada, janela e curva.

Se pretendia fugir, era de suma importância conhecer centímetro a centímetro da prisão, já que era literalmente isto o quê o lugar parecia.

Por onde passava, tinha a impressão de ser observado, por isso buscava agir com discrição. Ao aproximar-se da escadaria, observou lá embaixo os vários colegas já trajados para o serviço: camisa social abotoada até o colarinho, a jardineira de um tom encardido e desbotado, e botas escuras de borracha. Pelo vitral do Arcanjo, a tarde infiltrava clareando o saguão, cuja larga porta estava escancarada para o jardim, umedecido pelo chuvisco da noite anterior.

Em silêncio Marlon postou-se ao lado dos demais e ficou a observar que pelo menos naquele momento, todos pareciam um pouco mais a vontade. Talvez se devesse à tarde ensolarada, ou por terem acabado de almoçar, o fato é que conversavam baixinho e esboçavam algum sorriso.

Marlon ficou em seu canto, quieto a observar os perímetros. Viu que para lá do refeitório vários garotos recolhiam os pratos sujos do almoço, limpavam as mesas, e ajoelhados, esfregavam o chão até deixá-lo brilhando. Havia alguns velhotes que fiscalizavam o trabalho com a cara amarrada. Vez por outra apontando locais mal limpos e resmungando sobre a preguiça dos rapazes. Foi então que Marlon viu o frei baixinho deixar a portinhola rente ao elevado, caminhando em sua direção.

Estava vestido semelhante aos garotos, exceto que na cabeça trazia um chapelão de palha com bordas largas. Ele veio caminhando em passos lentos devido às pernas curtas, cruzando o salão com um tímido sorriso, cumprimentando os demais que por ali estavam. Conforme passava, os velhotes que ficavam para trás resmungavam como se o otimismo do frei fosse uma ofensa à ordem.

— Boa tarde meninos, como estão após o almoço? — Ele cumprimentou o grupo quando chegou, e com um sorriso, foi recepcionado. Conferindo um a um antes de sair, viu entre eles Marlon tentando se ocultar, e de forma espontânea e imediata pôs-se a querer apresentá-lo — Ora. Rapaz Gayler?! Que bom que está conosco irmãozinho, chegue mais a frente para que a turma possa conhecê-lo — Marlon sentiu as entranhas darem um nó. Não queria conhecer ninguém, afinal, sequer ficaria ali por muito tempo. Já tinha tudo esquematizado, deixaria o monastério ao anoitecer, porém, ainda assim aproximou-se obedecendo ao frei gentil.

Quando se postou frente à turma, sendo cumprimentado por ele, ouviu uma voz rígida soar vinda do topo da escadaria, e estremecendo, virou-se a observar Alex Cotton parado lá em cima, frente ao largo vitral que dava nome ao lugar.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora