Capítulo 26 - Falsa Calmaria

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Marlon despertou primeiro. O corpo estava pesado, dormente, doloroso. A má posição em que se recostara à parede prejudicava a musculatura, o pescoço já doía desde antes, e agora, o braço direito também estava dando leves câimbras. Marlon, no entanto manteve-se quieto, procurando acostumar-se com o desconforto. Respirou vagarosamente, percebendo que ao lado os pulmões do colega faziam um barulho estranho, meio rouco, irritados pelo pó. Dan ainda estava adormecido, não queria acordá-lo.

A troca de calor os envolvia e só quando a câimbra passou, Marlon percebera que os dedos ainda estavam entrelaçados. A ciência daquilo fizera um delicioso arrepio aquecer o corpo, o coração acelerou vagarosamente, e ergueu os olhos sentindo que a respiração do colega tocava mansamente em sua bochecha.

Ficou em silêncio, sentindo aquela aproximação com cuidado. A mão áspera e calejada de Dan estava quentinha. Vez por outra arriscava mover alguns dedos entre os dele, e podia sentir as batidas de seu coração.

Engolia em seco, calmamente, umedecendo os lábios vacilantes, imaginando a textura dos lábios dele. Estavam tão juntos, que mesmo no escuro era com se pudesse observá-los em sua perfeição. Deviam estar ressecados a exemplo dos seus, e de uma coisa Marlon sabia, um pequeno contato naquele momento, mesmo que de leve, poderia facilmente umedecê-los outra vez, restaurando seu vigor.

Respirou sofregamente virando o rosto um momento em direção à porta, resistindo à tentação de sua fragilidade. Ouvia em algum lugar o gotejar intenso, e outra vez lembrara-se que lá em cima estava a nevar. Aquela água devia ser uma infiltração, o resultado de muito gelo acumulado.

Para sua angústia, Saint-Michel se tornara aquilo que ele mais temia, uma sepultura lacrada por todo o inverno. Já não imaginava o que poderiam fazer para dar o fora dali, tentara tantas vezes, e todas as esperanças terminavam sempre no mesmo lugar, na desilusão.

Ofegou e tornou a trazer o rosto para a região onde Dan descansava. Sentiu-se entristecer, sentiu os olhos umedecerem e pensou que iria chorar. Era tão angustiante estarem tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes. Então, enquanto mantinha os olhos fixos na escuridão onde sua face repousava, o percebeu respirar com um pouco mais de dificuldade, pondo-se logo em seguida a tossir, colocando para fora o pó que o embriagava.

Marlon pensou que acordaria e se afastou, preparando-se para ouvir sua voz rouca, mas ao contrário do que imaginou, Dan não despertara. Apenas ajeitara-se melhor, entrelaçando os dedos um pouquinho mais, ajustando-se junto ao seu corpo.

Marlon amou aquilo, a proximidade, a forma carinhosa como ele segurava sua mão. Desejava com todas as forças poder acomodá-lo melhor, acariciar suas orelhas pontudinhas, a curva quadricular de seu maxilar. Desejava repousar a cabeça na lateral do seu pescoço, e assim como ele, voltar a dormir. Era tão perturbador viver assim, sem ter coragem suficiente para declarar o que sentia, ou ao menos achava sentir.

Ficou quieto, pensativo, silencioso. Aos poucos a mente fora trazendo a recordação de tudo o que conversaram, de todas as estranhezas. Mason tornou a tossir, o som rouco dos pulmões preocupou Marlon, e este temeu que o local insalubre estivesse fazendo-o muito mal. Foi quando um zunido ecoou lá fora, e atento, ele ajeitou-se melhor pondo-se em alerta.

Gayler? — A voz rouca ecoou em seguida, e ele percebera que seu gesto brusco fizera Dan despertar — Algum problema? — o colega retrucou limpando a garganta e voltou a tossir, erguendo o corpo com dificuldade.

Um barulho — Marlon confessou, agora as mãos soltavam-se lentamente e era impossível imaginar o que se passava na mente do rapaz. A seu exemplo, Mason também estava a ajeitar o corpo, sentindo as articulações estalarem conforme movia as pernas de lugar.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora