Capítulo 46 - Cúmplice

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O bispo de Palência ajeitou o hábito e prosseguiu em seu trajeto pelo corredor. Alguns freis passavam por ele ruidosos, e ao vê-lo, curvavam-se em respeito e então seguiam seu caminho. Todavia, por mais amáveis e atenciosos que fossem os irmãos da colina Saint-Michel, sentia que havia entre eles um clima de confidência, como se estivessem escondendo algo, e para piorar, as palavras ditas pelo jovem Gayler ainda causavam espanto. Afinal, o que o garoto pretendia obter com acusações tão sérias?

"Amarrar, amordaçar, fazer calar. Isto foi o que fizeram quinze anos antes, com a criança Widmore. Amarrou, amordaçou.".

Charles Widmore, este era o nome da criança. Ele havia cometido suicídio quando o inverno chegou, e... seria possível que a história contada naquela ocasião houvesse sido alterada a fim de encobrir algo? Estaria o diretor e seu monitor chefe escondendo algo sombrio sobre o que realmente aconteceu?

"Por que não nos conta como conseguiu tornar-se a mão direita do padre, Alex Cotton? O que você precisou fazer para chegar a posto tão alto, que deveria pertencer a um dos freis nativo da ordem?"

Havia algo misterioso naquelas acusações, e o bispo começava a perceber. Talvez se devesse a tantos cochichos, a tanto cuidado para que ele nunca estivesse sozinho, mas, como poderia saber?

Umedeceu os lábios, e tomando o crucifixo que trazia no bolso, pressionou-o entre as mãos em busca de respostas, pedindo a Deus que clareasse o caminho e mostrasse o que estava oculto. Respirou fundo, observando as luzes ainda falhando, e passando frente a uma das portinhas, viu-a sendo aberta. Foi então que um dos freis vigias saiu com um jarro vazio em mãos, a fim de pegar água.

— Bispo? — o homem ficou corado — Sua benção — curvou-se educadamente e o clérigo o abençoou. Fixou sua feição cansada, e então a porta de onde saíra, tentando manter a aparência de tranquilidade. — Uma noite movimentada, não?

— Ah sim. Desde o ocorrido com as aves, Saint-Michel parece bastante tenso — disse o clérigo, buscando esboçar um sorriso — Mas pelo visto, ao menos o senhor está bem acomodado aqui nos leitos térreos.

— Bem acomodado? — o homenzinho sorriu, a botija vazia em suas mãos — Bom, há para mim uma cadeira dura e a cada oito horas uma troca de turno. Penso que é melhor do que lavar panelas e pratos.

— Então o senhor trabalha nas cozinhas?

— Ah sim. Mas com a chegada do inverno todos são realocados para novas tarefas. A minha atual, é cuidar dos freis enfermos.

Houve uma pausa, estava frio e o frei aparentemente cansado de ficar em silêncio. Foi quando a curiosidade veio à mente de Europeus.

— Sim, sim. Estou me recordando desta porta — esboçou um sorriso, e voltou ao homem — Este não é o quarto onde está acamado o frei Lúcios?

— O irmão Jubilado? Ah sim. É este mesmo que aqui descansa. Devo confessar que o irmão ainda não está lúcido para conversar, talvez devido a tantas medicações.

De repente, como num sussurro frio, algo falou à mente de Europeus para que entrasse no recinto. No corredor mal iluminado, em companhia do frei já de passagem, olhou para um lado e outro e percebera que desde a chegada, esta era a primeira vez que enfim estava sozinho. Limpou a garganta.

— Irmão, acho que não se importará se eu fizer companhia a meu velho amigo por alguns minutos, enquanto segue seu caminho, não é?

Um sorriso emoldurou o rosto do rapaz, e ele respirou fundo.

— É claro que não bispo. Eu ficaria feliz de espreguiçar minhas pernas um minuto, e já que se dispõe a tarefa tão nobre, não vejo motivos para recusá-lo.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora