Capítulo 6 - Sombras na Escuridão

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EU SEI O QUE VI, NÃO ME TOME POR UM VELHO GAGÁ, GAROTO. — resmungara o idoso antes de sair irritado pelo corredor, com seus lentos passos reumáticos. A barba encardida tocava a altura do peito, crescera emaranhada e bastante descuidada durante toda uma vida dedicada à reclusão. Agora, após tantos anos, seus olhos baços mal enxergavam o caminho pelo qual passava, e o peso da idade parecia montá-lo.

— O que houve? — Um religioso que aparentava ser bem mais jovem aproximou-se da entrada da biblioteca, reparando no senhor que sumia distante a resmungar.

— O ancião persiste em afirmar que algum interno o estava incomodando na noite anterior, mesmo depois de termos revistado todos os dormitórios, certificando-se de que ninguém estava fora da cama — explicou o professor Cotton, meneando a cabeça.

— Ora. Mas o irmão Isaac afirmou também ter visto a tal silhueta no topo da escadaria.

— Apenas um engano — Cotton postou-se a corrigi-lo quando entraram no ambiente silencioso — O próprio frei Isaac voltara atrás esta manhã. Afirmou não ter certeza do que realmente viu devido à escuridão — E pegando alguns livros de sobre a mesa, Alex Cotton passou a devolvê-los para os espaços vazios nas estantes. — E mais, se houvesse algum interno fora da cama teríamos pego, todos os monitores levantaram-se assim que os praguejamentos começaram lá embaixo — completou recebendo do companheiro algumas obras que este segurava.

— Afinal, deve ter sido apenas imaginação do pobre velho — o frei disse — O ancião está bastante idoso e não é a primeira vez que afirma ter visto coisas. Acredita que há poucos dias cismara haverem ratos roendo suas roupas? Enquanto não conduzi uma turma a faxinar o aposento onde dorme, o pobre homem não desistira da ideia. No máximo o que meus garotos encontraram foram hábitos sujos de urina — concluíra balançando a cabeça com um sorrisinho debochado.

Ratos? — O frei-professor exclamara guardando o último livro, então se virara para o irmão responsável pela manutenção, retrucando com desdém — Sendo assim, talvez eu mesmo ande vendo coisas frei — disse limpando as mãos nas laterais da túnica — Ora, ontem mesmo me deparei com um enorme roedor perambulando pelo refeitório, instantes antes do jantar, e... não se faça de desentendido, não é de hoje que encontramos fezes nas dispensas.

— Como é? — O baixinho não gostara nada da afronta — Por acaso o senhor está insinuando que meu serviço vem sendo mal feito professor? — retrucou amarrando a cara.

— Se o problema é o seu serviço ou o de seus supervisionados eu não sei, mas uma coisa é certa frei, não sou o primeiro a ver ratos perambulando pelos cantos. Com a aproximação das chuvas existem ninhos se formando em todos os locais mal conservados.

O homenzinho ficou duplamente irritado. Dedicava-se incansavelmente à supervisão de seus internos para que agora um reles professor das mãos macias viesse criticar o seu trabalho.

— Saiba o senhor que mantenho mãos firmes com meus supervisionados. Todos são fiscalizados com rigidez para que não percam tempo com conversinhas paralelas durante o trabalho. Agora, se o frei-professor acha que meu serviço está sendo feito de forma desleixada, solicite ao diretor que realoque mais alguns internos para os serviços de manutenção. O que estamos precisando são de braços fortes para o serviço pesado, e não de um bando de alunos molengas e incapazes.

Incapazes? — Cotton chegou a rir zombeteiro.

— Sim. Incapazes. Ainda esta semana disseram que me enviariam alguém forte o bastante para ajudar-nos a arear os panelões e descarregar as dispensas, e o que me aparece? Um aluno com a mão enfaixada. Dan Mason, acho que esse era o nome do diabo. Só serviu para lavar as louças e nada mais. A dispensa continua cheia de sacos pesados esperando que alguém nos ajude a removê-los — concluiu sabendo que Cotton era o frei mais próximo do padre-diretor.

O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora