Não havia quarto, não havia paredes enegrecidas, tampouco luzes falhando ou a imagem deformada de Marlon Gayler à sua frente. Por um momento Dan pensou despertar de um pesadelo, e erguendo-se num susto, percebeu que estava entre folhagens úmidas. O corpo doía, os olhos ardiam, e quando olhou para o alto viu através dos pinheiros os raios de sol e o céu azulado. Mas afinal o que estava acontecendo?
Ajeitando as roupas, desgrudou delas as folhas secas e gravetos, sentia a brisa fresca e ao longe ouvia vozes. Virou-se e encarou a região na parte baixa do relevo, e então reconheceu o local onde estava. Ali era o caminho que ligava a horta ao cemitério afastado, e pelo visto, era o momento dos trabalhos vespertinos.
Respirou fundo, a cabeça ainda incomodando, então deixou a estrada e entrou para entre as árvores, não queria ser visto. Fitou as mãos por um instante, estavam limpas, assim como as roupas, então... não compreendeu o que acontecia.
Devia ter batido a cabeça, mas, não sabia como aconteceu, foi tudo muito rápido, e quando ouviu um ruído de passos, apressou-se em ocultar o corpo atrás de uma rocha escura, e sem ver o rosto daquele que por ali passava, reparou apenas que trazia um regador vazio em mãos.
Quando o rapaz desceu o declive em direção ao córrego que corria lá embaixo, ele deixou o esconderijo e o observou com cautela. Ainda oculto, pôde vê-lo abaixar-se ante o curso d'água e colocando o regador de lado, molhar a mão direita, murmurando ruídos de desconforto.
Era estranho ver aquele rapaz pelas costas. Ele tinha algo familiar, mas, desde que entrara em Saint-Michel, não se recordava de tê-lo visto por ali. Foi então, que saindo de outra região atrás de algumas folhagens, um segundo rapaz apareceu às margens do córrego límpido. No topo das árvores ouvia-se o crocitar curioso dos corvos, e no local onde estava, a voz do segundo rapaz chegou com perfeição.
— Isso não parece nada legal — retrucou aproximando-se, e o garoto que descera o declive virou-se para ele, franzindo o cenho — Acho que está infeccionado.
Dan ajeitou-se melhor, o sol cintilava nas águas do córrego, e a face de ambos os rapazes era ofuscada pela claridade.
— E o que isso te importa? — ouviu a resposta rude, e arqueou a sobrancelha — Por que não cuida da sua vida?
— Céus, eu só fiz uma observação — o rapaz que chegara vindo das folhagens sorriu aproximando-se mais, então passou por ele, abaixando-se a introduzir na água um segundo regador — Agora se isto o ofende, perdoe-me. Não foi minha intenção.
Houve uma pausa. Dan sentia a brisa contra o rosto e o calor do sol. Então observou o primeiro garoto virar-se encarando aquele que estava agachado a pegar água.
— Eu... — engoliu em seco, ainda massageando a mão ferida — Me desculpe, eu fui rude sem necessidade.
— Hum, então temos aqui alguém que sabe reconhecer quando age como idiota? — A segunda silhueta se ergueu, e mesmo com dificuldade, Dan pôde visualizar um sorriso em seus lábios. O rapaz continuou: — Mas já que resolveu desarmar a postura defensiva, por que não me deixa ver isso para você? — E antes que o primeiro garoto dissesse algo, ele tomou sua mão com cautela, deixando-o desconsertado — Minha nossa, está muito feio. Acho que teremos que amputar.
— Amputar? — o primeiro garoto protestou puxando a mão, e Dan tentou a todo custo ver seu rosto, porém a claridade que a água refletia ofuscava suas feições. A voz era chorosa, sequer parecia de um cara mais velho, por volta dos dezessete anos. Foi então que ouviu um sorriso.
— Eu estava apenas brincando — a segunda silhueta retrucou, e então um clima de descontração surgiu entre os dois — Mas uma coisa é certa, se você não tratar isso o mais rápido possível, pode ter uma grande dor de cabeça.
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O Exorcismo de Marlon Gayler [Romance Gay]
Romance"Internado contra a vontade em um colégio religioso liderado por freis, Marlon Gayler precisará unir-se a Dan Mason se quiser fugir. Dan é um rapaz igualmente problemático, arrogante e envolto por mistérios. É no curso do plano de fuga que um sentim...