Capítulo I

455 23 5
                                    

 Ela estava correndo desesperadamente em um lugar totalmente ermo e sem uma alma viva. Ao redor, só se via um deserto sem fim, alguma vegetação incrivelmente seca e pedras. Pedras de todos os formatos, tamanhos, paredões de pedras e Claire estava correndo diretamente para um desses paredões. Ela estava encurralada. Assim que chegou ao paredão se virou para encarar a última visão que teria na vida: uma pantera negra pulando em sua direção para devorá-la, a última coisa que ela veria seriam aqueles dentes...

Ela deu um pulo de quase meio metro na cama, sentindo o coração bater descontrolado no peito e a testa molhada de suor. Demorou mais ou menos um minuto para perceber que era aquele mesmo sonho, aquele que tinha desde que era criança.

 - Sonho idiota...- resmungou em voz alta enquanto tentava se livrar dos lençóis que se enrolavam em seu corpo feito cordas.

 Era sempre assim desde que ela se entendia por gente. Aquele sonho maldito. Ela estava correndo desesperada, fugindo de algo ou alguém que a perseguia e quando ela estava encurralada, prestes a ser pega, ela acordava assustada, suada e parecendo que tinha disputado uma corrida de 100 m com Usain Bolt.

Quando Claire Wilson finalmente conseguiu se levantar, foi direto ao banheiro e se olhou no espelho.

 - Minha nossa! Olha esse cabelo!

Era sempre assim. Quando tinha pesadelos acordava com um ninho de passarinho na cabeça. Sua terapeuta tinha razão quando disse que eles iam diminuir com o passar dos anos, mas quando eles vinham, ainda faziam um belo estrago. Claire sabia que teria um dia daqueles.

Claire Wilson era uma mulher de 27 anos, com seus 1,68m cabelos ligeiramente encaracolados, pretos e batendo no meio das costas. Sua pele era morena clara, com olhos castanhos. Gostava do seu corpo, pelo menos agora, já que vinha lutando há algum tempo contra a baixa autoestima na terapia. Ela não era magra demais, nem gorda demais, seios e quadril no tamanho certo para ela. A morena voltou ao quarto e olhou o relógio do seu celular e levou um susto. Estava atrasada para o trabalho.

 - Droga, não vai dar pra lavar essa cabeleira... o que vai ser então? Coque ou trança? - falou enquanto abria a cortina e olhava a incrível manhã de um mês de junho em Londres - Trança! - Finalmente decidiu.

- Claire!!! Falando sozinha de novo? - Ela escutou uma batida na porta e o grito de sua amiga Chloe, enquanto ela provavelmente ia para a cozinha preparar o café - Anda logo amiga, vamos nos atrasar.

Claire e Chloe Smith moravam juntas há três anos. Se conheceram no seu primeiro ano de faculdade, há cinco anos atrás. Elas estudaram Artes na Universidades das Artes de Londres e foi amizade à primeira vista. Quando elas se conheceram, Claire ainda era extremamente insegura, com uma grande baixa autoestima e muito reservada, bom, reservada ela ainda era e as vezes insegura também, mas isso já havia melhorado muito desde então. Logo que começaram a conversar, perceberam como era fácil conversar uma com a outra, como o assunto simplesmente fluía e nunca acabava. Pouco tempo depois de se conhecerem resolveram dividir as despesas do aluguel e hoje em dia trabalhavam juntas na filial de Londres da empresa do pai de Claire. Chloe era da mesma altura que a amiga, loira e com olhos claros, cabelos lisos que iam até sua cintura e era magra. Ela sempre falava que queria ter as curvas de Claire, enquanto essa queria ter a delicadeza e a magreza da amiga. No final das contas as duas se completavam.

O pai de Claire, Martin Wilson, fundara uma empresa de games e animações em Nova York há muitos anos atrás, e há dois anos abrira uma filial em Londres, na qual ela trabalhava com a amiga há apenas um ano e meio. Ambas eram formadas em Artes, mas após a faculdade, fizeram diversos cursos de design gráfico e animação. Atualmente, trabalhavam com a parte de criação da empresa Wilson Games, faziam parte da equipe de criação e desenho dos personagens e ambiente dos games. Chloe se sentia completamente realizada fazendo o trabalho que fazia na empresa, mas Claire gostava mesmo de desenhar com papel, lápis, giz e tintas, por isso sempre que podia trabalhava com seus desenhos e pinturas ou simplesmente o fazia por diversão nas horas vagas. Ainda assim era muito feliz com o que fazia. Não era segredo para ninguém que Chloe seria sucessora do seu pai na empresa, ela iria dar seguimento ao trabalho da vida do seu pai.

Claire saiu do seu quarto já arrumada. Vestia um vestido preto e branco na altura do joelho com um sapato preto combinando, nada muito sofisticado, mas nada muito casual. Afinal, era filha do presidente. No cabelo, decidira por uma trança a fim de controlar seu incontrolável cabelo. Sentiu o cheiro de café e ovos mexidos assim que entrou na cozinha conjugada com sala de estar do apartamento que dividia com a amiga.

 - Que cara é essa amiga? - Chloe estava com uma calça preta e justa com cintura alta e uma camisa de botões abertos sensualmente realçando a curva dos seus seios. Ela sempre dizia que não era porque era um bambu de seios que teria que se vestir como um.

 - Pesadelo - respondeu Claire.

- Já fazia um tempo que você não tinha um pesadelo desses.

- Pois é, mas minha terapeuta disse que eu poderia tê-los eventualmente. Fazer o que - ela bufou - Agora quero tomar café porque esse cheiro está maravilhoso.

Era sexta feira, e a única coisa que queriam era terminar aquele dia e quem sabe ir a um pub a noite, beber e relaxar um pouco. As duas foram ao trabalho no carro de Chloe, e como o trânsito ainda estava tranquilo, não demoraram muito a chegar à empresa.

 A filial da Wilson Games funcionava em um prédio simples de três andares mas que era o suficiente para o que ela significava no momento. Martin Wilson tinha intenção de fazer crescer sua empresa, e como a filha já vivia e estudava em Londres, resolveu arriscar e abrir uma filial. Claire sabia que seu pai a estava preparando para ser sua sucessora algum dia, e ela gostava, afinal era seu sonho. Ela perdeu as contas de quantos cursos fez e congressos participou desde que terminou sua faculdade e depois quando começou a trabalhar na filial. Desde cursos de desenhos, design, até cursos de administração e gestão de pessoal. Hoje, era uma pessoa com uma grande bagagem e capaz de um dia ser a sucessora de seu pai. O que a bela mulher não imaginava, era que esse dia estava muito perto de chegar e seria de um jeito que ela jamais imaginara.

Assim que chegou na sua sala, o seu celular tocou. Ela olhou no visor e viu que era seu pai.

- Pai! Que saudade do senhor! Porque está me ligando a essa hora? Deve ser muito cedo em Nova York.

- Oi filha, também estou com saudades. A verdade é que não estou em Nova York, cheguei em Londres essa madrugada.

- Como assim o senhor veio para Londres e não me avisou? Eu poderia ido te buscar no aeroporto, poderia estar lá em casa comigo e com a Chloe.

- Eu sei filha, mas foi uma viagem repentina, não deu para avisar e eu não ia tirar você da cama de madrugada para me buscar no aeroporto. Euestou em um hotel.

 - Hummmm tudo bem, dessa vez eu perdoo. Mas me fala, aconteceu alguma coisa? O senhor 

disse que veio de forma repentina, está tudo bem?

 - Sim, está tudo bem filha. A verdade é que vim a Londres porque preciso tratar de um assunto com você.

- Comigo? Aconteceu alguma coisa? A mamãe está bem? A Mia está bem?

- Calma filha, estão todos bem. Eu vim para ser mais exato, para levá-la comigo para Nova York.

- O QUÊ? - Claire falou assustada.

 - Sim, e provavelmente Chloe deva ir também.

- Como assim pai, estou ficando preocupada. Explica direito.

- Filha, vou conversar com você pessoalmente, já estou indo aí para a empresa. Mas vou te adiantar que preciso de você em Nova York para tratar de um assunto importantíssimo para a nossa empresa e portanto, importante para você também.

- Ok! Até aí está fazendo sentido, só não vejo motivos para a Chloe ir a Nova York também, ela não é nem acionista.

- Olha, eu vou chegar aí logo e te explico melhor. Vou desligar, nos vemos daqui a alguns minutos. Um beijo filha, te amo.

Claire escutou o pai desligar o telefone mas ficou com o celular no ouvido por mais alguns segundos. Aquela história estava muito estranha.


Um acordo entre velhos amigosOnde histórias criam vida. Descubra agora