Alberto continuava como técnico em administração e realmente reclamava de seu trabalho. Ele era outra pessoa naquele ambiente. Apesar de ter um bom relacionamento com seus amigos de mesmo nível profissional, vira e mexe reclamava de seu serviço e de seus chefes.
"Floresça onde for plantado" — ele lembrava que eu dizia a ele, mas não adiantava. Era cultural reclamar em serviços administrativos, com exceções. Pessoas que odiavam a segunda-feira e amavam a sexta estava na mesma seção dele. Ele trabalhava numa seção que arquivava documentos jurídicos da empresa. O trabalho era monótono, repetitivo e burocrático, pois também faziam a montagem de processos, criação de ofícios e outros tipos de documentos. Com ele trabalhava uma menina, que Luciana tinha sérios ciúmes, chamada Cláudia. Também um senhor de 55 anos que se chamava Humberto e um rapaz mais novo que ele, o estagiário, que era o Luís. Seu chefe era um cara turrão, tinha seus 44 anos, era mais chefe que líder e não podia vê-los parados, mesmo quando o serviço estava já zerado. Alberto, por muitas vezes, fazia corpo mole e não dava seu melhor. Ele não entendia, nem seus amigos, a importância de seu trabalho. Ele via muito mais lá fora, mas não valorizava o que fazia ali dentro.
Era uma terça-feira e eles conversavam sobre um esporro que Cláudia tinha levado por ter arquivado um documento errado:
— Não aguento mais isso — dizia ela sobre seu chefe — ele não faz nada, só empurra serviço para a gente e se a gente erra uma vez ele nos crucifica.
— É fogo — falou Alberto — , não vejo a hora de poder sair daqui.
— Voltou a fazer faculdade, né? — perguntou Humberto.
— Sim, voltei. Quero terminar logo.
Eles não entendiam como Humberto conseguia ser tão resignado com o serviço e poucas vezes apenas reclamar, sendo que já trabalha nesse tipo de função há 28 anos, em empresas diferentes.
— Não sei como aguenta, Humberto. Sinto—me preso aqui. Não é para mim. — Repetia Alberto.
— É o que sempre me bancou, como reclamar? Melhor estar aqui que não estar.
Alberto sabia ser verdade e lampejos de consciência o faziam arrepender-se de reclamar tanto. Por vezes Luciana ouvia ele reclamando de atitudes arrogantes de seu chefe que trata a todos da seção com muito desdém.
— Acalme-se, meu bem. Você vai sair de lá um dia. Fique firme.
Alberto sonhava em largar tudo e viver uma vida diferente, viajando e fazendo serviços como os que estava fazendo nas horas vagas, agora, com a faculdade, cada vez mais escassas.
Seu último projeto era de levar cultura para as praças. Colocou estantes com livros usados que conseguiu arrecadar. Seguiu o projeto de cultura que comecei no RJ, desta vez nas praças de Brasília, com o apoio de um açougue cultural que lá organizava eventos como saraus e outros.
Luciana começou a reclamar da falta de tempo de Alberto. Faculdade, emprego e projetos desses levavam quase todo seu tempo e ele começava a sentir-se cheio novamente. Foi ficando aos poucos cansado e estressado, principalmente com a pressão de Luciana. Eles mal saíam e a diferença de relacionamento dele para o meu com Luiza era que Luciana não acompanhava tanto Alberto em suas ações.
Por conta dos estudos Alberto deu uma leve parada nos projetos. Ia menos, mas o grupo já estava maior, contando com mais ou menos doze pessoas diretas e muitas outras indiretas que cuidavam das praças.
Apesar da falta de tempo ele começou a escrever seu livro. Foi relacionando as ideias, principalmente contando tudo o que aprendeu comigo e as histórias que viveu no Rio. Os acampamentos que fizemos, a tranquilidade em que ele via que eu vivia a vida sem reclamar. Escrevia uma ficção passando essas histórias e viu que o que queria ensinar ele não vivia muitas vezes. Era meio estressado, reclamava das coisas em seu serviço e por mais que queria fazer muitas coisas para ajudar as outras, mudar o mundo, por muitas vezes travava e não conseguia mudar suas próprias atitudes básicas. Percebeu, escrevendo o livro, que precisava mudar essas coisas básicas.
Luciana ajudava-o a escrever. Ela, que já estava com uns 15 contos já escritos e 8 publicados, começava a ser mais profissional e se dedicar quase que exclusivamente a isso. Já havia escrito dois livros de poesia e doou bastante para o projeto de seu namorado. A falta que ele fazia a ela, ela compensava escrevendo e se dedicando à sua arte.
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A HISTÓRIA DE UM OUTRO ALGUÉM
SpiritualQuantos de nós não chegamos ao ponto de sentirmo-nos cheios? Isso mesmo, cheios, saturados, cansados, sem tempo, dinheiro ou ideias? Existe um momento em nossas vidas que estamos buscando nossa base, nossa estrutura e é exatamente neste momento que...