Capítulo 23

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Alberto não frequentava centros espíritas nem igrejas. Acreditava na igreja em casa e falava isso à Luciana, que gostava de frequentar a igreja evangélica agora.

— Eu me sinto bem lendo meus livros, refletindo e meditando em casa e debatendo tais assuntos com meus amigos. Para mim a igreja é acessível a nós em qualquer lugar. Mas não me incomoda e às vezes eu preciso mesmo ir à igreja. Eu gosto de às vezes ouvir a palavra em algo mais ritualístico.

— Mas você não acha que as igrejas sejam necessárias e importantes?

— Necessário eu não diria, mas importante é sem dúvida. O trabalho social das igrejas e a divulgação da palavra de Deus, do amor, são coisas maravilhosas.

— Mas para salvação você não acha necessário ir à igreja, por exemplo?

— Você acha?

Ela ficou pensativa.

— Talvez. Acho que sim.

— Por que você acha isso?

— Porque é por Jesus que seremos salvos.

— Jesus está em nossas atitudes, pensamentos, amor, generosidade... Seguir Jesus é seguir seu mandamento. Acho que assim seremos salvos.

— Eu não sei — disse ela — ,mas faz sentido.

Alberto não corria muito atrás dos projetos por estar sem tempo, mas participava dando ideias generosas que lhe surgiam à mente. Uma delas era entrar em contato com o ministério de transportes e fazer um facilitador nas principais paradas de ônibus, colocando todos os ônibus que passam ali e seus destinos. Foi feito uma pequena cartilha resumida e colada nos pontos mais cheios de Brasília. Um trabalho que seria grande para uma pessoa, mas fácil para as empresas que disponibilizaram todo o mapa do trajeto. O grupo "Somando Alegrias" conseguiu, depois de muita insistência, com o apoio de muitos usuários que por vezes não sabiam onde pegar tal ou tal ônibus.

Nesse meio tempo também foram organizados dois mutirões de limpeza, sendo um no centro de Taguatinga e outro na Asa Norte depois de uma festa de rua não planejada em uma quadra comercial. A tal festa foi na verdade uns arruaceiros que se juntaram e começaram a beber e ouvir música num campão em uma quadra pouco movimentada. A sujeira que deixaram foi tanta que um dos colaboradores do grupo chamou-nos para ajudar numa limpeza rápida quando os jovens acabaram sua festa em público depois da polícia chegar lá ao serem chamados por causa de desordem.

Ao todo dez pessoas do grupo foram com a camisa que agora tinham e limparam. O caso gerou repercussão na mídia, envergonhando os maus cidadãos que por vezes são flagrados jogando todo tipo de coisa nas ruas.

Era notório que, ao passar do tempo as pessoas do grupo já não estavam mais jogando lixo nas ruas e mudaram mesmo sua postura, se tornando cidadãos melhores no dia a dia, não só nos projetos programados.

Certa vez uma colaboradora, Isabel, uma menina baixinha de olhos marrons, cabelo californiano e um sorriso dos mais positivos, contou à Maria que enquanto esperava seu ônibus para ir para casa, viu um rapaz jogar um papel de bala na rua. Na mesma hora ela foi até ele, pegou o papel de bala do chão e jogou na lixeira que estava bem próximo do ponto de ônibus. O rapaz ficou muito sem graça, todos do ponto viram a nobre atitude da moça.

Isabel era uma ativista ambiental com vários projetos voltados a esse tema. Fazia parte de ONGs relacionadas em Brasília e por vezes somava forças e alegrias ao grupo de Alberto.

Luiza estava voltando a dar aula de filosofia. Sentia-se muito inquieta em casa e não queria mexer com as lojas, apenas recebia o que era dela por direito.

Certo dia de manhã descobriu que Renato fora novamente levado ao hospital. Ele vomitava e estava realmente debilitado. Desta vez parecia ter outras complicações. Uma grande infecção intestinal o atacava, além de certa confusão mental. No dia que foi levado ao hospital ele teve uma forte convulsão fazendo-o desmaiar.

Renato era divorciado e tinha um filho. No momento de sua convulsão ele estava apenas com a empregada que tinha desde que terminou, há um ano. Ela chamou a ambulância que imediatamente o levou para o hospital.

Luiza ficou arrasada. Renato há tempos apresentava esse estado debilitado e os médicos não identificaram o que era ao certo. Luiza pensou ser realmente muito trabalho, desgaste físico e mental, mas achou já ser exagero agora. Foi visita-lo e descobriu que seu estado era grave.

Raphael também estava com Luiza no hospital e após verificar o estado de Renato, amparou Luiza em um momento tão difícil.

— Ele ficará bem. — falou segurando a mão de Luiza.

— Quero acreditar que sim. É um homem muito forte.

Mas seria difícil. Renato não reagia bem aos remédios e sua situação só piorava.

Alberto soube isso da pior maneira possível:

"— Olá, jovem Alberto. Quanto tempo.

Alberto paralisou quando ouviu a voz debochada de Rômulo. Estava no intervalo da faculdade e não acreditou ser ele até virar e ver seu sorriso estranho e os olhos diretamente nos seus.

— O que faz aqui?

— Não posso visitar um velho amigo? Bons tempos aqueles né? Não sente falta de todo o luxo de nossas festas, Alberto? Você ainda pode ter isso.

— Não sinto falta de nada de vocês. O que quer aqui? Estéphane está com você?

— Saudades dela? Ela quis vir, mas dessa vez eu deixei ela cuidando de Renato. Seu amiguinho eu acho que não passa deste final de semana.

Alberto que até então mantinha-se firme, estremeceu.

— O que aconteceu com ele agora!?

— Seu amigo está muito mal. Parece que andou comendo coisa estragada. Sinto falta de você, Alberto. Podemos fazer um bom time. — Rômulo falava sério agora — Pense bem, Alberto, eu tenho dinheiro e você o talento. Podemos ter tudo o que quisermos.

— O que você está falando? Que talento? O que houve com Renato?

— Renato já era. Esqueça-o. Seu talento de convencimento. Veja o grupo que criou, como acha que consegue convencer tão rápido as pessoas a realizarem as melhorias que você correu atrás? Você é um líder. — Rômulo pegou no braço dele e, segurando firme, falou — Deixe de ser pequeno. Sei que quer fazer algo grande e comigo você poderá. O que quero fazer nesse mundo é uma grande reforma de pensamento. Somos livres, não somos? Por que sermos então tão travados por religiões que só nos fazem mal? Eu não sou ruim, Alberto. Pense bem no que seríamos juntos. — Rômulo apertou o braço onde tinha a marca que Estéphane pusera nele e falou — essa marca é passado. Você é um de nós, sabe disso. Sabemos o quão liberal você é.

Alberto puxou o braço rispidamente e, disse:

— Ser liberal não é fazer tudo o que quer. É ter a liberdade de raciocinar no que é o certo a se fazer. Hugo me ensinou isso e é o que sigo. Toda atitude tem uma consequência, Rômulo. Agora deixe—me ir para a sala de aula.

— Vá, mas considere meu pedido. Eu e Estéphane precisamos de você e você de nós.

Enquanto Alberto saía de perto dele, ligou para Luiza que atendeu de pronto. Descobriu então ser verdade o estado de Renato e, com as mãos em oração, orou por ele.

Sua oração apenas facilitou ainda mais a passagem de Renato para o plano de cá. Renato falecera na mesma tarde que Rômulo falara com Alberto. A causa? Envenenamento. 

A HISTÓRIA DE UM OUTRO ALGUÉMOnde histórias criam vida. Descubra agora