Capítulo 29

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— Menino fraco, sem ideal. Olhe para sua vida, olhe quanto deixou de fazer.

— Mas ele não teve culpa. Não foi ele quem fez isso .

— Egoísta! Buenos Aires, festinhas, Rio de Janeiro, tudo em vão. Hipócrita, é o que ele é — um tapa, uma chicotada.

Gritos de dor.

— Por que faz isso? Não devia me ajudar? O autoperdão não existe.

— Você é um perdedor. Sempre foi — risadas maléficas — olhe para você, seu escória "Mate esta bruxa, queime-a", agora deixou queimarem novamente. Seu criminoso.

— Basta! Ele não fez isso. Por isso ele já sofreu.

— Sofreu pouco. A bruxa vai te pegar. Ela está vindo concluir sua vingança. Você vai pagar, seu miserável. — e num gesto de fúria, com suas unhas longas, rasgou-lhe a pele do braço que tinha a figura estampada. O sangue escorria até a mão.

— Eu mereço. Sou um eterno pecador.

— Não diga isso. Lute.

— Reconhecer agora não te adiantará nada. Aqui se paga o mal com mal.

E puxando uma faca brilhosa, cortou-lhe a garganta.

Aaaah! — berrou Alberto enquanto acordava de mais um sonho bem real.

Fora um sonho, um jogo de dualidade de sua consciência com seu espírito fraco. Teve ainda a participação da bruxa que era a acusadora, afundando—o ainda mais em sua culpa que fora agravada.

No fundo ele sabia que nesta vida não havia matado ninguém. Podia até ter evitado a morte do senhor Jeziel, mas não foi ele quem matou. Sua consciência sabia disso, seu íntimo queria o autoperdão, mas seu espírito ainda estava perturbado e não conseguia se libertar.

Por vezes andava viajando, às vezes acordado, às vezes realmente dormindo, sobre este assunto e a bruxa, ou Estéphane, participava muitas vezes desta confusão espiritual.

Ela tendo sabido do ocorrido, já que Alberto contou para Luiza que contou para Raphael que contou para ela, usou isso para perturbá—lo espiritualmente. Eu interferia dando forças à sua consciência que o cobrava, mas era sensata e buscava seu perdão. Não adiantou muito e mais uma vez ele teve esse transtorno.

"— Melhorar praças? Isso não impede um mendigo ser morto. Que projetos vazios, você é uma piada — dizia ele, a parte sofrida dele para ele mesmo.

— Agora sim. Achei que iria ficar se enganando. Você sabe que não tem forças para um projeto tão grande. Sempre foi um fraco, um esquisito. O luxo, o reconhecimento é o que sempre busca. Você não é diferente de mim. — Falava a bruxa.

A parte sofredora se encolhia, sentia pena de si mesmo.

— Levanta. Não adianta ficar assim. A inércia não o ajudará — dizia a parte que lutava, apoiada por mim.

— A quem quer enganar? Ele não consegue. É um fogo de palha, um mentiroso. Luciana caiu fora na hora certa, senão ele estaria iludindo mais uma.

— Ela nunca me amou — dizia a parte encolhida — eu sempre soube. Só me resta dar adeus a tudo. Sou um inútil.

— Concordo.

— Não desista. Não provoque—o.

— Tome, faça o que tem que ser feito — disse a bruxa entregando—lhe um pote com veneno, o mesmo que matou Renato — tenha uma morte bem lenta para que possa purificar um pouco seu corpo.

A parte sofredora pegou e tomou."

Era tudo fruto de sua imaginação que latejava e doía, martirizando seu corpo, deixando—o em frangalhos. Alberto sonhava com as piores coisas, se entregava à Estéphane e a pensamentos ruins gerados por seu próprio inconsciente.

Perdeu 8 quilos em um mês. Sua família não sabia o que fazer já que o menino não se abria. Chamaram um psicólogo que não ouviu nada do rapaz que perdera o emprego e de novo trancara a faculdade.

Resolveram interna-lo, mas quando ficou sabendo disso ele fez-se de melhor por uma semana até que disse que iria viajar. Com o dinheiro apenas para o básico, foi para o norte, interior do Rio Grande do Norte.

Com o dinheiro da passagem gasto, ele tinha dinheiro para no máximo três dias, comendo o básico. Ele então se isolou. Dormiu na rua e passava o dia inteiro apenas pensando e rezando. Comia o mínimo para se manter consciente e, largado nas ruas, às vezes recebia dinheiro de quem passava e via-o caído.

Cinco dias depois, passa um senhor de 60 anos e, por intermédio de nós, espíritos desencarnados, entrega-lhe um folheto. Era de uma casa espírita que situava-se num vilarejo isolado.

Alberto, já fraco e debilitado, pensou que por lá poderia dormir uma noite. Foi andando por mais de 10 quilômetros e, no caminho desistiu de chegar.

Transtornado com a lonjura e com tantos percalços, deitou ali mesmo e dormiu.

Com dores de fome, acordou já de noite com um rapaz que fora enviado por um médium da casa espírita para ajudar as pessoas da região. O rapaz acordou-o e, com a seguinte mensagem fez Alberto chorar e o acompanhar: " Não fique triste, jovem. Não duvide de que seu rosto de verdade seja bom. Nunca foi uma máscara."

Alberto comeu e dormiu na casa. A casa, ou a cabana, era tão humilde que mal tinha móveis.

— Daqui a pouco seu Francisco virá falar com você.

— Seu Francisco?

— Sim. O dono desta casa espírita.

Alberto olhou o símbolo da casa, era o mesmo que havia visto no panfleto da casa espírita. O símbolo era as folhas da videira com seus galhos fazendo o símbolo do infinito e terminando no lado esquerdo com uma pena. No meio do símbolo do infinito tinha uma cruz e embaixo da cruz o símbolo da água, três ondinhas. Alberto se perdeu uns três minutos vendo toda a simbologia daquele desenho e admirando a simplicidade do lugar.

Depois de uma hora, seu Francisco chegou e, vendo Alberto, mudou sua expressão por uma mais serena e espiritual e, depois de uns segundos analisando-o, disse:

— Alberto!? Tenho uma mensagem para você.

Alberto não tinha falado seu nome até então e num lugar tão remoto alguém o conhecer seria impossível, ainda mais do jeito que estava, magro, barbudo e abatido.

— Sim — disse confuso — como sabe meu nome?

— Tenho uma mensagem para você.

— Mensagem? Mas... mas como...?

— Tenha fé — cortou—o Francisco — tenha fé, jovem.

Seu Francisco foi dentro de um pequeno cômodo e, depois de revirar uma modesta prateleira de uma cômoda, pegou um simples papel. Era uma folha escrita à mão com letras garranchosas.

— Acho que você conseguirá ler.

O jovem olhou meio sem entender. Pensou um monte de coisa, nada, melhor era logo ver o que era aquele papel.

Pegando a folha, ele teve dificuldade de ler no início, mas depois de um pequeno esforço ele entendeu. Leu a mensagem até o fim de boca aberta e olhos chorosos.

Ao ler a última frase, já com a mão trêmula, balbuciou algumas palavras.

— Não... não acredito! Que maravilha é a lei da vida.

A HISTÓRIA DE UM OUTRO ALGUÉMOnde histórias criam vida. Descubra agora