Capítulo 2

705 99 461
                                    

"Se a registrei por escrito foi porque o que é claramente conhecido aterroriza menos que o apenas insinuado e imaginado." (O Cão dos Baskerville - Sherlock Holmes)

A estrada para Porto Izmael era magnífica, tanto por sua vista agradável — com árvores, pastos e toda aquela natureza, saída de um cartão postal —, quanto por sua recente pavimentação, dirigir por aquele asfalto era como deslizar rumo ao infinito.

Gostaria que o motivo dessa viagem fosse tão agradável quanto nosso caminho, afinal, por mais que não tivéssemos contato, há mais de uma década, ninguém gosta de ir ao velório do irmão caçula. Contudo, devo confessar que a morte de Alexandre não me surpreendeu em nada, ele sempre viveu no limite entre a vida e a morte.

Lembro que estava exausto naquela madrugada, quando meu celular vibrou, era uma mensagem de um número desconhecido, apenas quando li aquele primeiro parágrafo é que fui perceber que se tratava do meu irmão. Era uma estranha mensagem de despedida, tentei retornar, mas o número não atendia, após algumas tentativas cheguei a conclusão de que aquilo era alguma brincadeira dele, logo, não resisti ao cansaço e apaguei.

Na manhã seguinte meu outro irmão, Átila, me ligou com a notícia: Alexandre foi encontrado enforcado, em seu quarto, suicídio. Também acharam uma mala com muito dinheiro e um bizarro e paradoxal pentagrama vermelho pintado em sua parede.

Minha esposa, Eleonor, queria transformar a situação em um caso a ser resolvido, uma investigação. Os instintos de ex-policial dela e sua ânsia por solucionar todo e qualquer mistério estavam engatilhados, por sorte consegui convencê-la a não se envolver, naquele final de semana seriamos apenas o senhor e senhora Garcia em um velório da família.

Conseguir conter os instintos investigativos dela era uma tarefa hercúlea, a mente curiosa de minha esposa funcionava à mil. Antes de ser afastada da policia, resultado de sua capacidade de resolver todo e qualquer crime antes dos tramites legais, Eleonor já se interessava por crimes violentos e o estudo da mente de assassinos. Quando ouviu as circunstâncias da morte de Alexandre seus sentidos se aguçaram.

Impedir de investigar não significava diminuir a curiosidade: ela olhava o celular, a janela, o vidro, colocava os pés no painel. Estava inquieta, até que resolveu tocar no assunto:

— Então, estava aqui olhando a mensagem que o Alexandre te mandou antes de morrer e algo me deixou curiosa.

Levantei a sobrancelha, dando o sinal para que ela prosseguisse:

— Se foi suicídio, por que ele mandaria uma mensagem dizendo que estava sendo ameaçado?

Cocei a cabeça com a mão direita, suspirei fundo e respondi:

— Não, sei o que você está fazendo. Isso não é nossa responsabilidade...

— Como assim? Ele é seu irmão, Heitor. Você não quer saber o que aconteceu? — Ela questionou.

— Nem um pouco, amor. Sim, ele é meu irmão. Sim, fico triste pela filha dele. Mas não, eu não quero me envolver. Fiquei anos sem falar com ele pessoalmente, ele não era uma boa pessoa.

Ela balançou a cabeça positivamente e ficou em silêncio, por alguns segundos:

— Ele era tão mau assim? Na mensagem parecia que ele gostava muito de você e...

— Não mesmo, ele não gostava. Ele só pensava nele, você não se pergunta porque entre todos da minha família só eu vou ao velório? — Resolvi interrompê-la.

— Tudo bem, sei que seu pai e seus irmãos odeiam ele. Mas e você? Você é tão correto e bondoso. Se fosse investigar diria que vocês dois tiveram um desentendimento na juventude, uma década de distância indica um acontecimento específico, talvez uma traição, algo imoral, algo como...

— Não faça isso. Eu te falo tudo, só não me analise, por favor.

Minha esposa sorriu, conhecendo Eleonor, posso dizer que ela acertaria se tentasse.

— Acho que ele sempre me odiou. Quando era uma criança vivia colado em mim, me achava interessante, contudo não da maneira que eu imaginava. Certa vez, ele me encarou e disse que eu era muito calmo, depois deu um sorriso macabro e afirmou que um dia conseguiria me deixar furioso.

— Como uma criança pode dizer isso? — Questionou, Eleonor.

— Na época achei que era só uma piada, optei por ignorar. O tempo passou e ele se tornava cada vez mais inconsequente, e eu sempre o protegia, ele era meu favorito. Meu irmãozinho esperto, Deus, como ele era inteligente! Quando estava na faculdade de engenharia, ele pareceu preocupado com minha solidão, só estudava e trabalhava, ele dizia. Então, Alexandre resolveu me apresentar uma garota que estudou com ele, em um curso ou algo assim, não tive interesse em conhecer ninguém, mas ele era o mestre do convencimento. Acabei saindo com a garota.

— Olha só — Eleonor torceu os lábios. — Já imagino como isso vai acabar.

— Tenho certeza que sim — fiz uma expressão de decepção. — Namorei Helena por oito meses, acabei gostando dela como nunca tinha feito até aquela idade. Ela era divertida, sempre me fazia rir com alguma brincadeira e quando me sentia triste ela estava lá para me escutar e apoiar, mas obviamente algo estava sempre fora do lugar em nossa relação. Certo dia, viajei por uma semana, meu pai queria mostrar as possibilidades de trabalho e apresentar alguns contatos profissionais, então quando cheguei em casa tive a visão mais pavorosa possível: ele estava no meu quarto com Helena.

— Eca, não! Isso é doentio — disse, enquanto, balançava a cabeça em sinal de revolta.

— Sim e piorou. A garota em pânico começou a chorar e se vestir, enquanto ele permanecia deitado me encarando com aquele mesmo sorriso tenebroso da infância. Fui pra cima dele com tudo. Nunca agredi alguém com tanta violência, nem mesmo no exército.

— Eu acredito, você é uma pessoa calma.

— Não naquele dia. Meus outros dois irmãos, meu pai e minha mãe, todos eles subiram correndo para o quarto e me seguraram antes que o matasse. Quando conseguiram nos separar, ele com o rosto desfigurado e coberto de sangue me disse algo terrível.

Eleonor, interessada em cada palavra daquela história, disse:

— Não me diga que foi algo relacionado a infância.

— Sim. As palavras dele foram: Eu disse que tiraria você do sério um dia.— Enquanto me recordava daquilo, podia sentir novamente o ódio daqueles tempos me consumindo.— Tudo que ele fez foi previamente arquitetado. A garota era obcecada por meu irmão, e claro, ele usou isso contra ela, fingiu que não tinha interesse e nos aproximou, aos poucos foi conquistando a confiança dela. Ele sabia exatamente o dia e a hora em que estaria em casa, ou melhor, que todos estariam em casa.

— Tudo isso com o intuito de provocar. Absurdamente inusitado eu diria.

Passei a marcha do carro e acelerei. Ficamos novamente, por alguns instantes, calados, antes que eu pudesse concluir:

— Não me interessa o que aconteceu com ele. Foi melhor assim. Aos poucos Alexandre destruiu a vida de todos com quem teve contato.

Eleonor me olhou com carinho, me deu aquele sorriso complacente. De certa forma achei que ela estava satisfeita sobre o assunto Alexandre.

— Tudo bem, não vou investigar. Me desculpe, Heitor.

— Sem problema, amor.

Porém, como era de se esperar daquela mente aguçada, a última observação foi dela:

— Mas você sabe que ele foi assassinado, certo?

Pronto, a morte dele estava a um passo de se tornar um caso.

****

Muito obrigado pela leitura, espero que você goste muito de acompanhar esse mistério com Eleonor e Heitor. Meu objetivo é postar um capítulo todo sábado, espero conseguir. Gostaria de encerrar esse capítulo pedindo seu voto e comentário, eu sei que é chato pedir, mas eu fico muito feliz quando você me diz o que achou! ^^

Aquele abraço!

****PRÓXIMO CAPITULO 22/06****


A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)Onde histórias criam vida. Descubra agora