Capítulo 4

425 80 180
                                    

Após algumas horas nos deparamos com uma via extensa — uma descida com diversas curvas, possivelmente motivo de diversos acidentes automobilísticos — despontamos na entrada da cidade, Bem-vindo à Porto Izmael, dizia a placa erguida na avenida. À direita o mar nos circundava naquela estrada, era quase um abraço de recepção. Como é lindo o Oceano Atlântico.

A primeira coisa que qualquer pessoa poderia observar em Porto Izmael, são os enormes navios que fazem daquela cidade portuária, um agitado ponto de descarregamento, os estivadores trabalhavam incessantemente entre a chegada e a saída daquelas enormes embarcações.

O cheiro forte e característico, da maresia, já podia ser sentido. Aquele cheiro que desperta nostalgia naqueles que conhecem o mar e surpresa para aqueles que não o conhecem. A brisa do mar quase me fazia esquecer o motivo daquela viagem, nada naquela visão sublime me lembrava morte.

— E onde a ex-mulher do Alexandre mora? — Perguntou Eleonor, em seu funcionamento multitarefa: conversava comigo, olhava o celular, usava o fone de ouvido e admirava o porto.

— Parece que não é muito longe do porto, o GPS está marcando 3 quilômetros de distância. Chegaremos em alguns minutos.

Ela balançou a cabeça positivamente, estava vidrada no celular novamente. Minha esposa tinha prometido que não investigaria nada, mas seu modus operandi de investigadora envolvia pesquisas sobre cidades e pessoas, e ela poderia estar fazendo isso naquele momento.

— Você me prometeu que não seria um caso. Penso que foi mais de uma vez que você disse isso. Então, me diz que você não está investigando no celular.

— Relaxa, tô assistindo série— ela respondeu.

— Sério? Isso não é meio fora do clima dessa situação? — A questionei.

— Preciso focar em algo que não seja trabalho e adoro esse desenho.

Nessa hora, acabei lançando uma leve risada.

— Desenho? Você não tá meio velha pra isso, amor?

— Esse desenho é para adultos, engraçadinho. Ricky and Morty, eu amo! — Ela virou o celular na minha direção.— Nesse capítulo o Ricky descobre que sua neta está trabalhando em uma loja de antiguidades, mas o dono da loja é o diabo disfarçado para entregar objetos que realizam seus maiores desejos, contudo, são itens amaldiçoados. Então, o Ricky cria uma loja só para retirar as maldições dos objetos e o diabo vai à falência. É hilário.

Balancei a cabeça em resposta, estava claro que ela queria me passar um recado velado no meio dessa conversa, mas antes que voltássemos a discussão do restaurante, o GPS nos alertava que estávamos chegando em nosso destino.

A casa de Helena ficava em uma rua arborizada e muito bem cuidada, uma habitação de dois andares e uma bela fachada de pedras cuidadosamente sobrepostas. Estacionamos o carro bem em frente a sua residência, por ser uma rua próxima da praia diversos carros estavam estacionados na região.

Era uma bela moradia: na entrada um pequeno jardim com algumas flores davam destaque àquela casa de dois andares, simples mas muito bem conservada. A pintura branca, semelhante as outras da rua, demonstrava uma falta de reparos que são comuns em casas próximas ao mar, mas que em nada tirava o charme da rústica edificação.

Subimos os dois degraus da entrada, desviamos de uma bola e uma boneca que estavam na frente da porta de madeira, Eleonor tocou a campainha e para minha surpresa uma garotinha linda, uma criança com cerca de seis anos, nos recebeu. Era minha sobrinha que nunca tive a oportunidade de conhecer: Vitória.

— Oi, garota linda. A Helena mora aqui? — Eleonor disse com um sorriso simpático.

A garota tímida olhou para o chão e consentiu com a cabeça. Helena apareceu atrás dela enxugando as mãos. A moça alta de cabelos cacheados e olhar cansado de quem precisa cuidar sozinha de uma filha e sustentar a própria casa, em pouco mudara desde de nosso último encontro.

— Heitor! E você deve ser a Eleonor, você é tão linda! Nossa, como é bom ver vocês. Olha, Vitória! É o tio Heitor e a tia Eleonor!

A garota escondeu atrás da mãe. E olhou fixamente para Eleonor com um sorriso tímido, minha esposa estava com um chapéu azul, a coisa mais chamativa e menos indicada para uma investigadora, a criança de alguma forma gostou muito disso.

— Vitória, que nome lindo! Gostou do meu chapéu? Pode olhar! — Ela esticou o chapéu para a garota.

A menina olhou para a mãe que consentiu, pegou o chapéu com uma gargalhada maravilhosa, que só uma criança consegue proporcionar. Minha esposa e Vitória se deram bem de imediato.

— Por favor, entrem! Vou servir um café, temos tanto pra conversar — Helena parecia feliz, acredito que não nos associou com a imagem de meu irmão.

Entramos na casa, e nos sentamos em uma mesa retangular de madeira, a sala era cuidadosamente limpa e organizada, móveis simples davam um tom de aconchego de um lar. Aos poucos Helena arrumava xícaras e pratos e nos trazia um lanche, nem pensamos em recusar a generosidade. Enquanto nos servíamos Vitoria brincava com o chapéu ao lado de sua mais nova amiga.

— Helena, como você tem passado? Faz tanto tempo — tentei ser cordial.

— Sim, nossa! Me perdoe por não ir ao casamento de vocês. Na época achei que não seria uma boa ideia, por causa da sua relação com o...

Helena olhou para a filha e fez uma pausa, ficou claro que ela não queria falar sobre Alexandre na frente da filha.

— Nossa, sem problema. É passado! Mas vocês estão bem? Tem sido difícil a vida por aqui? Essa cidade é maravilhosa.

— Claro. Estamos muito bem, é claro que ficamos assustadas com o que aconteceu, quero dizer, apesar de tudo ele era pai da Vitória — calou-se novamente quando a filha a fitou curiosa.

Um silêncio constrangedor tomou a sala por um momento, estava mais que evidente que Alexandre era nosso único assunto em comum naquele momento e o fato de seu nome ser evitado tornava qualquer diálogo impossível.

— Pelo amor de Deus, vocês dois! — Eleonor levantou-se da cadeira e pegou a mão de Vitória. — Vitória, por que você não me mostra seus brinquedos?

A menina ficou muito feliz e começou a puxar minha esposa para o quarto, onde ela ansiosamente mostraria sua coleção de bonecas, desenhos e bichinhos.

— Pronto, agora vocês podem conversar! — Minha esposa sorriu.

Sem a presença da filha, finalmente poderia falar da mensagem que Alexandre me mandou. Poderia encerrar esse assunto de vez, me despedir do meu irmão caçula e seguir com minha vida bem longe de Porto Izmael. Tudo estaria terminado e todos seguiriam normalmente, ou pelo menos, assim me pareceu naquele instante. Na verdade, essa conversa seria apenas o início de acontecimentos sombrios e tristes.

****

Obrigado pela Leitura! Até semana que vem!^^

Aquele abraço!

A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)Onde histórias criam vida. Descubra agora