Capítulo 18

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Lá estava eu, com minha camisa social, minha mala, o cabelo bem penteado e muitos anos a menos. Cheio de sonhos e da confiança quase arrogante de um jovem na casa dos vinte e poucos anos. Abri a porta de casa, a sala de estar, os móveis, tudo estava intacto, perdido no tempo e em minhas recordações.

Sabia o que encontraria ao subir a escada, mas em todo bom sonho ou pesadelo, acabamos na direção que evitamos, dar meia volta e ir para rua me levaria ao quarto da mesma forma, essa é graça dos sonhos: ele nos releva o que temos medo de procurar.

No patamar mais alto da escada tentei perceber algo diferente naquela cena, era tudo semelhante ao passado, fui traído pela qualidade de minha memória. Andei pelo corredor e devagar abri a porta do meu quarto, com a certeza de encontrar Alexandre e Helena. Ele me presentearia com aquele sorriso hipócrita e eu desfiguraria sua cara.

Não aconteceu.

O quarto estava vazio, o vento entrava pela janela e fazia as cortinas dançarem ao redor da luz do sol, em um dia agradável. Entrei no quarto, o lugar era a memória exata de como aquele cômodo era no dia em que tudo aconteceu, mas minha mente parecia me poupar da parte desagradável.

— Por acaso, você está procurando alguma coisa?

A voz conhecida, vinda da entrada do quarto.

Me voltei para a porta e encarei Alexandre, meu irmão caçula, sem envelhecer um único ano em minhas recordações, era sua representação jovem e desaforada, o oposto do cadáver adulto e triste que encontrei em Porto Izmael.

— Que bom que você está vestido, Alexandre.

— Claro, você não veio até aqui para reviver aquele dia, certo? Você quer outra coisa, por isso estou no seu sonho.

Algum tempo atrás, Eleonor me disse que era possível alguém se manter consciente durante o sono, o chamado sonho lúcido. Era um conceito simples, a maior parte das pessoas acorda quando percebe que está em um sonho, o mundo onírico nos arrasta quando isso acontece, entretanto, algumas pessoas são capazes de transpor essa barreira e se manter ativos durante o sonho.

Sendo uma curiosa inveterada, ela pesquisou as mais diversas formas de conseguir se manter consciente durante o sonho. Sua resposta foi, alguns estudos sobre alimentação, genética e qualidade do sono, nada disso foi digno de muita relevância para minha esposa.

Ao se manter determinada ela finalmente encontrou um jeito, o mais banal e desacreditado das formas de conseguir esse resultado: nesse método simplista a pessoa repete para si, ao longo do dia, "estou dormindo ou estou acordado?" Quanto mais a pessoa repete, maior é a taxa de sucesso. Logo, após um dia exaustivo de inquietação o indivíduo se deita, e então como em um momento qualquer de seus sonhos ele acidentalmente se pergunta se aquilo é um sonho e percebe que está dormindo, se ele mantiver a calma consegue permanecer lúcido.

Parece bobo, mas depois de Eleonor ser tão enfática de que aquilo funcionaria, acabei me convencendo e me tornei um adepto, às vezes funcionava em outras ocasiões não, contudo, para meu azar, naquela noite funcionou perfeitamente, estava inteiramente lúcido e sabia que era um sonho.

— O que eu quero, Alexandre? O que é tão importante que meu inconsciente invocou você dos mortos?

— E isso é jeito de tratar seu irmão caçula? Não vai chorar ou dizer que sente minha falta?

Balancei a cabeça e o sorriso de deboche tomou minha face.

— Exatamente como me lembro. Engraçadinho e arrogante, graças a Deus, Vitória não é assim.

— Ah sim, minha filha. Você vai ser o novo papai dela, certo? Senhor Heitor e sua esposa Eleonor, a dupla magnânima que vai salvar a órfã desamparada... Pretensioso, gosto disso...

A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)Onde histórias criam vida. Descubra agora