Capítulo 24

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— Então, sua irmã se dispôs a participar disso? — Perguntei com certa desconfiança

— Sim.

— Fácil assim?

Minha incredulidade se baseava na personalidade de Bárbara, sempre cética e profissional, ela nunca embarcaria em uma busca por sociedades secretas.

— Fácil? Não mesmo. Primeiro ela me deu um sermão, o de sempre, disse que estou perdendo tempo e gastando minha inteligência em assuntos tolos. Após o monólogo, tive a oportunidade de explicar as mortes de Alexandre e Helena, como esperava, ela não deu importância.— Eleonor deu um leve riso e balançou a cabeça.

— E como você a convenceu?

— Pulei logo para a parte que a interessava: uma seita bizarra que controla negócios escusos e movimenta uma fortuna. Ela retrucou perguntando se eu podia provar, e claro, disse que em breve teria as provas em mãos. Minha irmã afirmou que assim que tivesse alguma evidência entrasse em contato urgente, pelo interesse acredito que ela já sabe de alguma investigação federal envolvendo essa cidade. Estamos no caminho certo.

A assembleia aproximava-se do fim, nenhum dos membros ou presentes tocou no assunto das mortes, era tudo tão perfeitamente ensaiado que chegava a ser chato, mas o ruído de fundo permitia minha conversa com Eleonor, sem levantar suspeitas.

— Fiquei curioso, que provas são essas que você espera conseguir?

— Isso envolve meu quinto suspeito.

— Temos outro, é? — Perguntei com surpresa.

Eleonor fez um sinal discreto na direção da primeira fila. Mais especificamente para um homem magro, alto e moreno, extremamente discreto.

— Vê aquele homem? Bem discreto, correto? Quase ninguém na cidade o conhece ao certo, mas ele tem um aspecto curioso. Ele é o contador de todos os nossos quatro suspeitos, ou seja, se pegarmos um deles, pegamos o contador e ele entrega todos os outros.

— Tudo bem, amor. Mas como pegamos um?

— O assassino, lembra dele? Sei como encontrá-lo, Heitor. Vou precisar da sua ajuda, contudo acredito ter limitado o raio de busca. Espero que suas habilidades de rastreamento continuem aguçadas.

— Pode ter certeza que estão. Pode me contar mais?

Nesse momento, Catarina retomou o microfone e agradeceu a presença de todos dando por encerrado mais uma assembleia. Não sei se aquele evento, realmente tinha um resultado efetivo para a cidade, mas com toda certeza criava um clima de comunidade unida.

— Claro, mas não aqui. Vamos para o hotel. — Apontou Eleonor.

Na saída caminhamos até o estacionamento lotado e entramos no carro, seguimos para o hotel enquanto eu contava todas as histórias que aconteceram em minha breve estadia na casa do meu pai, Eleonor não gostava muito do jeito patriarcal de seu sogro, mas respeitava a honestidade do velho homem. Sua curiosidade estava mais voltada para Vitória, ela me perguntou sobre a forma como a menina lidou com a morte dos pais, contei sobre o desenho e Eleonor deu uma leve risada.

No quarto de hotel minha esposa sentiu-se à vontade para me contar mais detalhes de sua investigação:

— Vamos lá, Heitor. Você deve se lembrar que as pegadas do homem indicavam uma breve passagem por um manguezal, correto? — Movimentei a cabeça positivamente e Eleonor me mostrou uma imagem aérea da região no celular. — Olha, essa é a região com mangue nos arredores de Porto Izmael, temos então uma vila de pescadores e quatro casas afastadas.

— Você acha que o assassino mora nessa vila?

— Não. Tenho quase certeza que ele vive em uma das casas afastadas e ocasionalmente vai até esse vilarejo, e é bem aí que eu vou precisar das suas habilidades para rastreá-lo, esse sujeito parece ser bem sorrateiro. Tudo ainda é nebuloso, vai saber o que vamos encontrar naquela casa, quero dizer, uma dessas casas.

— Eu aceito rastrear esse homem, mas tenho uma condição.

Pela primeira vez, nessa estranha viagem, consegui surpreender levemente minha esposa com uma frase. Eleonor levantou a sobrancelha com curiosidade, como se pedisse para que prosseguisse.

— Eu vou até lá sozinho.

— Vai sonhando, Heitor.

Por mais que ela tivesse uma mente brilhante e um dom investigativo diferenciado, isso era uma missão para uma pessoa, e acredito que, no fundo ela sabia disso.

— É serio, amor. Não consigo surpreender esse cara se você for junto. Nós dois zanzando pela região vai ser um fracasso instantâneo.

— Heitor, sinto um pouco de orgulho ferido no seu tom. Você não pode ter ficado ofendido quando eu disse que ele era mais forte que você?

— Não é orgulho, você sabe que não é. Sozinho eu posso surpreendê-lo. Tenho certeza que você já considerou isso. Eu verifico a casa, procuro provas e se precisar capturo o sujeito.

— Eu não sei, Heitor. Por mais que você seja habilidoso, esse homem é um monstro. Se ele pegar você sozinho, acabou. O resulto é morte ou algo ainda pior, do nível que você vai desejar morrer.

Algo ainda pior, ela disse. Obviamente Eleonor tinha razão, esse sujeito não podia ser normal. Todos esses assassinatos e a forma fria como ele os executou, por mais que as pessoas poderosas dessa cidade o protegessem de uma investigação completa, ainda assim ele era perigoso.

— Eu estou armado, não se preocupe. Não vou tentar um confronto direto.

— Ainda assim, lá é o território dele, a chance dele não ter um trunfo ou alguém para ajudá-lo é mínima.

— Você não disse que ele agia sozinho?

— Sim, possivelmente comete os assassinatos, sozinho, entretanto isso não significa que um dos nossos suspeitos não possa protegê-lo.

— Essa é minha condição. Vamos até à vila e de lá vou rastrear o sujeito. Você concorda?

Eleonor estava pressionada, podia ver em seus olhos que ela sabia que essa era a única alternativa e para que seu plano desse certo precisávamos daquele homem.

— Tudo bem, senhor valentão. Eu aceito, mas também tenho uma condição pra você: Me prometa que se algo der minimamente errado você vai me ligar. Posso não saber me embrear na mata ou achar armadilhas, porém atiro melhor que você.

— Será? Aquela vez na estande de tiros... — Abri um sorriso sarcástico.

— Eu deixei, não queria te humilhar.— Eleonor disse com um ar de deboche.

Após a brincadeira ela me olhou bem nos olhos, e com firmeza disse:

— Heitor, agora é sério. Se ele te ameaçar, não pense duas vezes, atire. Não hesite de forma alguma porque ele, tenho certeza, não vai hesitar.

Estávamos de acordo, em breve nossa caçada começaria. Em breve, eu olharia bem nos olhos da besta. Tudo que acontecia naquela cidade era como um inferno, e todo bom inferno tem terror e demônios, no caso, esse homem era os dois. Descobriríamos da pior forma que coisas macabras ficam escondidas por um manto de moralidade cívica e assembleias vazias.

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Essa semana consegui postar mais cedo! É um milagre!XD

Obrigado pela leitura e aquele abraço! 

A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)Onde histórias criam vida. Descubra agora