Capítulo 12

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A delegacia de polícia de Porto Izmael era uma edificação simples, com seus três pavimentos e um amplo espaço horizontal para as viaturas, além de poucas árvores que o terreno comportava. Conseguimos estacionar facilmente em uma área para visitantes.

Durante a manhã o movimento parecia bem limitado, os policiais estavam confraternizando na entrada e o ambiente parecia receptivo, isso me deixou aliviado, a última coisa que queríamos era um local inóspito e violento, já que estávamos com minha sobrinha.

A ideia era deixar Vitória em um lugar mais divertido enquanto estivéssemos na presença da delegada, falando sobre a morte da mãe dela, mas isso se tornou impossível devido à insistência da garota em não ficar sozinha, o que eu entendia completamente.

Nos apresentamos na recepção para um homem gentil, seu nome era Cassius, funcionário público de longa data, possivelmente prestes a se aposentar, ele era uma voz gentil e acolhedora naquele ambiente movimentado, em alguns instantes eu perceberia o contraste entre ele e a delegada.

— Bom dia, meu nome é Cassius! Vocês devem ser o casal que a Thábata marcou para dar depoimento, certo?

— Sim, eu sou a Eleonor e esse é meu marido Heitor. Essa princesa aqui é a Vitória.

Vitória acenou na direção de Cassius e depois se escondeu atrás de mim.

— Ele é encantadora, me lembra minha filha quando tinha essa idade. Eu sei que vocês chegaram na hora, mas vou pedir que aguardem um pouco mais, a delegada está um tanto ocupada com alguns processos.

Atrás da mesa curva de vidro em que nosso anfitrião nos recebia, existia uma sala com armários de ferro e uma mulher sentada em frente a uma mesa retangular, o móvel estava lotado de papéis jogados e arquivos abertos.

— Sem problema, vamos sentar ali e esperar.

E esperamos, esperamos muito. Quando entramos na delegacia era por volta de 09:00 da manhã, o horário marcado com a delegada Thábata, contudo o tempo passou, o relógio marcava 11:00 horas e nada de sermos atendidos, manter Vitória quieta durante esse tempo foi uma tarefa complicada, minha sobrinha não era a garota mais quieta do mundo, e todo aquele açúcar do hotel estava fazendo o trabalho de deixá-la bem animada.

Para nossa sorte, Cassius já era avô e estava tranquilo na recepção, não entregavam muito trabalho ao velho homem e ele se dispôs a ajudar. Ainda naquela manhã ele me explicou que seu nome era uma homenagem ao pugilista Muhammad Ali. Seu pai era um grande fã da lenda do boxe e admirava seu ativismo nas causas raciais, isso me surpreendeu, foi a primeira pessoa com um discurso não conservador que encontrei em Porto Izmael.

Cassius e sua paciência de patriarca gentil deram a Vitória toda a tranquilidade necessária para entreter a criança, enquanto Eleonor e eu permanecíamos sentados, observando a delegacia e esperando eternamente por Thábata.

— Ela parece ser alguém bem ocupada. — Disse ao encarar a sala da delegada.

— Nem tanto.

— O que quer dizer?

— Ninguém entrou na sala dela a manhã inteira, ela não tocou em nenhum daqueles arquivos jogados na mesa, tudo que ela fez foi ficar olhando para a tela do computador, e claro, levantou para pegar água e olhar na nossa direção.

— Isso não quer dizer muita coisa, ela pode ter todos os processos digitalizados, os arquivos podem ser só um ou outro documento em formato físico que ela usa como consulta.

— Claro, pode ser mesmo. Isso faria dela a pessoa mais desorganizada do mundo, ou ela está apenas fuçando na internet e dando um chá de cadeira na gente.

Observei novamente a delegada pelo vidro, procurei alguma feição que entregasse o que ela realmente estava fazendo no computador, tudo que notei foi uma mulher concentrada.

— E existe algum motivo para ela nos fazer esperar?

— Vai saber, pode ser apenas um traço da personalidade dela, pessoas autoritárias odeiam esperar, mas adoram deixar os outros esperando. É uma forma de demonstrar superioridade, quando entrarmos na sala, ela deve dizer alguma coisa sobre trabalhar muito e enaltecer que ela está cansada, sabe, como quem diz "olhe pra mim, eu trabalho mais que todo mundo".

Entreguei uma leve risada com a cena de Eleonor debochando da delegada, ao que parece minha esposa odeia muito esperar, julgava a demora como uma perda de tempo inacreditável.

— E por que ela quer nosso depoimento? Pensa que ela desconfia de alguma coisa?

— Isso depende, se ela faz parte dos assassinatos deve saber sobre a caixa e vai tentar nos cercar para saber o quanto sabemos...

— Até a delegada? Você acha que ela faz parte disso? — Interrompi com surpresa.

— Sim, não duvido. Até termos algumas informações básicas, precisamos tratar com cautela todos dessa cidade. Se você pensar bem, a polícia daqui não investigou muito os diversos crimes com o mesmo padrão. Tem alguém enforcando pessoas e deixando pentagramas pela cidade inteira, era para ter viaturas patrulhando noite e dia, associação de moradores indignados e uma delegada desesperada.

— Também fiquei surpreso com a inércia dos policiais daqui, você confia neles? O Sérgio e aqueles sujeitos de ontem.

— Sim, eu já investiguei bastante o passado do Sérgio, ele trabalhou em outros estados, isso me permitiu entrar em contato com conhecidos dele, de diversos locais, todos o definiram com alguém integro, um pouco orgulhoso, mas honesto. Não achei nenhum processo disciplinar ou acusação envolvendo o nome dele.

Me perguntava quando ela fez toda essa pesquisa, a resposta era evidente: enquanto Vitória e eu dormíamos, Eleonor fez todo o trabalho investigativo possível na noite anterior. Se ela demonstrava certa confiança no investigador Sérgio, o contrário podia ser dito de Thábata.

— E a delegada? O que você sabe dela?

— Thábata Moreira Makenzie, 40 anos, dois filhos, divorciada, seu ex-marido não mora em Porto Izmael, parece que ele constituiu uma nova família e nunca mais pisou na cidade...

— Como você...

— Pelo amor de Deus Heitor, facebook, instagram, linkedin, não é tão difícil assim saber da vida das pessoas.

Acenei com a cabeça em concordância, nunca fui o maior fã das redes sociais.

— Prosseguindo, ela passou no concurso em primeiro lugar, tinha o mínimo de qualificações exigidas, mas gabaritou a prova fechada e foi excelente no exame seguinte. As ligações dela com as pessoas ricas daqui são meio limitadas, tudo que encontrei foi um tio chamado Tobias Mackenzie, um senador bem famoso em Porto Izmael.

— Algum escândalo ou investigação envolvendo o nome dela?

— Não, tudo que envolve o nome dela é meio nebuloso, por isso não queria encontrá-la. A vantagem aqui é toda dela, não temos nenhum questionamento que possa gerar uma pista e somos obrigados a responder qualquer pergunta feita por ela.

Nossa conversa foi cortada por uma mulher desesperada que entrou na delegacia, ela criou um certo alvoroço até chegar perto de Cassius e fazer sua exigência:

— Eu quero falar com a delegada! Faz uma semana que ela me evita, eu quero saber quem sequestrou minha filha!

Eleonor mudou o semblante de desconfiada para confiante, ao observar a cena.

— Talvez a situação possa mudar um pouco, isso me parece bem interessante...

A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)Onde histórias criam vida. Descubra agora