Paramos o carro no fim da pequena estrada de terra, e lá estava a maldita picape, suja e largada à beira do caminho, descemos do veículo, aguardei as últimas instruções de Eleonor, antes de adentrar no mangue que separava a casa do tal Ygor do resto da civilização local.
O veículo do homem estava vazio, anotamos o número da placa, possivelmente era clonada, mas não deixava de ser algum tipo de prova.
— Ele deixou o carro aqui e foi andando, realmente não dá pra chegar na casa de carro, apenas a pé. Tem grandes chances dele estar dentro da casa, se for assim você o captura e me liga que irei correndo. A outra opção é...
— Ele não estará em casa, então entro e fotografo alguma prova.
— Sim, contudo, não se precipite ele pode aparecer a qualquer momento armado na porta da casa. Cautela é tudo, pega ele desprevenido.
— Deixa comigo. — Disse concordando com um movimento de cabeça.
Eleonor deu meia volta com carro, não podíamos correr o risco de entregar nossa presença, rastrear uma pessoa em seu ambiente já é difícil, se Ygor notasse alguma presença tudo estaria perdido.
Agora sozinho, adentrei o mangue. Os muitos sedimentos orgânicos acumulados no local e a pequena presença de oxigênio, resultavam na eliminação de um cheiro característico para a atmosfera, era um odor forte que tornava o local totalmente isolado da vida humana.
O lado positivo era que o cheiro denso, permitia com que minha presença fosse imperceptível, bastando com que me movesse, pela água salobra e plantas com vastas raízes, de forma quieta, sem criar algum barulho.
Encontrar sinais e rastros na mata não é tão complicado quanto parece, pessoas esbarram em galhos, deixam pegadas e todo tipo de pista, todavia, em um terreno pantanoso é diferente: mesmo com o tamanho de Ygor, andar com a água até o joelho sem árvores e plantas elimina rastros óbvios.
Andei por quarenta minutos, tentando refazer a rota mais lógica e alguns poucos sinais da presença humana foram notados. O caminho me levou diretamente para a ponta do mangue, saí da área pantanosa e da água que me cercava.
Fora do manguezal caminhei por alguns minutos até encontrar uma cerca, no chão entre duas árvores existia uma armadilha, uma pequena linha de nylon que se rompida tocaria três badalos, daqueles que os fazendeiros penduram no pescoço de bovinos.
— O filho da mãe não deve gostar de visitas.— Sussurrei enquanto desarmava a armadilha deixada por meu anfitrião.
Pensei melhor e deixei a armadilha armada, ele poderia não estar em casa e isso lhe daria a vantagem da surpresa em nosso encontro.
Caminhei atentamente por uma pequena trilha de areia, era o cenário perfeito para uma segunda armadilha, então fiz com que cada passo dado fosse o mais sutil e sorrateiro possível, a última coisa que eu precisava era cair em alguma armadilha para animais e revelar minha presença. Me surpreendeu o fato de não encontrar mais nenhuma pelo percurso.
Depois de algum tempo, lá estava, a casa do maldito assassino, tomada por um razoável espaço de entrada em seu terreno, que parecia um ferro-velho com pneus jogados na frente da casa, um balanço infantil quebrado e o mais marcante: um varal com duas lontras mortas e sem pele, penduradas.
O sangue não estava nos animais, um exímio trabalho com a pele deles foi feito naquele local. Isso me preocupava, homens com tamanha habilidade com uma faca geralmente eram perigosos e criativos.
Mandei uma foto da entrada e do terreno para Eleonor, a casa tinha uma pintura branca descascada e um vidro quebrado em uma de suas duas janelas, a porta de madeira estava aberta, parece que monstros que moram em locais distantes não precisam se preocupar com fechaduras.
Me esgueirei abaixado até a janela com vidro quebrado e olhei dentro da sala. Avistei um sofá encardido de poeira, uma televisão com algumas consideráveis polegadas e mais lixo acumulado na sala: revistas antigas, peças de carro, pequenas estatuetas de madeira de grotescos homens sem rosto — Ora, o que eu poderia esperar do assassino de uma seita que venera um velho bruxo? — Tudo era escuro e pouco convidativo.
Não notei presença alguma, era evidente que não estava em casa, entrei pela porta da frente e comecei a fotografar a sala. Eleonor me respondeu com uma mensagem.
"Okay, fotografe tudo, não se preocupe em analisar apenas me mande fotos."
Ainda na sala encontrei um retrato com três homens na praia sorrindo com cervejas na mão, provavelmente parentes de Ygor. A foto era antiga e a moldura estava intacta, penso que era a única coisa limpa na casa. Não imaginei aquilo como uma prova, mas fiz o sugerido por ela e mandei uma foto do quadro.
Com a arma engatilhada em uma mão e o celular em outra continuei andando pela casa em direção ao único quarto, que ficava nos fundos, abri a porta e me deparei com um colchão velho no chão, uma parede amarelada com um enorme pentagrama vermelho pintado e algumas velas apagadas. O cômodo era uma espécie de dormitório e templo, confesso que não deveria, mas quando deparado com isso meu lado cristão sentiu um leve arrepio e certo asco, admito que não possuo a mente aberta e analítica de Eleonor para ignorar isso.
Em uma situação assim ela analisava os fatos, julgamentos morais e bagagem religiosa atrapalham o discernimento de um crime. Quando você tem preconceitos enraizados você manipula os fatos para criar uma teoria que lhe agrade, isso é péssimo para um investigador.
Tirei mais algumas fotos e caminhei para a velha cozinha da casa, no local apenas alguns armários com mantimentos, uma mesa e um fogão. Ao passo que registrava tudo, senti um rangido diferente no estranhíssimo assoalho de madeira da cozinha. Levantei um tapete grande, que cobria o chão perto da mesa, e me deparei com uma porta, no piso, travada por um cadeado.
Peguei um martelo em um dos armários e arrebentei o loquete, quando abri a estranha e deteriorada porta, encontrei uma escada que levava até um porão escuro na parte de baixo da casa. Enquanto descia os degraus, senti um cheiro podre que era mais aterrador que o próprio mangue.
Me assustei.
Com cuidado procurei um interruptor ao descer as escadas, a escuridão não me permitia enxergar absolutamente nada. Quando finalmente consegui encontrá-lo, acendi a luz do local e me deparei com uma prova cabal das atrocidades cometidas naquela cidade.
— Cretinos desgraçados! — Exclamei enquanto me deparava com um dos horrores que a Sociedade de Porto Izmael pode criar.
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Muitíssimo obrigado pela leitura!!!!
Aquele abraço e já sabe, né? Se puder comentar e votar eu fico muito feliz!XD
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A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)
Mystery / ThrillerLIVRO COMPLETO O casal de investigadores, Eleonor e Heitor, recebem a noticia do suicídio de Alexandre, o irmão de Heitor, e resolvem dar o último adeus ao caçula da família Garcia Torres, contudo o casal descobre o passado sombrio do rapaz e os in...