Capítulo 15

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Convencido por Eleonor fiz o que um péssimo marido faria, deixei minha esposa sozinha em uma cidade extremamente perigosa e embarquei no primeiro voo para encontrar meu pai.

Tentei explicar para minha sobrinha sobre a morte de sua mãe, usei uma metáfora para dizer que agora Helena era uma estrela que brilhava no céu, sempre olhando por ela. A criança era mais forte do que parecia, esperava um comportamento agressivo, mas isso não aconteceu. Ela fez uma ou duas perguntas e nada mais, se calou durante toda a viagem.

Fui recebido na casa de meu pai, é incrível como alguns locais se mantém intactos no tempo, seja por conservadorismo ou nostalgia, meu pai manteve a casa exatamente como quando minha mãe era viva: o jardim de entrada bem aparado, com suas duas árvores que nos recebiam como um vão de uma bela porta, a cor branca do belo casarão de três andares também manteve-se intacta.

Na bela sala de estar fomos recebidos por Bertha, a governanta que minha mãe amava mais do que as próprias irmãs, a senhora anfitriã chorou quando avistou Vitória. Acredito que ela e minha mãe sofreram mais do que qualquer um com as sandices de Alexandre e ver que aquele rapaz sem juízo foi capaz de colocar uma garota tão doce e linda no mundo era como um milagre.

— Meu Deus, Heitor, que menina linda! Ela tem os olhos do pai.

— Sim, ela tem os olhos do pai e o sorriso da mãe. Acho que só pegou as qualidades.

Enquanto dávamos risada, Vitória nos olhava curiosa. Surpreendentemente ela não estava assustada e aos poucos se aproximava de Bertha, o que posso dizer? Se alguém nesse mundo sabe lidar com crianças esse alguém é ela.

Pedi que Bertha fizesse companhia para Vitória, enquanto subia as escadas para encontrar meu pai no escritório, ela e minha sobrinha se dirigiram até a cozinha, o lugar onde Bertha engordava todos que colocavam os pés naquela residência.

Enquanto me dirigia ao andar superior, recebi uma mensagem de Eleonor dizendo que estava tudo bem. Por mais que ela fosse uma ex-policial com uma arma e um instinto incrível de sobrevivência, não teria paz sem receber notícias diárias, então combinamos que durante o tempo que estivesse fora ela me mandaria mensagens todos os dias.

Guardei o celular, respirei fundo, estava parado em frente à porta do velho escritório. Do outro lado daquele umbral estava o senhor Apolo Garcia, meu pai que a tanto tempo decepcionei indo embora ao invés de ficar e administrar os negócios da família. Dei duas batidas na porta e entrei.

No escritório, em meio a prateleiras e arquivos que estavam sobre a velha e ampla mesa de jacarandá, meu velho contemplava a janela de pé, perdido em seus pensamentos ou lembranças tortuosas. Meu pai era um homem razoavelmente alto e detentor de uma postura magnífica, ainda que limitado pela idade ele ainda passava um ar de seriedade e imponência.

— Boa tarde, meu pai. Posso entrar?

— Boa tarde, Heitor. — Ele virou-se e me deu seu tradicional aperto de mão, meu pai acreditava que o caráter de um homem condizia com a firmeza de seu aperto de mão, um homem de outra época com comportamentos de uma outra realidade.— É bom vê-lo, meu filho, não trouxe sua esposa?

— Infelizmente não, Eleonor teve que ficar. Estamos com um trabalho pendente em Porto Izmael.

Meu pai me olhou bem nos olhos e consentiu com a cabeça. Estendeu o braço na direção de uma confortável cadeira para que me sentasse. Engraçado foi perceber que minha cadeira era mais baixa que a dele, deixando-o em uma posição em que eu teria que olhar levemente para cima para conversar com ele.

— Acredito que a garota lá embaixo é minha neta, correto?

— Sim, o nome dela é Vitória, e além do Alexandre ela também perdeu a mãe. Eleonor deve ter dito por mensagem, possivelmente.

— Sim, ela escreveu na mensagem. — Meu pai passou levemente a mão por sua barba grisalha, com uma leve tensão contemplativa. — Imagino que você queira que eu cuide dela.

— Não necessariamente, seria algo provisório. Eu quero cuidar dela, mas no momento não posso, preciso resolver algo primeiro e ela não estaria em segurança.

Meu velho sorriu sarcasticamente, antes de ponderar sobre minha vida:

— Continua com isso de investigação, não é mesmo? — Passei a mão no rosto, me preparando para mais um dos seus velhos sermões. — Primeiro foi o exército e agora isso de investigador particular, é quase como se você fugisse do sucesso.

— Qual sucesso, pai? Você sabe que eu não seria feliz aqui.

O velho Apolo se calou, meu pai não era de insistir, reclamar uma vez era o bastante para ele.

— Você não vai descer pra conhecer sua neta? — Perguntei com um sorriso otimista.

— Sim, a garota. Vou conhecê-la em breve, espero que não tenha puxado o pai.

Inacreditável, essa tinha sido rápida. Pensei que ele esperaria um pouco mais para atacar Alexandre.

— Ainda com isso, pai? — Me preparei para uma resposta óbvia.

— Se você está perguntando se ainda estou ressentido por ele me tirar minha esposa e meu filho da minha vida, a resposta é não. Não se deve culpar os mortos.

Meu velho tinha esse dom de ser prepotente em todos os momentos, ele falava de Alexandre como se fosse um terrorista culpado por me fazer ir embora e deixar minha mãe ainda mais doente e acelerar sua morte.

— A garota não é o pai dela. Ela é uma menina maravilhosa, mas não se preocupe vou ficar mais um dia para ela se acostumar com a casa.— Reafirmei que ele não precisaria se preocupar.

— Não se preocupe, Bertha vai cuidar muito bem dela, só não me peça para ser o que eu não sou.

— Ser o quê? O avô dela? Você é inacreditável, pai. Não estou pedindo para você perdoar o Alexandre, acho que nem eu perdoei ele, só não desconte sua raiva em Vitória. Ela perdeu os pais há pouco tempo e...

Ele fez um sinal com a mão, para que eu me calasse e me deu às costas virando a cadeira para a janela.

— Tudo bem, como quiser. Ela pode ficar enquanto você e sua adorável esposa brincam de agente secreto para pagar às contas.

Me levantei da cadeira e me preparei para sair daquela sala solitária e triste, onde aquele homem se refugiava de tudo e todos há mais de três décadas.

— Pai.

— Pois não. — Ele virou parte da cadeira para me encarar de lado.

Abri um sorriso, que talvez ele sequer merecesse e disse:

— Eu te amo, pai. É bom ver você forte e com saúde.

— Claro, claro. É ótimo ver você também, Heitor.

Ele se voltou novamente em outra direção e fui embora com a impressão de que é impossível ensinar truques novos ao aristocrata velho.


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Obrigado pela leitura!

Aquele Abraço!

A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)Onde histórias criam vida. Descubra agora