O jantar para minha surpresa foi promissor, Apolo o senhor dos sorrisos contidos, foi quase simpático, chegou até mesmo a fazer o truque de roubar o nariz para a doce menina. Tratou Vitória como uma criança e não como a filha de criminoso. Pensei que meus julgamentos fossem precipitados, meu pai poderia conviver com uma criança, mas obviamente meu entusiasmo durou pouco.
Apos a refeição principal, degustamos uma deliciosa sobremesa, Bertha preparou com todo carinho uma torta de chocolate e nozes, a ajudei com os talheres e servi um pouco daquela iguaria à minha sobrinha.
A garota se esbaldava a cada colherada, contudo comeu rápido demais e se engasgou com as nozes, e como toda criança ela cuspiu o alimento na mesa e golfou um pouco, nada que pudesse incomodar muito uma pessoa acostumada aos pequenos, não era o caso do velho Apolo.
Meu pai assistiu enquanto eu ajudava a desengasgar Vitória, a garota ficou um pouco assustada com a situação e chorou pedindo a mãe. Meu pai mudou o semblante, pediu desculpas a todos e disse que estava indo dormir, senti que as coisas permaneciam iguais: meu pai quando confrontado por dramas cotidianos apenas se recolhia e ignorava a situação. Era assim décadas atrás, por que pensei que mudaria?
Bertha levou a garota para o quarto de cima, tinha sido uma aventura e tanto para um primeiro dia. Enquanto ela vestia o pijama em minha sobrinha, aproveitei para limpar o lugar e lavar as louças, todo aquele tempo dormindo em hotéis me fez sentir saudades de ajeitar uma cozinha após uma refeição.
Quando subi encontrei Bertha, sentada, e Vitória deitada na cama daquele quarto, o cômodo em que Alexandre dormia. Outra ordem do meu velho? Alocar a filha no antigo quarto do pai? Poderia ser uma forma de mostrar para ele mesmo que a estadia da menina era temporária, um jeito de lembrá-lo de quem ela era filha.
O lugar mudou, todos os vestígios de meu irmão foram apagados, outra cama, armário, móveis e até a pintura. O lugar em nada parecia com o quarto de um jovem revoltado, não tinha pósteres de bandas punk, as mulheres nuas ou o símbolo de Anarquia em vermelho.
Bertha colocava a pequena para dormir, ajeitando seu cobertor e lhe dando um beijo de boa noite.
— Posso ficar com a luz acesa?— Perguntou Vitória olhando para o abajur em sua cabeceira.
— Claro, querida...
— E a porta pode ficar aberta?
— Também pode, meu amor...
— Você pode ficar aqui comigo?
Antes que Bertha respondesse, já exausta por ter feito muito mais do que devia, optei por intervir, afinal, se tudo ficasse bem Vitória seria educada por mim e deveria se acostumar com minha presença. Sem falar que não poderia mais abusar da boa vontade de Bertha.
— Vitória, eu fico aqui até você dormir e deixo a luz acesa, pode ser?
A garota refletiu um pouco e me deu sua resposta:
— Tá bom!
— Dê boa noite para a Bertha.
— Boa noite, Bertha!
— Boa noite, querida!— Respondeu a senhora.
Dei um sorriso para Bertha enquanto ela deixava o quarto e sussurrei um agradecimento ao que a exausta mulher me respondeu:
— Foi um prazer.
Notei que minha sobrinha estava muito agitada, não sei se pelo lugar desconhecido, falta da mãe ou todo o açúcar que ela ingeriu naquela casa. Não me pareceu que ela dormiria facilmente e isso não me incomodava.
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A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)
Misteri / ThrillerLIVRO COMPLETO O casal de investigadores, Eleonor e Heitor, recebem a noticia do suicídio de Alexandre, o irmão de Heitor, e resolvem dar o último adeus ao caçula da família Garcia Torres, contudo o casal descobre o passado sombrio do rapaz e os in...