Capítulo 11

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Era manhã, quando recebi mais um telefone da delegada Thábata, a voz dela parecia de uma pessoa um tanto quanto impositiva, não deu seus pêsames e mal me deu desejou um bom dia, tudo que ela queria era um depoimento, e marcou ainda para aquele dia que Eleonor e eu a encontrássemos.

Eleonor dormiu na cama do hotel com Vitória e eu me ajeitei no chão, a menina parecia menos em choque do que estava na noite anterior, pisei em ovos para explicar a ausência da mãe dela, disse que Helena estava desaparecida, uma imensa besteira que foi destacada quando minha esposa me fitou com o olhar de quem não apreciava minhas mentiras para garota.

Com o celular na mão ela me mandou uma mensagem:

"Até quando você vai dizer esse tipo de coisa? Ela precisa saber que a mãe faleceu."

Ao que respondi:

"Tudo bem, mas não hoje. Precisamos ir à delegacia, já não é o melhor ambiente para uma criança, quanto mais uma garota de luto."

Minha esposa mudou o semblante para algo mais complacente, ela sabia investigar, conhecia as feições e intenções humanas como ninguém, só não sabia como não dar notícias ruins para uma criança em um momento de vulnerabilidade.

Minha sobrinha era uma menina extraordinária, não demoraria muito para entender a ausência da mãe, minha resposta sobre desaparecimento era inadequada e superprotetora, acho que que sempre odiei, em excesso, dar e receber más notícias.

Quando minha mãe morreu meu pai me informou da maneira mais fria possível, em um telefonema, ele me disse que ela estava morta e que eu deveria voltar para ir ao funeral, só descobri que ela faleceu em casa enquanto dormia por meus irmãos. Ao menos ele se deu ao trabalho de me informar, ele não fez o mesmo com Alexandre que soube apenas por intermédio de algum parente.

No Hall do hotel, nos dirigimos até o local onde estava sendo servido o café da manhã, lá nos servimos de uma refeição que providenciaria as calorias necessárias para um dia agitado na delegacia de Porto de Izmael.

Eleonor experimentou algumas frutas frescas e um brioche, me servi de uma boa dose de carboidratos e proteínas, que os pães e a omelete me ofereceram, minha sobrinha fez uma enorme mistura de doces e salgados ao pegar a refeição, não dissemos nada, ela parecia muito feliz misturando um pudim de leite com um salgado recheado com frango desfiado.

— Então, você gosta de pudim de leite mesmo, heim!— Brinquei.

— Muito!— Respondeu Vitória, com a boca coberta por calda de açúcar.

— Parece que é de família, Heitor.— Disse Eleonor, com um ar de provocação divertida.

— Não posso negar, lembra da Bertha?

— Sim, a senhora simpática que cuida da sua família.

— Então, ela fazia o melhor pudim de leite do mundo, nossa! Não sei como não me tornei diabético na infância.

Vitória pegou uma colherada cheia de doce e me ofereceu, tentei pegar a colher de sua mão, ao que a menina me impediu:

— Não, na boca!

Olhei para Eleonor com os olhos esbugalhados e me agachei para junto da minha sobrinha que me sujou todo de pudim, minha esposa se divertiu muito com a bagunça que estávamos causando na mesa.

— Você comeu muito, tio Heitor! Agora preciso pegar mais!

O carisma da mãe e a esperteza do pai, teve a desculpa perfeita para ir pegar mais doce na mesa do refeitório. Assenti com a cabeça e Vitória correu com seu pequeno prato para incomodar o garçom que acrescentava os alimentos novos na mesa.

— Ela é maravilhosa.— Observou Eleonor.

Suspirei fundo.

— Sim, ela é mesmo... Acha que vai dar certo? Digo, nós três?

— Com toda certeza, Heitor. Ela já te adora, só tenho medo que você a deixe mimada demais. Você precisa aprender a dizer não, achei que era isso que se aprendia no exército.

— Não, mas eu sei descascar batatas como ninguém.— Sorri sarcasticamente.

— Olha só. Ela te faz tão bem que até melhorou seu senso de humor. Vou te mostrar uma coisa engraçada também, dá uma olhadinha na sua sobrinha agora.

— Meu Deus! — Exclamei, ao avistar Vitória com diversos pedaços de doce empilhados em um minúsculo prato.

Parece que o garçom do hotel estava ocupado e não a ajudou a montar seu prato, a menina entusiasmada por seu momento de liberdade pegou todo pudim que conseguiu empilhar e com um imenso sorriso sentou na mesa. Começamos a gargalhar.

— O quê? — Questionou minha sombrinha com ingenuidade.

— Você não pode pegar tanto, querida.

— Por quê?

— Primeiro, você não tem um estômago de elefante, segundo, você precisa deixar um pouco pra quem também gosta de pudim.— Explicou Eleonor.

— Que nem o tio Heitor?

Trocamos uma leve risada.

— Quem nem o tio Heitor.

— Desculpa, tio.

Fiz um carinho despretensioso no cabelo dela e a ajudei a retirar todo aquele pudim do prato da menina, ela ainda comeria um pouco mais e eu fui obrigado a comer toda aquela bomba de açúcar para não desperdiçar alimento.

Aquela cena tão maravilhosa, uma família linda tomando café, inspirou meus mais primitivos instintos paternos. Talvez o mundo não fosse tão ruim, possivelmente Deus poderia ser magnânimo ao permitir que me redimisse por aquele dia sombrio do meu passado.

Aquele garoto fraco e faminto poderia estar no lugar de Vitória hoje, ele poderia ser uma criança feliz e bem alimentada, tudo que seu desesperado pai queria em meio aquele cenário de desolação. Nem todos os pequenos têm a mesma sorte, se tornar órfão em um país com o mínimo de estrutura é triste, contudo ser órfão em um país colapsado é um decreto de morte.

Não seria a última vez que a figura daquele garoto desnutrido e seu pai desesperado me assombrariam, eles ainda me encontrariam e me confrontariam, uma vez mais.


A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)Onde histórias criam vida. Descubra agora