Capítulo 21

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Meu plano de ficar pouco tempo falhou miseravelmente, com a resistência de meu pai em dar atenção a sua neta e apenas Bertha para tomar conta de toda aquela casa, acabei ficando mais alguns dias para que Vitória se acostumasse a nova residência.

Brinquedos não faltaram, Bertha resgatou do sótão bolas, carrinhos, quebra-cabeça e tudo mais que pudesse entreter a pequena. Eu consegui uma excelente diarista que ajudaria Bertha, não achei certo que ela cuidasse de minha sobrinha, mas Bertha insistiu de forma veemente, ela estava apaixonada pela criança.

Meu pai trabalhava em seu escritório durante a manhã e a tarde o motorista o buscava para resolver assuntos da empresa com meu irmão Átila, na parte da noite ele ficava na sala realizando suas leituras, enquanto Vitória brincava perto dele. O homem trocava uma ou duas palavras com a neta, mas obviamente não sabia como se aproximar.

Durante a semana as mensagens de Eleonor tornaram-se cada vez mais raras, a principio ela me atualizava várias vezes, a cada duas horas, agora me mandava um texto curto e seco, apenas uma vez ao dia. O último foi:

"Não se preocupe, estou bem. Mande um abraço para a Vitória."

Conhecendo minha esposa, isso só poderia significar uma coisa: Ela tinha suspeitos. O método de investigação de Eleonor era baseado em cercar os fatos e pessoas envolvidas, vitimas ou culpados. Obviamente, com as vitimas mortas só restava descobrir os culpados. Quando saí de Porto Izmael, ela não tinha suspeito algum, então algo aconteceu nessa semana. Quem poderia ser seu suspeito, a delegada? O tio dela?

Precisava partir imediatamente, ainda que intelectualmente não tivesse um recurso investigativo, sentida que minha presença era necessária, não apenas como marido, mas como parceiro de trabalho. Quando pensava naquilo tudo só me concentrava no tal homem, o "estivador" que na verdade apenas carregava cargas. Me perguntava se o tal homem realmente seria tão forte quanto Eleonor afirmou na noite do assassinato de Helena.

Sentado na sala de estar com meu pai, Bertha e Vitória eu desejava pegar o primeiro voo para Porto Izmael, entretanto precisava ter certeza de que minha sobrinha ficaria bem.

— Pai, eu não posso mais ficar aqui. Preciso voltar imediatamente. — Disse, enquanto me sentava no amplo sofá estofado, voltado para a poltrona preta em que meu pai estava recostado.

— Ora, Heitor. Por que ainda está aqui? Pode ir, rapaz!

— Eu estou preocupado com a Vitória e o senhor. Se for um incômodo eu posso falar com o Átila e...

Nesse momento fui prontamente interrompido por meu pai:

— Que besteira! Eu criei quatro filhos nessa casa, Heitor! Você acha que eu ficava parado enquanto sua mãe fazia tudo? Eu troquei suas fraldas, meu jovem! Posso cuidar de uma garota crescida também.

— Eu sei, pai. Eu sei da sua capacidade, mas talvez você e ela não...— Olhei para Vitória que desenhava tranquilamente enquanto esperava a hora de dormir.— Bem, talvez o senhor não queira uma criança nessa casa.

Meu pai fez um silêncio, e então levantou-se. Deixou o livro no criado, enquanto caminhava em volta do sofá. Surpreendentemente ele colocou a mão sobre meu ombro e com certa ternura, se isso é possível, disse:

— Eu tenho outros netos, filho. Tenho um imenso carinho por todos. Não se preocupe com a Vitória, eu vou cuidar dela muito bem. Eu vejo sua impaciência, vá encontrar sua esposa.— Nesse momento fiquei um pouco constrangido.— Você fica olhando esse celular a cada cinco minutos, sua mente não está aqui. Se correr pode pegar um voo ainda essa noite.

Sorri para meu pai, que me devolveu o gesto com tapinhas nas costas, como quem diz "não se preocupe com nada". Nesse momento, Bertha e a moça que a ajudava começaram a colocar os pratos na mesa.

— Heitor, hoje você vai comer aquele frango frito que tanto adora! Não vai ser como o da sua mãe, mas ficou muito bom! — Bertha, empolgadíssima me contava suas façanhas culinárias.

— Só se for bem rápido, Bertha. Preciso sair daqui a pouco.

— Ô, meu filho! É sua esposa, né? — Acenei com a cabeça. — Vai sim, toma um banho e faz sua mala. Eu te chamo quando a comida e a mesa estiverem prontas.

Dei um abraço apertado naquela mulher tão amável, meus pais eram generosos com o salário de Bertha. Ela ganhava mais que a filha, que era médica, mas eu sempre achei que dinheiro nenhum no mundo pagaria tudo que ela fez por essa família, as noites longe dos filhos, a amizade com minha mãe e tudo que ela sempre nos presenteou com tanto carinho.

Antes de subir para me arrumar fui até Vitória, que estava terminando seu desenho.

— Vitória, o que você desenhou? Mostra para o tio.

A menina sorriu envergonhada e me mostrou o desenho infantil: Era um homem e uma mulher de mãos dadas, com vários pontinhos ao redor e alguns planetas, além de uma bela lua crescente.

— É a mamãe e o papai. Você me disse que agora eles eram estrelas, né titio?

Engoli todo aquele sentimento de tristeza, então com um sorriso respondi:

— Ficou lindo! Tenho certeza que eles estão juntinhos olhando por você.

Meu pai escutava tudo, em seu olhar posso afirmar que algo reluziu. O velho homem de coração duro se compadeceu da garota. Ambos, apesar do abismo de uma vida inteira que os separava, estavam conectados pela dor da perda e por aquela saudade que aquece o coração.

Naquela noite partiria com a certeza de que Vitória estava segura, também estava com a determinação de que quem separou essa garota de sua família precisava pagar. No dia seguinte estaria com Eleonor, pronto para resolver de uma vez por todas essa questão.


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