Capítulo 22

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Depois do jantar e de um momento de despedida, em que ganhei dois abraços e um aperto de mão firme, peguei o primeiro voo possível e, na manhã de sábado, estava novamente em Porto Izmael. O aeroporto da cidade não era tão grandioso quanto o porto, mas era limpo e organizado.

Recebi uma mensagem de Eleonor, em que ela afirmava não poder me receber no aeroporto, mas me passou um endereço específico para encontrá-la, era uma espécie de teatro municipal, me pareceu estranho, porém, assim que deixei minha mala no hotel, peguei um carro pelo aplicativo e fui até o local.

O edifício era maravilhoso, uma daquelas edificações típicas do início do século XX, acho que o nome correto é "Art Nouveau", arquitetura nunca foi meu forte. A escadaria alongada era usada pelas pessoas como banco e a entrada tinha uma bela porta dupla de ferro fundido ornamentado. Imaginei que esse belo edifício deveria mostrar toda sua exuberância no período noturno, tomado pelas luzes da cidade.

A porta aberta e o "vai e vem" de algumas pessoas indicavam que algum evento estava para acontecer naquela manhã, timidamente cumprimentei a mulher e o homem que estavam responsáveis pela entrada de pessoas, estavam devidamente uniformizados e os óculos escuros davam um ar de seriedade e distanciamento.

Aos poucos os cidadãos entravam em uma ampla sala de apresentações, com capacidade para cerca de 4.000 pessoas. Seja o que for que estava marcado para acontecer, era evidente que ainda estava muito cedo. No amplo palco, na frente da sala, destacava-se uma mesa com quatro cadeiras ainda vazias e alguns funcionários do local organizando microfones e garrafas de água.

Entre as poucas pessoas que já aguardavam na platéia, estava Eleonor, sentada em uma fileira do meio, perto de um corredor lateral. Me aproximei e sentei do seu lado direito.

— Você chegou cedo, que ótimo! Vou ter tempo para explicar tudo.

— Amor, o que estamos fazendo aqui? Que lugar é esse?

— Essa é a assembléia mensal de Porto Izmael, mas antes me diz como foi sua viagem?

Olhei ao redor, a maior parte das pessoas que já estavam aguardando a conferência eram idosos e famílias, tinha um estranho clima familiar naquele local.

— Deu tudo certo, eu acho. Vitória está tranquila, e Bertha amou a garota. Meu pai aos poucos vai se acostumando com a ideia, ele não disse nada mas acho que gostou da garota.

— Isso é bom, o enterro da Helena foi quarta-feira. Eu era a única pessoa presente.

Me pareceu estranho, Helena não era como Alexandre. Ela tinha um jeito amigável e nunca foi de se isolar. Era esperado um mínimo de pessoas presentes como parentes e amigos, ou até mesmo colegas de trabalho.

— Ninguém foi? Eu sei que ela não tinha parentes próximos, mas nem amigos?

— Se ela tinha algum amigo nessa cidade, provavelmente soube como foi a morte e ficou com medo de ir. Aquelas pessoas estranhas do enterro do Alexandre estavam observando de longe.

— E como você tem feito? Tem sido seguida ou correu perigo? — Fiz essa pergunta com uma evidente preocupação.

— Eu disse que não tinha com o que se preocupar. No início estava sendo seguida sempre que colocava os pés para fora do hotel. Pensei que a reportagem me ajudaria a manter estranhos longe, contudo não ajudou muito, essa cidade não faz muita questão de esconder seus observadores, parece uma ditadura. Então, dei um jeito de não levantar suspeitas.

— Qual?

— Tá vendo aquele senhor sentado sozinho na primeira fileira? — Disse Eleonor apontando para um homem idoso, na casa dos setenta e poucos anos, tinha um cabelo grisalho, estatura mediana e um terno preto muito bem alinhado e elegante.— Ele é o Carlos Veiga, um dos comerciantes mais ricos da cidade e meu cliente.

— Cliente? Explica melhor, Eleonor. Não estou entendendo.

Ela sorriu levemente, e então me explicou:

— Como te disse no celular, procurei nosso amigo Sérgio e disse que estava oferecendo meu serviço de investigadora particular. Perguntei se existia algum caso fora da área da polícia em que pudesse atuar, ele me indicou o Carlos.

— E o que esse bom senhor pediu para você investigar?

— Sua jovem esposa, Verônica Veiga.

Sorrimos um para o outro nesse momento. Vale ressaltar que de todos os casos que investigamos os únicos que são verdadeiramente rentáveis são suspeitas de adultério, a história é sempre a mesma: Uma pessoa rica, na maioria das vezes um homem, nos procura pedindo ajuda, "estou desconfiado da minha esposa, ela tem agido estranho", ou então, "minha mulher não me ama mais". Eleonor oferece o trabalho com um valor absurdo, devido a sua fama eles costumam aceitar sem sequer reclamar do preço.

O divertido disso é sua estranha balança moral. Ela sempre consegue provas de inocência ou culpa, contudo quando o contratante também é infiel ela nunca entrega provas de traição, apenas diz algo como "a investigação não deu em nada, ela deve ter percebido que estávamos seguindo", mas até chegarmos a esse ponto conseguimos uma boa quantia em dinheiro com demandas de "recursos".

— Então, você está usando isso como desculpa para zanzar pela cidade sem ser seguida? Não acha que ele pode cobrar resultados logo? Ele parece bem aflito.

— Eu resolvi no primeiro dia, ela está traindo ele com pelo menos cinco pessoas, mas ele ainda não sabe.

Fiz uma cara de retaliação instantânea:

— Eleonor...

— Calma, eu vou contar pra ele em breve. Não é nossa prioridade agora.

— Você que sabe. Pode me contar como descobriu?

— Eu disse para ele comprar um celular novo para esposa, entretanto instalei um aplicativo antes, que faz capturas de tela a cada vinte segundos. Ela trocou mensagens picantes com quatro homens e uma mulher. Tudo nas primeiras quatro horas com o celular novo.

Estava tão perplexo, não sabia se o que me impressionava mais era a facilidade com que Eleonor descobriu ou a falta de pudor da senhora Veiga.

— Penso que você precisa contar logo, sabe lá Deus o que esse senhor está passando.

— Não se preocupe, isso acontece quando um homem de setenta e oito anos, com seis filhos e três divórcios casa com uma moça de trinta e dois. Provavelmente ele vai perdoá-la, é provável que o maior medo dele é ficar sozinho.

Enquanto Eleonor dizia essas palavras, percebi que a jovem esposa do senhor Carlos acabara de chegar e sentar bem ao seu lado, a proximidade e o carinho que eles tinham eram dignos de uma atuação fantástica ou de um casal que, da sua forma, se dava bem. No semblante dele um ar cansado de alguém que já não espera muito da vida a não ser paz, ficava me perguntando por que ele estaria interessado em saber se a esposa o traia, seria orgulho, medo ou apenas curiosidade?

— O local está ficando cheio, deve começar em breve.— Eleonor cortou o assunto sobre Carlos e voltou a se concentrar no local da assembleia.

Quatro pessoas sentaram nas cadeiras em frente a uma mesa montada no palco, todos se levantaram para recebê-los, incluindo nós dois. Uma mulher muito elegante na segunda cadeira, bem no centro, se aproximou de seu microfone e disse:

— Para orgulho de nosso fundador, declaro aberta mais uma Assembleia Municipal. Sejam todos bem-vindos!

Eleonor aproximou-se da minha orelha e sussurrou:

— Agora você vai conhecer as pessoas mais poderosas dessa cidade, entre elas está quem autorizou a morte de Alexandre e Helena.


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Aquele abraço!

A Sociedade de Porto Izmael (Mistério/Policial/Aventura)Onde histórias criam vida. Descubra agora