A Festa

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Hoje era o dia da festa. Eu não tinha mais visto, nem falado com Lucas depois da conversa que tivemos alguns dias atrás no Orkut. Ele disse que me avisaria se decidisse ir na festa, mas obviamente, que não me mandou mensagem alguma. Pelo visto ele não ia mesmo. Por fim, Elisa também resolveu não ir, falou que estava com cólica e que iria dormir.
- Mamãe, tô saindo… - grito da porta. - Não precisa me esperar que eu não tenho hora pra voltar... - aviso, sabendo que é em vão. Assim como todas às vezes que eu saia de madrugada, quando eu chegava em casa, encontrava dona Maria babando no sofá da sala. Ela dizia que a preocupação comigo não a deixava dormir. Na verdade, era tudo charme de mamãe, porque qualquer lugar que ela se encostava, dormia feito uma pedra. Ela queria mesmo era que eu ficasse preso dentro de casa. Por diversas vezes, já deixei de ir em algum lugar só pra fazê-la feliz, mas hoje, eu sinceramente precisava sair. Tudo que eu queria essa noite era beber um pouco e me divertir para esquecer toda essa confusão que havia virado a minha vida.
- Anda logo, Carlinhos! - pediu Paulo, impaciente. Ele era meu vizinho de porta e meu melhor amigo. Nós praticamente crescemos juntos. A casa de Paulo era tão grudada com a minha e as nossas famílias tão unidas que até o café de Madalena, mãe de Paulo, era compartilhado pelo muro do nosso quintal. Aliás, mamãe e Madalena eram péssimas quando se juntavam naquele muro para fofocar sobre a vida dos outros. Deus me livre!
- Pra que essa pressa toda rapaz? Está de encontro marcado com alguém por acaso? - por incrível que pareça, Paulo era gay. Ele tinha se descoberto recentemente e estava em fase de adaptação. Eu era a única pessoa que sabia o verdadeiro motivo de Paulo ter abandonado o desejo de ser padre e sobre sua sexualidade. Por mais que Paulo fosse um irmão pra mim e tivesse me confiado seu segredo, eu ainda não me sentia confortável para me abrir sobre isso com ninguém.
- Mais ou menos… - ele abriu um sorriso sacana no rosto e saiu andando na minha frente.
- Pelo visto terei que voltar só, essa noite pra casa… - ele apenas riu mas não disse nada. Eu queria perguntar várias coisas para Paulo sobre aquele assunto, mas não deixei a curiosidade me consumir.
- Babau pediu para passarmos na casa dele antes de irmos para a festa, não entendi direito o motivo, mas... - a simples menção ao nome de Babau já disparou meu coração. Inevitavelmente, eu não conseguia mais pensar em Babau sem me lembrar de Lucas.
-Ta-ta-b-bom… - merda! Eu nunca conseguia controlar essa maldita gagueira que me denunciava sempre que estava tenso com alguma coisa.
- O que foi, hein? - Paulo olhou para trás me encarando de cenho franzido.
- Que foi o quê, menino? Oxii… E bora apressar esses passos que não estou afim de chegar só amanhã na festa por causa da sua lerdeza... - saí disparado na frente deixando Paulo para trás.
- Eiiii! Me espera, Carlinhos… Ow, macho! - Paulo começou a correr parecendo uma gazela desgovernada atrás de mim e eu comecei a rir.
- Ai amigo, desde que se assumiu, você tá tãão viiiaaado… - provoquei, num tom debochado. Eu adorava encher o saco dele. Após uma estrondosa gargalhada, Paulo me deu um tapa no braço.
- Larga de maricagem, Carlinhos. Seu besta...
Chegamos na casa de Babau dez minutos depois. A sua rua era muito próxima da Vila. Roninho já estava na frente o portão e gargalhava que nem uma hiena com crise de asma de algo que eu não sabia o que era. Tentei ignorar a suadeira em minhas mãos e a falta de ar que começou a me atingir. Carlos, aja naturalmente pelo amor de Deus! Implorei mentalmente para o meu próprio cérebro. Fiz um esforço danado para não pensar que Lucas poderia estar em algum lugar daquela casa, mas foi em vão.
Assim que me aproximei do portão, dei logo de cara com ele. Agradeci mentalmente a Deus por estar de noite e ninguém poder analisar a expressão em meu rosto. Senti todo o sangue drenar do meu corpo e voltar em questão de segundos. Lucas estava com uma cara emburrada, o que fazia sua boca ficar ainda mais carnuda. Ele vestia uma camiseta branca justa no braço e uma calça jeans escura. Quando Lucas se virou para pegar uma chave, percebi que a calça delineava bem o formato de sua bunda. Sim, eu estava analisando a sua bunda. Sim, ele tinha a bunda mais bonita que eu já tinha visto na vida e sim, ele me pegou no flagra medindo o corpo dele de cima abaixo. Quando nossos olhos se cruzaram, eu tentei disfarçar, mas foi tarde demais. Eu estava literalmente hipnotizado naquele olhar. Paulo me conhecia muito bem e percebeu na hora o que estava acontecendo comigo. Graças a Deus, ele não disse nada, ao contrário, ele inventou um assunto qualquer para me dar um tempo sem ninguém prestar atenção em mim.
- O que é tão engraçado, Roninho? - perguntou Paulo para Roninho que ria que nem um idiota. Se Roninho sequer imaginasse alguma coisa ao meu respeito, eu estaria fodido para o resto da minha vida.
- Babau será babá do Abelardo essa noite… - disse rindo sem parar.
- Abelardo é seu nariz, babaca. - Lucas era educado até pra xingar.
- Se eu soubesse que você iria na festa, teria pedido para o meu amigo providenciar alguns litros de leite também para servir as crianças que não podem beber cerveja. - notei a expressão envergonhada de Lucas e meu sangue subiu. Se ele desistisse de ir na festa por causa do Roninho, eu ia matar o Roninho. Juro. Percebendo que pela cara de Lucas ao me olhar era exatamente o que ele ia fazer, resolvi interferir.
- Zóio de peixe, deixe o moleque em paz. Todo mundo sabe que a única pessoa que toma leite aqui é você e a fonte não é de uma vaca… - dei um tapa na nuca do meu amigo, fazendo todo mundo gargalhar. Lucas disfarçou um sorriso também, o que me deixou mais aliviado. - Por que você pega tanto no pé dele? Está com medo da concorrência? Ou porque sabe que um moleque de 15 anos passa mais o rodo na mulherada do que você? - Roninho ficou sem graça na hora e mostrou o dedo do meio pra mim. Paulo soltou outra de sua gargalhada escandalosa ao dizer “bem feito” deixando Roninho ainda mais sem chão. O assunto morreu, quando Babau finalmente saiu e apontou o dedo para Lucas.
- Se você me der trabalho, eu não te levo nunca mais, ouviu?
- Vá se ferrar…
- Você só está indo comigo, porque chantageou a vovó que abraça tudo o que você fala…
- Sou o neto favorito, esqueceu? - Lucas usou um tom provocativo e eu ri. Não sei se eu estava rindo mais por sua resposta ousada ou por saber que ele fez tanto esforço para ir na festa que eu havia convidado. Que Deus me ajudasse essa noite para não estragar tudo com ele...

Para Todo Sempre CarluOnde histórias criam vida. Descubra agora