Lucas

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Ponto de Vista - Lucas

Assim que abri os olhos após ser surpreendido pelo beijo de Bruna, Carlinhos não estava mais lá. Meu primeiro pensamento foi correr atrás dele, mas então, eu me lembrei que não poderia fazer isso. Não tinha o menor sentido eu fazer isso. Carlinhos havia acabado de dizer que estava interessado em mim e eu deixei claro em nossa conversa, o meu interesse somente por mulheres. Qual justificativa eu teria para correr atrás dele agora? Nenhuma. Então, por que saber que ele viu a Bruna me beijar estava me incomodando tanto?
- Uau… - disse Bruna com um largo sorriso no rosto. - Essa foi a melhor aposta que já paguei na vida…
- Você não devia ter feito isso. - falei, sério.
- O quê? A aposta?
- Ter me beijado assim, desse jeito. - seu sorriso murchou na hora.
- Você não gostou de me beijar?
- Não. - respondi sem pensar. No mesmo instante, os olhos de Bruna se encheram de lágrimas. Ai meu Deus, eu não aguentava ver ninguém chorando na minha frente que já tinha vontade de chorar junto, principalmente, mulher. - Er… Não, não foi isso que eu quis dizer… - tento consertar desesperadamente. - Claro que eu gostei de beijar você, é que eu estava conversando com Carlinhos e você acabou o deixando numa situação desconfortável… - o sorriso dela voltou a brilhar.
- Ah, foi só por isso, gatinho? - ela envolveu seus braços em meu pescoço e me beijou outra vez. - eu não a afastei, mas também não me senti envolvido. Os pensamentos em minha cabeça estavam bastante tumultuados naquele momento. - Essa não é a primeira vez que Carlinhos presencia alguém se beijar na frente dele, relaxa. Ele vai superar… - brincou, dizendo a última frase em tom de gozação. Mal sabia Bruna de todo o assunto que estava rolando aqui antes dela chegar. - Adorei que você aceitou meu convite pra festa, sabia? - falou acariciando meu rosto. Preferi não mencionar que o Carlinhos havia me convidado antes dela e que na verdade, eu iria vir de qualquer jeito quando ela me chamou.
- Acho melhor voltarmos lá pra dentro, já está tarde e eu preciso encontrar o Júnior para irmos embora.
- Eu também preciso ir, senão meu pai e meu irmão vão me comer viva. - antes de sair, ela olhou pra mim. - Lucas, o que acha de irmos ao cinema amanhã? - meu primeiro impulso foi recusar. Em seguida, pensei melhor e percebi que não deveria ser assim. Eu sou homem, a Bruna é bem gatinha e está me dando o maior mole. Se eu recusasse o convite dela, o que os outros iriam pensar de mim? Já não bastasse o nervoso que passava todos os dias por causa de Roninho.
- Cl-claro, te mando uma mensagem no MSN para combinarmos o horário amanhã. - Bruna ficou tão feliz que só faltou saltitar enquanto ia embora. Acabei sorrindo também, eu gostava de causar sensação de felicidade nas pessoas. Deve ser por isso, que fiquei tão chateado em ter magoado Carlinhos.
- Porra, caralho, moleque! Tá fazendo o que aí, Lucas? Te procurei na casa toda… - Júnior apareceu na entrada do quintal com seu típico mau humor. Ele tinha esse jeitão meio ogro, mas era super protetor comigo. Meu irmão mais velho e eu brigávamos muito, contudo, nos amávamos na mesma proporção também. Ele era conhecido pelos amigos como Babau, já eu, preferia chama-lo de Júnior mesmo que era seu sobrenome.
- Estava ficando com a Bruna... - respondi, sabendo exatamente sua reação.
- Você pegou a Bruninha, irmã do Gordo? - eu não gostava desses rótulos que meu irmão e os seus amigos davam para as pessoas. Eles não chamavam quase ninguém pelo nome. Todo mundo que passava na frente deles, ganhava um apelido diferente. Carlinhos e Roninho eram os piores pra fazer isso.
- Você sabe que o Gordão vai te matar, né? Ele é mega ciumento com essa irmã dele.
- Mas foi ela quem me beijou primeiro. - Júnior gargalhou.
- Esse é o meu garoto! - disse todo orgulhoso, dando três tapinhas nas minhas costas. - Bem se vê que está aprendendo direitinho a ser homem com o papai aqui... - meu irmão era muito galinha, mais que eu.
- Ah sim, claro… - debochei. Eu nunca precisei do Emanuel para me ensinar a pegar mulher. Na maioria das vezes, elas mais vinham atrás de mim do que eu delas. Depois de finalmente amansar a fera, fiz a pergunta que estava me aporrinhando internamente. - Você viu o Carlinhos por aí?
- Xii.. Já foi embora faz tempo...
- Ah tá. - respondo fingindo casualidade. Eu sabia que sem eu precisar perguntar, meu irmão me daria mais informações. Júnior adorava uma fofoca. Três… dois… Um...
- Carlinhos é meio doido... - eu não podia demonstrar mais interesse do que devia nesse assunto, mas não dava pra negar que saber mais sobre o cara, era o que eu mais queria no momento. Nem eu sabia explicar o motivo de eu estar tão interessado na vida do homem que havia se declarado pra mim naquela noite. - Uma hora ele está numa boa e na outra, simplesmente muda de humor e parece que vai matar todo mundo, eu hein? - eu acabei rindo. Eu já tinha percebido que Carlinhos era um tanto bipolar. Ele agiu exatamente assim na cozinha, quando nos deixou falando e saiu sem dar nenhuma explicação. Por isso que eu acabei indo atrás dele àquela hora, não tinha entendido nada. Eu queria perguntar mais, eu queria saber tudo. Acho que o meu lance com Carlinhos estava mais relacionado a curiosidade do que a interesse mesmo.
Eu nunca imaginei que aquele cara da Vila cheio de estilo, popularidade e metido a “pegador”, pudesse ser gay de alguma forma.
Claro que eu percebi o olhar que ele lançou pra mim na porta de casa mais cedo, nenhuma mulher jamais havia me encarado daquele jeito. Confesso que fiquei desconcertado na hora, mas disfarcei. O amigo dele também notou e eu achei muito bacana de sua parte ter encoberto Carlinhos. Se fosse qualquer outro amigo do meu irmão que tivesse visto, já teria feito mil piadas e deixado Carlinhos e eu, com a cara no chão. Até o próprio Carlinhos pelo pouco que eu o conhecia, teria esculhambado se a pessoa em questão não fosse ele. Paulo era o tipo de amizade que Carlinhos devia levar pra vida.
Até o começo da semana, eu só conhecia o amigo do meu irmão de vista. Por eu ser mais novo e ainda estar na escola, minha galera era outra.
Emanuel não era de me incluir no seu ciclo de amigos e eu também não fazia nenhuma questão disso. Eu sempre achei os amigos dele muito babacas. O rei dos babacas obviamente era o Roninho. Cara chato da porra! Para minha total infelicidade, o idiota era praticamente meu vizinho. Além de esculhambar todo mundo, o Zé Mané ainda se achava a última bolacha do pacote.
Desde o dia que ele cismou de me comparar ao Abelardo Sardinha, o homossexual interpretado por Caio Blat na novela Da Cor do Pecado, que minha vida virou um verdadeiro inferno. Ele fazia eu passar a maior vergonha na rua com suas gozações e piadas sem graça. Teve um dia desses que eu fiquei tão nervoso que até chorei de tanta raiva. Vitor e Carlinhos eram outros que se achavam os galãs de Penedo. Por isso, quando Carlinhos veio puxar assunto comigo no Orkut, eu nem acreditei. Apesar de esculhambar minha foto de perfil, eu confesso que me surpreendi com o cara. Ele demonstrou ser muito mais gente boa do que eu imaginava. Ele era intrigante demais e dono de uma autoconfiança invejável.
Carlinhos tinha um negócio diferente dentro dele que eu não sabia explicar. Apesar de toda a revelação que ele fez sobre o seu interesse em mim, eu não sentia vontade alguma de mantê-lo afastado da minha vida. Ao contrário, de alguma forma essa abertura que ele me deu, só colaborou para que eu me sentisse ainda mais próximo a ele, por compartilhar um segredo ao seu respeito que nenhum outro amigo dele, exceto Paulo, desconfiava.
Mesmo eu sendo hétero, eu não podia deixar Carlinhos passar por tudo aquilo sozinho. E se ele me permitisse continuar sendo seu amigo, eu estaria aqui para ajudá-lo a enfrentar e superar essa fase complicada de sua vida.
Talvez ele até possa perceber que se confundiu e que esse interesse que ele acha que sente por mim, não passa de uma fase estranha por causa da mudança de hormônios que era normal na nossa idade.

Para Todo Sempre CarluOnde histórias criam vida. Descubra agora