O treino hoje tinha sido pesadão. Eu estava destruído, com os braços e pernas completamente doloridos e suando igual um porco no vestiário da academia. Resolvi tomar uma ducha antes de ir embora. Eu odiava deixar aquele cheiro de rato morto debaixo do braço. Abri o chuveiro e comecei a pensar na vida. Fazia alguns dias que a minha mãe andava estranha comigo, me rodeando, mas não dizia nada. Anteontem quando saí do banho, a encontrei me esperando no meu quarto.
-Ai mãe, que susto! - falei ao me surpreender com ela sentada em minha cama. - O que faz aqui?
_- Vim saber se está tudo bem com você, filho. Ando trabalhando demais no colégio e você não tem parado muito em casa...
- Eu estou bem sim, mãe... - no mínimo minha tia Tânia ou alguém da minha família já devia ter falado alguma abobrinha pra ela. Fiquei esperando minha mãe me encurralar na parede com perguntas sobre minha vida pessoal, mas ela não fez isso. Já não bastava vóinha sempre querendo saber das minhas namoradas e minhas primas dando pitaco o tempo inteiro na minha vida amorosa, era muito constrangedor.
- Lucas, meu filho, eu sou sua mãe e você sabe que eu te amo, não sabe? - que conversa era aquela?
- Eu sei mãe, eu te amo também... - semicerrei os olhos pra ela numa expressão confusa.
- E eu sempre estarei aqui para o que precisar... - concluiu, se aproximando de mim e me puxando para um abraço. Eu queria muito abrir o jogo sobre o Carlinhos para minha mãe, mas não tinha coragem. Abri e fechei a boca umas três vezes, mas acabei desistindo de falar.
- Obrigado, mãe! - suspirei fundo, liberando-a dos meus braços. - Eu vou dormir na casa da Gracy hoje. - minha mãe me encarou estranha, mas não disse nada.
- Você está se cuidando Lucas? - perguntou me deixando mais confuso ainda.
- Claro que estou me cuidando, mãe. - não entendendo o rumo da conversa, resolvi descontrair. - Olha esse corpinho malhado, vou na academia todo dia! Estou muito bem cuidado... - ela acabou rindo e beijou o topo da minha cabeça.
- Só tenha juízo, filho. - ela beijou o topo da minha cabeça e saiu do meu quarto.Aquela conversa com minha mãe não parava de martelar na minha cabeça. Comentei com Carlinhos sobre o ocorrido e ele disse que devia ter sido obra da minha tia Tânia, só pra infernizar ainda mais a nossa vida. Minha tia me criou junto com vóinha e minha mãe, eu sabia que ela só queria me proteger, mas tinha horas que ela realmente passava dos limites. Eu já tinha perdido as contas da quantidade de discussões que havia tido com ela. Carlinhos a detestava. Por diversas vezes, eu cheguei chorando na vila por ter que fazer um caminho completamente alternativo para esconder da minha família que eu estava indo pra lá. O trajeto que eu levaria uns dois minutos pra fazer, se tornava quase vinte. Fora que eu chegava todo suado e sujo de mato. Era horrível! Eu nem contava essas coisas para o Carlinhos porque eu não queria grilá-lo com os meus problemas, eu tinha medo dele não conseguir comprar a minha briga e desistir de mim. Se bem que ele ficou louco quando eu inventei, depois da nossa última briga, que iria me mudar para Santa Isabel, um bairro mais distante da Vila. Eu queria que Carlinhos sentisse que ia me perder para me dar mais valor e deu certo. Ele até me chamou para morar com ele com medo do nosso relacionamento não dar certo por causa da distância.
Rindo ao me lembrar dessa nossa conversa, eu fechei a ducha e me virei de costas para pegar a minha toalha que estava pendurada no gancho lateral. As duchas da academia eram bem básicas, abertas e divididas por muretas. Logo que fiz o movimento, encontrei Robson atrás de mim, olhando na minha direção. Era impressão minha ou ele estava encarando a minha bunda?
Lembrei-me do comentário de Carlinhos na semana anterior a respeito de Robson, mas não dei muita importância por achar que era só doidice da cabeça dele. Afinal, Robson era noivo de Rebeca e totalmente hétero pelo que aparentava. Um pouco sem graça, peguei minha toalha e amarrei em volta da cintura. Eu sentia que estava sendo observado o tempo todo, mas tentei não pensar naquilo. Acho que as paranóias de Carlinhos estavam passando pra mim.
- A sequência de treino que você está fazendo está dando um excelente resultado, já é bem visível a evolução do seu corpo. - ele falou isso, enquanto mexia dentro de sua mochila.
- Ah valeu, cara. - respondi, vestindo minha bermuda por debaixo da toalha. Por algum motivo, eu estava com receio de ficar pelado na frente dele outra vez.
- Você não tem namorada, né? - Robson se aproximou de mim e senti um calafrio percorrer minha espinha. Cadê os outros caras dessa academia que não entram nessa porra de vestiário?
- Não. - respondi e logo acrescentei. - Mas, você sim, né? A Rebeca é uma mulher muito bonita, inclusive.
- Sim, ela é. - ele abriu um sorriso fácil demais. - Ouvi dizer por aí que você curte ficar com caras, é verdade? - aquilo não estava acontecendo, sem saber o que dizer, fiquei mudo. Robson se aproximou ainda mais enquanto eu vestia minha regata de qualquer jeito. Eu precisava urgente dar um jeito de sair dali. Robson devia ser uns dez anos mais velho que eu e parecia um troglodita. Seu braço era mais ou menos da grossura da minha coxa. - Ei, eu não sou gay não cara, relaxa... - disse rindo, ao perceber minha tensão. - Mas eu nunca vi uma bunda tão gostosa quanto a sua e eu estou com muito tesão de enfiar meu pau dentro dela pra saber como é. - aquelas palavras me destruíram por dentro. Robson era um escroto da pior espécie e estava pensando que eu era o quê?
- Olha cara, não vai rolar...
- Por quê? Você é um viadinho seletivo? Deixa eu te pegar de jeito que eu te mostro o que é ser comido por um macho de verdade. - uma vez Carlinhos havia me dito sobre a possibilidade desse tipo de coisa acontecer com a gente, mas eu nunca podia imaginar que a sensação pudesse ser tão ruim. Eu já tinha levado cantadas de outros caras, mas nenhuma nesse nível tão baixo a ponto de ser tratado com tanta falta de respeito. Lembro-me do Igor enchendo o meu saco na época da escola, mas não foi nada comparado a isso. Existia muita gente podre nesse mundo e Robson não passava de um gay enrustido, metido a machão, que usava mulher de fachada para suas putarias. Minha vontade era de expôr pra academia inteira que ele estava dando em cima de mim e acabar com essa pose de fodedor que ele achava que tinha. Mas, fiquei com dó de Rebeca, no mínimo esse babaca sempre a fazia de trouxa. Ela não merecia passar por mais esse constrangimento.
- Cara, eu realmente não estou interessado e eu sinto muito que você precise ser tão imbecil para esconder seu verdadeiro desejo por homens. Sua noiva não merece você... - ele abriu a boca para me ameaçar, mas eu o cortei. - Se você ousar falar comigo ou olhar pra mim outra vez, eu juro que não vou me importar em expor essa situação para a cidade toda só pra mostrar pra todo mundo quem verdadeiramente você é. Faço até propaganda na rádio local se for preciso, eu tenho uma amiga que trabalha lá que iria adorar divulgar essa história no programa dela por um pico de audiência... - Robson ficou pálido. - Outra coisa, vá se foder cara! - peguei minha mochila e sai vazado do vestiário.
Eu estava me sentindo horrível. Logo que cheguei na calçada da rua, comecei a chorar. Por que a minha felicidade tinha que ser algo tão difícil de viver? Eu estava sendo bombardeado de todos os lados. Em casa, fui no colégio, na rua e agora na academia também... Era muita humilhação! Cheguei na casa de Carlinhos e mesmo me segurando ao máximo, dessa vez, não consegui evitar a crise de choro. Tudo que estava preso na minha garganta se soltou ali, com Carlinhos me encarando assustado sem saber o que fazer. Eu não conseguia falar o que tinha acontecido, só conseguia ter forças pra chorar e chorar. Ele me abraçou forte e me deixou lá, apoiado em seu peito enquanto os soluços iam amenizando até que minha crise cessasse completamente.
Eu não queria sair dos braços dele, eu não queira contar o que tinha acontecido. Eu estava morrendo de vergonha... _-Quer falar? - perguntou, sem me pressionar. Eu amava essa relação que ele tinha comigo, ele sabia exatamente tudo que eu precisava, sem eu sequer dizer nada. Eu sabia que ele não me forçaria a nada, se eu dissesse que não. Mas, eu já não aguentava mais segurar tanta coisa sozinho e precisava desabafar. Carlinhos era meu melhor amigo.
- Você tinha razão...
- Eu sempre tenho razão, mas sobre o que especificamente? - acabei rindo de sua prepotência. Ele sempre dava um jeito de me fazer sorrir nos momentos mais difíceis.
- Sobre o Robson... - imediatamente, seu corpo endureceu e ele me afastou dos seus braços, olhando diretamente nos meus olhos.
- O que aconteceu Lucas? - eu tinha certeza que se eu desistisse de contar agora, Carlinhos ia atrás do cara pra tirar satisfações. E o que eu mais queria era distância daquele podre nojento.
- Fica de boa, tá legal? - eu pedi antes de começar a falar.
- Fala logo, cacete! Eu já até imagino que porra aconteceu, mas eu quero ouvir da sua boca... - comecei a relatar todo o ocorrido para Carlinhos e chegou uma hora que eu achei que ele fosse explodir. Seu rosto foi ficando vermelho e seus olhos escuros pareciam duas jabuticabas com as pupilas dilatadas. - Eu vou acabar com esse cara... - disse, furioso.
- Não vai não, preto... - rebati. - Ele é maior que eu e você juntos.
- Quem aquele Johnny Bravo da terceira idade pensa que é pra falar com você desse jeito? - Carlinhos e sua incrível capacidade de sempre dar um jeito de apelidar pessoas.
- Carlinhos, eu não quero confusão e nem que ninguém se machuque. Deixa que um dia a vida fará Robson pagar por isso sozinho...
- Eu sou a vida, Lucas.
- Amor é sério, promete que vai deixar isso pra lá?
- Não.
- Preto, eu já tenho problemas demais pra me preocupar com mais isso... _- Isso não é mais um problema seu Lucas, agora é meu...
- Eu juro que se fizer alguma coisa, eu nunca mais conto nada pra você... - ameacei, irritado.
- Lucas eu já estou cansado das pessoas medíocres dessa cidade! Eu sinto que se continuarmos morando aqui, nós nunca vamos sair do lugar...
- Calma, amor...
- Que calma, Lucas? Olha a situação ridícula que você passou? Olha quantos dedos apontados na nossa cara temos que enfrentar todos os dias? Eu estou é de saco cheio disso tudo! Fora a dificuldade que temos das coisas darem certo pra gente neste fim de mundo! Milena que está certa de dar o fora daqui.
- Preto, nós vamos vencer! A maior vingança que podemos oferecer a todos que nos julgam é o nosso sucesso.
- Você pode ter certeza que eu vou batalhar dia após dia para isso acontecer. Eu vou fazer esse Robson e todos os outros imbecis dessa cidade, se arrependerem de toda humilhação que nos fizeram passar...
- Nós vamos conseguir... - caminhei até ele e o envolvi num abraço. - Apesar de sermos muito novos, tanto eu quanto você, sabemos o que queremos da nossa vida e não importa o que aconteça é com você que eu quero estar.
- Um dia você ainda vai desfilar de carrão aqui, só pra calar a boca desse povo mal amado! - eu ri.
- Pra mim, o mais importante não é nem o carro em si, mas você estar dentro dele comigo. - Carlinhos apertou seus braços em torno de mim e me beijou.
- Sempre. - disse num sussurro.
- Sempre... - repeti, capturando seus lábios mais uma vez.
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Para Todo Sempre Carlu
FanfictionPara Todo Sempre é uma Fanfic inspirada no romance de Carlinhos Maia e Lucas Guimarães. Porém, apesar de ter me baseado em alguns fatos reais para elaborar a história, é importante frisar que nada aqui é realmente real. Tudo é ficção e obra da minha...