Viagem pra Barra

456 31 0
                                    

Ponto de Vista do Lucas

O Carlinhos ia me matar! Será que mancha de açaí saí? Pensei, enquanto esfregava insistentemente com água e sabão a imensa marca roxa da minha camiseta branca. Quer dizer, da camiseta branca de Carlinhos. Nós havíamos parado no posto da estrada para Carlinhos calibrar os pneus da moto e eu entrei na loja de conveniência para comprar um açaí. Estava muito calor e eu amava açaí. Logo na primeira colherada que fui colocar na boca, inexplicavelmente, o açaí foi direto pra minha roupa. Eu não conseguia entender como essas coisas sempre aconteciam comigo. A camiseta era novinha e quanto mais eu esfregava, pior a mancha ficava, ele com certeza ia me matar… Droga!
-Lucas, você ainda tá aí dentro? - perguntou da porta do banheiro.
-

Oi pretinho, já vou! Espera só mais um pouquinho... _- Vai morar aí, cara? Está cagando ou abortando um filho? Pelo amor de Deus, Lucas! Que demora é essa? Agiliza logo que eu pretendo chegar na Barra ainda hoje… - se eu saísse sem camisa ele iria estranhar e se eu trocasse de camiseta ele iria perceber. Sabendo que não tinha mais jeito, respirei fundo, coloquei minha mochila nas costas e fui procurá-lo. Carlinhos estava pagando uma água no caixa da loja quando me viu. - Porra, até que enf… - sua frase foi esquecida no momento que seus olhos miraram sua camiseta.
- Aconteceu um pequeno acidente, preto…
- Pequeno? Tem um vulcão em erupção na minha camiseta nova Lucas e você me diz que aconteceu um pequeno acidente?

- Foi sem querer, preto… - tentei me justificar. - Quando eu vi já tinha caído tudo… - não sei o que ele tinha visto na minha cara, que o fez rir. Carlinhos pegou o troco da água com a caixa e veio na minha direção.
- É impressionante sua capacidade de ser desastrado Lucas… - disse passando o dedo no canto da minha boca. - E de se sujar também… - ele abriu garrafinha de água, tomou um gole e passou pra mim. - Beba um pouco de água pra limpar essa boca roxa aí… - bebi um gole da água e joguei um pouco no rosto esfregando em volta da boca. - Vamos nessa, senão vai ficar muito tarde e iremos perder o dia.
- Você não está bravo?
- Claro que estou, eu paguei uma fortuna nessa camiseta... - seu tom de voz era tranquilo, nem parecia que estava tão bravo. Eu sabia que a camiseta tinha sido cara. Ela era de marca e eu estava junto quando ele comprou.
- Desculpa, preto… Eu te dou outra. - falei, chateado.
- Quando voltarmos de viagem, eu vejo se mamãe consegue lavar pra mim, relaxa.
- Eu não fiz de propósito… - ele riu.
- Eu sei. - Carlinhos botou um capacete na cabeça e entregou o outro pra mim. - Não seria justo com o mundo você além de ser perfeito, ainda possuir coordenação motora né, Lucas? Será que você consegue segurar em mim sem cair ou terei que amarrar uma cordinha em volta da nossa cintura só pra garantir? - perguntou me gongando, enquanto subia na moto.
- Há há… engraçadinho! - fazendo uma careta debochada pra ele, subi na sua garupa e apertei meus braços firmemente em torno de sua cintura. Carlinhos cada dia ficava mais gostosinho. Desde que começou a treinar comigo, os seus músculos haviam se definido mais. Acomodei meu queixo em seu ombro e fiquei ali, sentindo a brisa gostosa da estrada no meu rosto, enquanto aproveitava aquela vista linda a caminho da Barra de São Miguel.
- Tem certeza que é aqui, Carlinhos? - perguntei, analisando a enorme entrada da residência. - Está parecendo mais uma pousada do que uma casa, de tão grande! - eu estava deslumbrado. Nunca havia visto uma casa tão bonita.
- Foi esse o endereço que ela passou, olha… - disse Carlinhos me entregando o papel que estava em sua mão.
- Liga pra ela, preto.
- Meus créditos acabaram, o seu ainda tem? - a gente fazia revezamento de créditos. Numa semana eu colocava dez reais e na outra ele.
- Deve ter uns dois reais, quer tentar? - Carlinhos estendeu o braço pra pegar meu celular, quando Zoelma nos chamou.
- Olha, eles chegaram! - disse contente caminhando ao nosso encontro. - Vocês demoraram, já está todo mundo ali curtindo a piscina… - ela apontou para uma área externa da residência, onde uma enorme piscina e uma grande churrasqueira,  dividiam a atenção de mais ou menos umas 15 pessoas. - Meu marido está ali fazendo um churrasquinho para nós... - falou dando passagem pra gente. - Entrem meus amores, estou muito feliz que vocês vieram… - Zoelma falava com a gente como se nos conhecesse há anos. Era impossível não se apaixonar por aquela mulher. Ela caminhou conosco até a sala de estar e apontou para a escada. - Lá em cima tem cinco quartos, eu deixei separado pra vocês, o segundo da esquerda que dá de frente para o banheiro. Tem duas camas de casal lá, podem escolher qualquer uma delas… - ela alargou mais o sorriso. - Ou as duas também se quiserem, o quarto é todo de vocês.
- Imagina, Zo! Não precisava se preocupar com a gente… - assim como eu, Carlinhos também já se sentia íntimo da sexóloga. - Eu e o Lucas podemos dormir até na casinha do cachorro se tiver vaga… - ele brincou, fazendo-a rir.
- Até parece que eu convidaria vocês pra minha casa, se não fosse para oferecer o mínimo de conforto… - Zoelma passou a mão na cabeça de Carlinhos, sem tirar o sorriso do rosto. - Agora subam lá, guardem as coisinhas de vocês, se troquem e desçam rapidinho para aproveitarem o sol e o churrasco. Sintam-se em casa. - ela saiu de cena, deixando eu e o Carlinhos olhando um para a cara do outro.
- Essa mulher existe mesmo? Porque sempre que estamos perto dela, eu sinto que vamos acordar a qualquer momento com mamãe brigando com Madalena por causa do lixo na porta da casa dela. - pior que a casa de Carlinhos era essa resenha mesmo. Não tinha um dia que eu não dormia lá e saia com a barriga doendo de tanto rir. Minha sogra era terrível!
- Ela é um anjo que Deus colocou no nosso caminho…
- Com certeza! - subimos a escada e seguimos as instruções de Zoelma. O quarto que ela nos resignou era maior que a minha casa inteira.
- Uau! - sem pensar duas vezes, Carlinhos pegou o celular do bolso e começou a tirar várias fotos com poses engraçadas para mandar aos moleques. Eu estava boquiaberto. - Preto, eu nem sabia que uma casa dessas existia na vida real, eu só tinha visto isso em filmes. - Carlinhos se aproximou, me envolvendo em seus braços.
- Se você for parar pra pensar, vai perceber que a nossa vida sempre será um filme, gato... - ele segurou meu rosto e beijou minha boca. - Um filme, onde nós mesmos somos os únicos protagonistas da nossa história e só dependerá da força do nosso amor para termos o nosso final feliz. - eu sorri, aprofundando a intensidade do nosso beijo.
Carlinhos era tão bom com as palavras, sempre fazia eu me sentir um cara  seguro ao seu lado. Eu não tinha mais dúvidas em relação ao que eu queria e ao que eu sentia, eu só tinha medo. Há muito tempo essa certeza já estava no meu coração. Eu passei a semana toda pensando no que a Zoelma me falou sobre eu não ter me aceitado ainda e por isso, eu tinha tanta dificuldade de deixar as coisas rolarem de verdade entre mim e Carlinhos. Eu nunca havia analisado a situação através dessa perspectiva e percebi que ela tinha razão. Eu tinha tanto medo dos outros não me aceitarem como eu era, que eu mesmo acabava me bloqueando para ser quem eu queria ser. Eu ficava com tanto medo de decepcionar minha avó, meus pais, meus parentes e a igreja, que eu acabava decepcionando o cara que esteve sempre ao meu lado. Eu tinha uma ligação muito forte com Deus e eu sabia que ele nunca me abandonaria se eu não o abandonasse, independente das minhas escolhas. Minha fé sempre foi maior do que eu e Deus nunca me permitiria sentir tanto amor por alguém se isso fosse pecado. Eu não escolhi amar Carlinhos. Quando ele entrou na minha vida, apesar de toda minha resistência, eu sabia que ele já tinha vindo escolhido para eu amar. E eu o amava. Qual era o pecado existente no amor? Eu só queria ser feliz e não deixaria ninguém me impedir de fazer isso. Abracei Carlinhos com força e chorei. - Oxi... Por que você está chorando, Lucas? - ele não estava entendendo nada, coitado. Alguns minutos atrás eu estava o beijando e de repente, começo a chorar. Eu queria dizer tudo o que estava sentindo, mas eu percebi que palavras seriam apenas palavras e Carlinhos merecia mais que isso.
- Eu achei bonito aquilo que você falou sobre nossa vida ser um filme e juntou com o fato de eu estar muito feliz por estarmos aqui... Ai acabei ficando emocionado…
- Ai meu Deus, eu tenho uma nega emotiva… - ele brincou, limpando as lágrimas dos meus olhos. - Tá de TPM, amor? Vai ficar menstruada? - eu sabia que Carlinhos estava me provocando só para me fazer parar de chorar. Deu certo, comecei a rir. Eu odiava quando ele me tratava como uma garota.
- TPM tem seu rabo, doidiça Carlinhos… - rindo, ele me deu um selinho e se afastou de mim, indo em direção a nossa mochila. Havíamos colocado todas as nossas coisas numa mochila só pra ficar melhor para carregar na moto.
- Agora deixe de maricagem, melhora essa cara e vamos descer que tem uma piscina enorme esperando pela gente lá embaixo. - falou jogando nossas toalhas em seu ombro. Carlinhos passou por mim, dando um tapa na minha bunda. - Venha neguinha… - uma das coisas que eu mais admirava em Carlinhos, era a leveza com a qual ele encarava a vida. Não importava o tamanho do problema, Carlinhos sempre dava um jeito de fazê-lo ficar pequeno. Ele dizia que não existia nenhum problema na vida que não houvesse uma solução e o aquilo não tivesse solução, já não era mais um problema, então não adiantava ficar remoendo, o negócio era seguir em frente. Me sentindo leve como não me sentia há muito tempo, segui meu namorado e partimos para começar a curtir o melhor final de semana das nossas vidas.

Para Todo Sempre CarluOnde histórias criam vida. Descubra agora