Decisão

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Nossa, eu precisava urgente cortar o cabelo... Pensei ao me olhar no espelho, enquanto terminava de raspar a barba. Eu gostava de manter minha aparência limpa e organizada para me sentir bem. Sempre fui um cara bastante vaidoso. Adorava esse lance de andar na moda, cuidar da pele, manter a boa forma e tudo mais. Não é porque sou homem que preciso andar na rua parecendo um brucutu desmantelado. Até isso as pessoas da minha cidade se acham no direito de julgar. Um homem não podia querer se arrumar e cuidar do corpo que já era motivo de gozação. Era um saco!
- Lucas saía logo daí, arrombado! Eu preciso cagar! - berrou Emanuel, esmurrando a porta do banheiro.
- Estou ocupado Júnior, vou demorar... - respondo, abafando o meu riso.
- Já faz mais de uma hora que você está aí dentro, moleque! Eu estou quase cagando na cueca... Sai daí agora Lucas, senão eu vou arrombar essa merda dessa porta! - ele deu mais dois socos na madeira, me fazendo gargalhar baixinho. Eu já estava trocado e prontinho para ir à escola, mas adorava aporrinhar meu irmão quando tinha a oportunidade. Agora eu só estava enrolando de pirraça mesmo.
- Se você arrombar a porta, terá que comprar outra pra vóinha com o seu salário, azar o seu... - provoquei, na maior tranquilidade.
Júnior tinha arranjado um bico de entregador na cidade, ganhava pouco, mas já servia pra ajudar alguma coisa em casa. Eu também que há dias vinha pensando no que eu queria fazer da minha vida. Não dava pra ficar encostado, sem fazer nada. A aposentadoria da minha avó era baixa e não era justo ela gastar o pouco que tinha conquistado com anos de trabalho, para sustentar a gente. Ela já fez demais por todos nós!
Muitas pessoas pensavam que por eu estudar em escola particular, era cheio da grana. Na verdade, eu era bolsista graças a minha mãe, que trabalhava pra caramba lá na escola que eu estudava. Em casa, graças a Deus nunca faltou nada, mas também nunca sobrou. Era tudo muito contadinho.
- LUCAS! - meu irmão estava quase chorando. - Abra essa porta, por favor! Eu faço qualquer coisa que você quiser... - ótimo, chegamos ao ponto que eu queria. Apelar para a chantagem era golpe baixo, eu sei, mas às vezes era a única forma de conseguir algumas coisas com Emanuel.
- Qualquer coisa mesmo?
- Eu vou te bater.
- Não vai, não.
- Vou sim.
- Se você bater em mim, a vovó bate em você...
- LUUUUCAS! - gritou, desesperado. - Pelo amor de Deus, cara... - Droga! Eu já estava começando a ficar atrasado, precisava ser mais rápido. - Fala logo o que você quer moleque, eu estou suando frio aqui...
- Deixa eu ir com você na festa de quinze anos da Nathália? - Nathália era um pouco mais nova que eu e atualmente, estudava na antiga escola de Carlinhos. Ela era amiga dos meninos.
- Você não foi convidado.
- Na verdade, eu fui sim. Mas não quero chegar lá sozinho.
- E quem te convidou?
- A Bruna.
- Ainda está ficando com ela? Eu não vou arrumar briga com o gordo por sua causa se essa merda não der certo, já estou avisando...
- Vai deixar eu ir com você?
- Por que não vai com a Bruna, então? Se foi ela quem te convidou... - fiquei mudo. Fazia três dias que eu estava procurando a resposta para essa pergunta e não conseguia encontrar.
Desde que rolou a festa na casa de Vitor, quase um mês atrás, que eu estava saindo com Bruna e não tive mais notícias de Carlinhos. Ele não puxou mais assunto comigo no Orkut e não apareceu aqui em casa, nem mesmo para falar com o Júnior. Porém, domingo passado, eu o encontrei por acaso na praça do centro e uma coisa muito estranha aconteceu comigo aquele dia.
Eu estava a caminho da sorveteria do Valdir de mãos dadas com a Bruna, quando o vi. Carlinhos estava com Elisa, amiga de Bruna, sentado no banco da praça e parecia bem íntimo da garota. Ele disse alguma coisa em seu ouvido, que a fez gargalhar. Meu coração disparou dentro do peito e por impulso, soltei as mãos de Bruna. Por algum motivo, eu não queria que Carlinhos me visse de mãos dadas com ela. Bruna me encarou sem entender nada e para disfarçar, eu fingi usar as mãos para procurar algo em meu bolso. Passei por eles, sem sequer olhar para o lado. Eu não devia estar tão nervoso só por rever Carlinhos, não era a primeira vez que eu via o cara na minha frente. Eu não me senti nervoso daquele jeito, nem quando ele se declarou pra mim naquela noite. O que estava acontecendo comigo? Eu sabia que meu nervosismo não estava relacionado a minha sexualidade, até porque, já fui apaixonado por garotas antes. Elisandra, foi a última. Eu sentia atração por mulheres... Eu estava ficando com a Bruna, certo?
Ficar tanto tempo sem notícias dele estava mexendo comigo de um jeito estranho. Eu queria simplesmente saber se ele estava bem. Não vou mentir que vê-lo com Elisa também havia me incomodado um pouco. Será que ele já tinha desencanado de mim? Pelo visto, sim. Eu deveria ter ficado feliz com isso, afinal, eu o dispensei e Carlinhos estava vivendo a vida dele. Eu nunca poderia ficar com Carlinhos daquele jeito. Nunca. Não tinha nada a ver nós dois. Então, por que eu não conseguia parar de pensar nisso? - Morreu aí dentro, Lucas? - meu irmão deu outro soco na porta, chamando minha atenção.
- Porque eu vou terminar com ela... - as palavras saíram da minha boca como se tivessem vida própria. Bruna era linda, gente boa, divertida, mas não preenchia o vazio que eu sentia no peito. Não adiantava eu postergar esse relacionamento para nos machucarmos ainda mais depois. Abri a porta do banheiro dando espaço para meu irmão entrar. Emanuel quase me derrubou ao fazer isso, tamanho era seu desespero pulando para alcançar a privada.
- Lucas, eu só não vou quebrar a sua cara agora, porque estou impossibilitado. Mas você ainda vai me pagar por isso... Ah, se vai... - esbravejou batendo a porta do banheiro na minha cara.
- Vou com você na festa, então.
- Eu só vou te levar, porque eu mesmo quero presenciar o gordo te arrebentar quando você partir o coração da irmãzinha dele. - o Bruno nem era tão bravo assim. Peguei minha mochila no sofá da sala e parti para mais um dia de aula. Eu não tinha pensado em terminar com a Bruna quando acordei, mas depois que tomei essa decisão foi como se um peso tivesse saído de mim. Independente de qualquer coisa, uma coisa era certa, a Bruna não era a garota certa pra mim.

Para Todo Sempre CarluOnde histórias criam vida. Descubra agora