Declaração

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Roninho não exagerou em nada quando disse que aquela seria uma festança. Parecia que todas as “gangues” de Penedo estavam lá. Tanto a turma do estadual quanto das duas escolas particulares que havia na cidade. Sempre que essas turmas se juntavam, a noitada ou acabava em briga ou em putaria.
Eu ainda não havia trocado uma palavra com Lucas. O moreno caminhou em silêncio o percurso todo até a casa do Vitor, amigo de Roninho. Chegando na porta de entrada, Babau olhou para o irmão.
- Escuta só, a partir daqui é cada um por si, pirralho. Não vai usar nenhuma droga e nem encher a cara, entendeu? Se acontecer alguma coisa com você, eu juro que eu te mato antes da vovó me matar, ouviu? E se for comer alguém, use camisinha… - não deu nem tempo de Lucas abrir a boca para responder, pois assim que ele botou os pés dentro da casa foi rodeado por um enxame de mulheres que lutavam desesperadamente para disputar sua atenção. Fechei a cara na hora.
- Luuuucas você veio! Não acredito que aceitou o MEU convite pra festa… - Por que a voz de Bruna tinha que ser tão irritante? Ela abraçou Lucas pelo pescoço e estalou um beijo demorado demais em sua bochecha. Aquela periguete oferecida! Lucas direcionou à ela com um sorriso sem graça e depois olhou pra mim. Eu não entendi o significado daquele olhar e nem quis entender. Meu humor estava péssimo! Só eu mesmo pra achar que o cara tinha vindo aqui por minha causa. O que eu estava pensando? Que Lucas ia dormir hétero num dia e acordar viado no dia seguinte? Eu era um fodido mesmo. Irritado nível extremo, resolvi pegar uma bebida. Eu não gostava muito de beber, mas aquela noite eu queria mesmo era ligar o foda-se.
- O que foi aquilo hein, Carlinhos? - cochichou Paulo repentinamente em meu ouvido.
- Aquilo o quê? - me fiz de desentendido.
- Pra cima de mim, macho? Logo eu que te conheço desde que nasci? O que foi aquele olhar arrebatador para o irmão do Babau na porta da casa dele? Você quase comeu o menino com os olhos... - pensei em mil respostas para dar, mas no final, só consegui dizer uma coisa.
- Não sei.
- Quer conversar sobre isso?
- Não.
- Você sabe que estarei sempre aqui, não sabe? - Paulo era foda. Ele sempre tinha as palavras certas, na hora certa. E ele nunca forçava a barra com nada.
- Valeu, macho. Mas agora eu vou curtir a festa e acho melhor você fazer o mesmo... - percebendo que aquele assunto havia morrido pra mim, Paulo deu de ombros e desapareceu na multidão.
- Carliiiinhos! - Sarah e Nathalia se aproximaram de mim com a animação de quem já havia bebido mais do devia. Sarah havia estudado na mesma escola que eu e tinha a minha idade, ela era apaixonada por mim desde a quinta série e péssima em disfarçar seus sentimentos. Já eu, era ótimo em fingir não perceber. Nathalia era mais nova e ainda estudava em nossa antiga escola.
- E ai? - cumprimentei-as sem emoção alguma na voz. - Onde vocês conseguiram esse negócio? - apontei logo para o copo de bebida na mão delas. Eu não estava afim de papo, nem de aguentar Sarah jogando seus peitos de Fafá de Belém na minha cara o tempo inteiro pra chamar minha atenção. Eu já tinha ficado com quase todas as amigas dela, menos com ela, coitada. Não era por nada, mas eu sabia que Sarah faria da minha vida um inferno. Só por isso. Se Elisa que teoricamente era mais tranquila, já enchia o meu saco as vezes, imagine Sarah que praticamente tinha uma faixa na testa escrito “Me coma, Carlinhos.”
- Tem lá na cozinha, quer que eu busque pra você?
- Eu tenho mãos Sarah, posso fazer isso sozinho. Valeu. Você viu os moleques? - eu sei que Sarah não tinha culpa da minha irritação, mas eu também não tinha culpa que ela foi a primeira a aparecer para aguentar meu mau humor.
- Uma parte do pessoal está na cozinha e a outra deve estar perdida por aí.
- Beleza. A gente se fala depois… - sem esperar por resposta, deixei as meninas na sala e parti em direção a cozinha. Meio que involuntariamente, acabei percorrendo os olhos ao redor da sala tentando encontrá-lo, mas não encontrei. No mínimo, o garoto já devia estar se atracando com alguma das biscates oferecidas da minha cidade em um canto qualquer da casa. Ajeitei meu boné na cabeça e abasteci meu ego com uma dose de confiança. Eu não ia estragar meu rolê por causa do Lucas, não mesmo. Eu podia até não ser considerado muito bonito, mas com certeza, eu era muito bom na arte de conquistar alguém. Eu tinha lá o meu charme.
- Depois o cara diz que não é metido. - o som daquela voz me fez estagnar no lugar. Olhei para o lado e encontrei Lucas de braços cruzados, sozinho, encostado na parede do corredor que separava um cômodo do outro.
- O que faz aqui sozinho? Seu irmão te botou de castigo, foi? - eu e o meu péssimo hábito de usar o ataque como autodefesa. Eu sabia que era errado, mas fazia parte de mim. Lucas abriu um ligeiro sorriso, sem graça.
- Eu parei aqui para respirar um pouco. Estava me sentindo sufocado lá na sala.
- Isso é o que dá ser muito bonito. - eu não queria ter dito isso em voz alta, mas pelo sorriso no rosto de Lucas, eu disse. Pelo menos ele tinha levado o meu comentário na esportiva. - Tá afim de beber alguma coisa? - perguntei não dando ênfase ao assunto anterior.
- Claro. - respondeu rapidamente. Lucas caminhou lado a lado comigo até a cozinha. Quando entramos, peguei duas latinhas de cerveja dentro do freezer, entreguei uma pra ele, abri a outra e partirmos em direção ao local onde estava uma parte da galera que eu conhecia. Inacreditavelmente, em apenas cinco minutos de conversa, Lucas já estava super enturmado e sorrindo abertamente para todos. Onde aquele menino pisava, virava o centro das atenções. Ele era tão falador… Passei boa parte do tempo que estive ali, somente acompanhando cada gesto e cada movimento do moreno que sem esforço algum, estava destruindo com toda minha estrutura.
O mover de lábios enquanto falava, a verdade em seu sorriso… Lucas tinha um poder de sedução muito forte e não fazia idéia disso. Ele sabia que era bonito, óbvio. O que ele não sabia era tudo que tinha por trás da bela aparência e que facilmente era transmitido através dos seus olhos. Eu percebi que literalmente havia entrado num caminho sem volta, quando me dei conta que até o sorriso que ele direcionava para as outras pessoas, estava começando a me irritar.
- Lucas vamos encontrar seu irmão. - falei do nada. Ele deu mais um gole em sua cerveja antes de me encarar.
- Pra quê? - perguntou, confuso.
- É Carlinhos, pra quê? - com um sorriso cheio de malícia nos lábios, Kelma abraçou Lucas pelo ombro e olhou pra mim. - Pode deixar o garoto aqui com nós que a gente cuida dele… - ao dizer isso, ela apertou ainda mais Lucas em seu abraço. Eu adorava a Kelma, mas não lembrei disso quando senti uma vontade imensa de arrancar seus braços de cima dele com um machado.
- Pra mim, tanto faz. - sem dizer mais nada, virei as costas e sai andando sem olhar pra trás. Eu precisava de ar.
A parte de trás da casa de Vitor dava para uma horta. Era muito comum aqui no interior, as pessoas terem plantações de alimentos em suas próprias casas. Mamãe mesmo, tinha várias no nosso quintal.
Para minha sorte, aquela parte da casa estava vazia. O barulho da música que rolava na sala estava mais abafado, o que me permitia ouvir o cantar dos grilos. Sentei ali no chão mesmo e encarei o céu acima da minha cabeça. Não existia um céu mais bonito que o de Penedo. Eu não conhecia ainda o céu de outros lugares, mas eu tinha certeza que o daqui sempre seria o mais bonito.
-Por que você saiu daquele jeito? - eu não precisei olhar pra trás para conseguir sentir sua presença. A atmosfera girava diferente quando Lucas estava por perto.
- Você fala demais cara, me irrita. - eu não queria ser tão rude, mas fui. Eu não conseguia controlar minha boca quando a raiva falava mais alto. Lucas ficou tanto tempo em silêncio que eu só sabia que ele ainda permanecia ali, porque eu ainda podia senti-lo.
- Desculpa. - pediu com a voz baixa e magoada.. - Eu vou te deixar sozinho, não quero mais te incomodar… - Lucas era tão lesado. Ele não tinha mesmo percebido nada diferente entre nós? Só eu que sentia aquela ligação absurda que me atraía feito um ímã em sua direção? Eu abraçava os joelhos com tanta força que eu achei que fosse quebrar minhas pernas. Tudo para não correr o risco de me levantar daquele chão e atacar a sua boca.
- Com os outros Lucas… - suspirei fundo. - Você fala demais com os outros, é isso que me irrita. - foda-se, falei. Não gosto de nada me agoniando, já não bastava todos aqueles sentimentos adversos dentro de mim.
- Você se irritou porque eu estava conversando com as outras pessoas?
Fiquei em silêncio. Por que ele não ia embora de uma vez?
- Hein, Carlinhos? Por que você se irritou com isso? - num ato impulsivo, respirei fundo mais uma vez, me levantei do chão e caminhei a passos lentos em sua direção.
Não estava nos meus planos assumir isso tão cedo, eu queria preparar o terreno antes para não me expor desnecessariamente, mas eu já estava fodido mesmo. O que ia adiantar assumir isso hoje ou na semana que vem? Nada. Estava mais do que claro pra mim que os meus sentimentos por Lucas não iriam mudar. De alguma forma, eu sabia que o que eu sentia por ele vinha de outras vidas. Lucas era uma estátua imóvel na minha frente. O garoto me encarava com tanta intensidade que eu achei que fosse derreter. Ele estava bastante nervoso. Sem querer prolongar muito para não perder a coragem, já fui logo dizendo:
- Porque eu acho que estou afim de você, cara.

Para Todo Sempre CarluOnde histórias criam vida. Descubra agora