Primeiro Beijo

685 52 3
                                    

Ponto de Vista - Lucas

Entro no banheiro e fico não sei quanto tempo me olhando no espelho. Eu estava um pouco alto por causa da bebida, mas plenamente consciente do ciúmes que estava sentindo de Carlinhos com a Carolzinha. Minha cabeça ainda travava uma batalha interna entre o certo e o errado, entre a vergonha e a vontade, entre a felicidade e o pecado. Eu sentia que ia entrar em colapso a qualquer momento. Abri a torneira na minha frente, jogando um punhado de água no meu rosto para tentar raciocinar melhor. Logo que encarei o meu reflexo no espelho outra vez, após secar meu rosto com papel, eu travei. Carlinhos estava bem ali, parado atrás de mim, só me observando com as mãos guardadas nos bolsos da calça. Ele estava lindo. Droga! Eu achava ele lindo. Carlinhos tinha um estilo próprio de se vestir, era charmoso a sua maneira e despertava sensações completamente diferentes em mim. Eu não conseguia mais tirá-lo da minha cabeça desde aquele sonho que tive com ele meses atrás. Na verdade, Carlinhos já vinha dominando os meus pensamentos bem antes disso. Eu me sentia num cabo de guerra, ora com alguém me impulsionando para frente, direto para os seus braços, ora alguém me puxando para trás, para bem longe dele.
- O que faz aqui? - consigo perguntar sem gaguejar. Ele dá dois passos na minha direção e olha pra mim.
- O que as pessoas fazem no banheiro, Lucas? - Carlinhos passa por mim e abre a torneira para lavar as mãos.
- Faz tempo que você está aqui dentro?
- O suficiente pra te acompanhar numa batalha interna que eu espero estar relacionada a mim. - ele sorri e apoia as costas na pia, ficando do meu lado. - Você está bem?
- Não. - respondo com sinceridade.
- O que foi Lucas? - eu estava quase chorando.
- Carlinhos, eu preciso me afastar de você. - eu finalmente digo o que está me matando e ele me encara, surpreso.
- O que foi que eu fiz agora? Eu juro que não inventei mais nenhuma história a nosso respeito, cara. Eu já até desmenti aquele lance de ter ficado contigo...
- O problema não é o que você fez, mas o que eu quero fazer. Carlinhos o meu sentimento por você não está sendo mais algo saudável pra mim… - Carlinhos repentinamente me puxa pelo braço, nos trancando em uma das cabines sanitárias. O espaço era pequeno, o que nos deixou encurralados na parede lateral, entre a porta e a privada. - O que você está fazendo, cara? - pergunto, sentindo meu coração disparar com aquela aproximação.
- Vamos resolver logo isso de uma vez por todas, Lucas. - Carlinhos estava sério, como poucas vezes eu havia o visto na vida. - Cara, eu imagino o quanto deve estar sendo difícil pra você passar por tudo isso, mas você precisa entender que não é parte única nessa história. Os seus grilos, são meus grilos também. Não faz muito tempo que eu venho descobrindo minha sexualidade e pra mim tudo isso é novo também. Eu gosto de você, Lucas. Eu já deixei mais do que claro o que eu quero com você. Quanto tempo mais você vai resistir a isso? - Carlinhos me imprensava na parede assim como fez no meu sonho, deixando-me com falta de ar.
- O que Deus vai pensar de mim Carlinhos? E a minha família? Como vamos conseguir conviver com esse pecado nas costas? - meu corpo tremia, eu estava travado no lugar.
- Às vezes eu me questiono se Deus nos colocaria no mundo para sermos seres infelizes e obrigados a ficar com quem não amamos, só porque a sociedade diz que é o certo a se fazer…
- Não é a sociedade Carlinhos, é a Bíblia... - Carlinhos me encara nos olhos com a profundidade de um oceano.
- Você acha mesmo que Deus quer isso pra gente, Lucas? Que vivamos num relacionamento infeliz, sem desejo e sem amor com uma mulher só pra dizer que estamos seguindo a Bíblia? Eu não escolhi ser gay, Lucas. Você também não escolheu gostar de mim, isso não foi uma opção. Aconteceu cara. E eu sei que você quer experimentar isso tanto quanto eu… - Carlinhos aproxima o seu rosto do meu e eu lhe impeço, espalmando a mão em seu peito.
- Eu não posso fazer isso, Carlinhos. Desculpa cara, eu não consigo. - eu deixo uma lágrima escorrer pelo meu rosto quando Carlinhos respira fundo dando um passo para trás.
- Está certo, Lucas. Eu vou respeitar os seus motivos, mas saiba que essa é última vez que eu tento alguma coisa com você. Faz um ano que estamos lutando contra essa conexão que temos um com o outro e agora eu acho que você tem mesmo razão. O melhor que temos a fazer é nos afastarmos. Eu preciso tentar te esquecer, mas não vou conseguir fazer isso se continuarmos assim tão próximos... - aquelas palavras doeram mais que uma facada no meu peito. Uma dor inexplicável me atingiu quando, pela primeira vez, eu senti que Carlinhos realmente estava falando sério e abrindo mão de me querer em sua vida.
- Mas eu não quero me afastar de você... - digo, contradizendo minhas próprias palavras. Carlinhos olha pra trás e sorri, enganchando repentinamente seu braço envolta do meu pescoço. Tudo aconteceu muito rápido. O cabo de guerra que me segurava para trás, de repente, me impulsiona para frente fazendo com que eu apoiasse minha mão em seu abdômen. Eu sentia mil borboletas fazendo guerra no meu estômago. Eu estava tão nervoso que eu achei que fosse cair. Era a minha cara cair numa situação como essa. Carlinhos acenou com a cabeça dando a força e a coragem que eu precisava para me permitir àquele momento. Eu estava sem saber o que fazer, como se fosse o primeiro beijo que eu dava na vida. Na verdade, Carlinhos era o meu primeiro beijo. Ele era o primeiro homem a me beijar. Com o coração saindo pela boca, sinto sem delongas, sua boca encostar na minha. Fecho meus olhos e uma mistura muito louca de sentimentos me invade como se o universo estivesse me mostrando que ali era a quantidade de areia exata para preencher o buraco no meu peito, toda vez que eu ficava com alguma mulher. Com Carlinhos, eu estava finalmente me sentindo completo. Eu estava com tanto medo e tão perdido em meus próprios pensamentos, que não me atentei aos movimentos que fazia com a boca. Quando abri os olhos, Carlinhos estava me encarando. Seus lábios estavam vermelhos e sangrando.
- Por acaso você é algum tipo de vampiro, menino? - ele pergunta com o dedo nos lábios, me deixando sem graça.
- Fui eu que fiz isso com você?
- Tem mais alguém aqui?
- Desculpa cara, é que eu estou nervoso.
- Relaxa, está bem? - ele pede, acariciando o meu rosto. - Vamos tentar fazer isso de novo... - eu fechei meus olhos outra vez e me entrego totalmente ao momento. Desliguei a minha mente de todos os pensamentos que não iriam adiantar em nada agora. Deixaria para pensar no depois somente amanhã. Com os olhos fechados, senti a boca de Carlinhos na minha de novo. Ele apoiou uma mão na parede e a outra enganchou atrás da minha nuca, trazendo nossos corpos para mais perto um do outro. Eu ainda me sentia travado, mas consegui deixar a sensação gostosa do seu beijo tomar conta de mim. Carlinhos me beijava com cautela, como se soubesse que eu podia pirar a qualquer momento. Seu toque e seu gosto era uma das melhores coisas que eu já havia provado na vida. Carlinhos finalizou nosso beijo com um selinho demorado, como se estivesse lutando para postergar o quanto podia aquele beijo. Ao abrir os olhos, ele sorriu. - Foi bem melhor agora né? - eu estava sem voz. - Lucas?
- Eu… caramba!
- O que foi?
- O que a gente vai falar para o pessoal lá fora? Faz um tempão que estamos aqui dentro.
- O Bruno está segurando a porta.
- O Bruno? Você contou pra ele?
- Ele não vai dizer nada, relaxa. Eu precisava de um reforço pra não deixar você sair daqui sem me beijar...
- Carlinhos e agora? E se ele contar pra alguém? - eu estava desesperado.
- Lucas fica calmo, cara! O Bubu está nos acobertando. Qualquer coisa a gente fala que você estava passando mal...
- Carlinhos é sério! Eles vão desconfiar…
- Se você aparecer com essa cara de quem acabou de beijar um homem, eles vão desconfiar mesmo. Fica calmo, Lucas e deixa comigo. Apenas aja naturalmente… - Carlinhos destravou a porta, me dando passagem. Bruno nos encarava com um sorrisão no rosto e eu fiquei morrendo de vergonha. A adrenalina corria a mil pelo meu corpo. A sensação que eu tinha era que todo mundo que olhasse pra minha cara, estava sabendo que eu tinha beijado Carlinhos, porque estava escrito na minha testa. - Me segue… - ele falou saindo do banheiro. Eu devia estar pálido, minhas mãos não paravam de tremer. Bruno não disse nada, apenas seguiu ao nosso lado.
- Uhhh até que enfim as duas moças apareceram, estavam se chupetando no banheiro? - o idiota do Roninho fala isso e eu quase infarto. Carlinhos manteve a mesma expressão inicial como se Roninho nem existisse ali.
- Babau, a criança aqui bebeu demais e passou mal no banheiro, acho melhor você levá-lo pra casa… - eu devia mesmo estar com cara de quem havia gorfado as minhas tripas no banheiro. Meu irmão estava cheio de conversa com a Carolzinha e me encarou de cara feia.
- Ah, e não acredito Lucas. Se a vóinha te vir chegar nesse estado vai me matar cara…
- Quer um copo d'água coisa linda? - pergunta Amanda, vindo toda solícita na minha direção. Carlinhos segurou a mão dela antes que pudesse me alcançar.
- Não precisa não, Lindona. Ele já bebeu muita água na torneira do banheiro. - Carlinhos nem se incomodou com o fato de Amanda ter ficado extremamente sem graça. Babau olhou para Carlinhos implorando ajuda, nitidamente não querendo ir embora por causa da Carolzinha. Carlinhos fingiu uma cara de desgosto e me encarou.
- Vamos, eu te levo pra casa.
- Eu não preciso de babá… - respondo, tentando agir com naturalidade.
- Lucas… - simulando certa irritação, virei as costas e sai, deixando Carlinhos para trás ciente que ele iria me seguir logo em seguida.

Para Todo Sempre CarluOnde histórias criam vida. Descubra agora